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Brasil Sergipe

3 gostosuras de Aracaju, Sergipe

Eis uma das capitais mais simpáticas e aconchegantes do Brasil. Meus amigos às vezes dizem que eu deveria postar mais sobre os nossos lugares, então resolvi reportar este bordejo por aqui falando do que me encanta em Aracaju.

Não é minha primeira vez na cidade — deve ser a quarta, mas as outras foram todas antes de eu escrever nesta página.

Aracaju pode bem ser a mais mimosa das capitais brasileiras. Com meras 670 mil pessoas, é uma cidade de médio porte com certas facilidades de capital (aeroporto, bons restaurantes, etc.). Conserva uma tranquilidade quase interiorana.

É quase como se Aracaju fosse um segredo, apreciado por quase todos os que vêm aqui, e as pessoas — não sei quem — fazem aquele shhh com o dedo nos lábios, do “não conta pra ninguém”, de como muitos têm Aracaju como o seu refúgio secreto.

Da extensa e famosa Orla de Atalaia ao centro histórico de Aracaju, vamos dar umas voltas pela cidade para que eu possa lhes contar das 3 gostosuras que me atraem até aqui.

Praia de Atalaia em Aracaju
Pôr do sol na praia de Atalaia.
Praça da catedral de Aracaju
A praça da catedral de Aracaju, com barraquinhas de artesanato ali.

1ª Gostosura de Aracaju: O linguajar

Quem não conhece muito do Nordeste costuma crer que há um sotaque só, uma maneira de falar. Há maneirismos e gírias regionais, sim, mas bastantes diferenças internas também.

Eu, como baiano, acho uma diversão vir cá e notar as diferenças. Os sergipanos são muito criativos. Lá na Bahia eu não escuto falar “uma bexiga!” (uma zorra!), nem me advertem que “ali tem uma escada gasturenta” como me fizeram aqui.

Como diz o lema pessoal de uma amiga minha mexicana que é designer: Amarás la creatividad sobre todas las cosas, então não posso deixar de me regozijar aqui com os sergipanos.

A tal escada gasturenta, a quem tiver a curiosidade, foi a do Museu do Artesanato de Sergipe, que na verdade é um amplo mercado de artesanias colocado num belo casarão de época bem no centro da cidade, diante da catedral.

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O casarão de época que hoje abriga o dito Museu do Artesanato Sergipano, na prática um grande mercado focado em têxteis. Muita coisa típica.
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A formosa catedral de Aracaju em sua praça. Formalmente, é a Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1875 num estilo que mescla elementos neogóticos e neoclássicos. Algumas barraquinhas de artesanatos também por aqui.
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Há dezenas de lojinhas aqui com rendas de toda sorte no mercado, desde roupas a bibelôs para ter em casa. Muita coisa feita a mão.
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Sergipe é um destes recantos do Brasil que ainda preservam as tradições rendeiras. Os preços por vezes são muito em conta, se comparados ao restante do país.

Se você gosta desse tipo de produto manual, pode encontrar muita coisa “de raiz” — e mais barata — no Mercado Municipal, a algumas quadras daqui.

Afora as artesanias de muitos tipos, você também encontra bastante literatura de cordel e outros elementos culturais sergipanos. Vale uma volta.

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Interior do Mercado Municipal de Aracaju.
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Muitas lojinhas de artesanias no Mercado Municipal Antônio Franco.
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Há um pouco de tudo, inclusive sebos e vendas de literatura popular de cordel.
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Há uma autenticidade na linguagem também, uma segurança cultural. Não é aquela coisa brega de termos em inglês para parecer chique.

A “colonização mental” ou cultural de que falam alguns autores sobre o Brasil não chegou muito longe aqui em Aracaju. Sergipe sempre nos defenda.

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2ª Gostosura: Uma bem-ajeitadinha tranquilidade

Você já deve ter começado a sentir pelas fotos acima.

Acostumados como estamos, muitos de nós, à muvuca corriqueira das maiores cidades brasileiras, eu me admiro com o asseio jeitoso de Aracaju.

É claro que há pedaços de típico ambiente urbano de miolo de cidade, com os ambulantes necessitados, os ocasionais pedintes, por vezes excesso de barulho, ruas precisando de limpeza, etc. Porém, Aracaju é farta de espaços pacatos, bem-ajeitadinhos, limpos e arborizados.

Em grande medida, é um outro padrão.

Ruas de Aracaju
Dentre as coisas que mais me admiram em Aracaju está o simples asseio da cidade. Por vezes, nem parece que é Brasil.
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O Palácio do Governo de Sergipe, no centro de Aracaju.
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Sim, há espaços urbanos também assim típicos em Aracaju como em tantas outras cidades do Brasil — embora até estes contem com a criatividade local. (Há meses já não era Black Friday. Aqui eles fazem a tal antropofagia cultural, de que nos falou Oswald de Andrade, sem serem eles devorados.)

Se no centro você tem daquelas praças e espaços pacatos, é na Orla de Atalaia que se encontra o outro braço de tranquilidade da cidade.

A 10 Km do centro, passando por manguezais bem conservados em pleno ambiente urbano e vias arborizadas para aplacar o calor da cidade, você chega ao ponto onde o Rio Sergipe (que dá nome ao estado) desemboca no mar, e dali Atalaia se estende por muitos quilômetros com suas imensas praias de areia.

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Coqueiral na Orla de Atalaia, em Aracaju, com ciclovia e espaços onde fazer caminhada.
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Um entardecer que presenciei em Atalaia.
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Eu no letreiro.

Quando às vezes me pego a imaginar que “nem parece Brasil”, eu de pronto me corrijo, percebendo que Aracaju na verdade é mais brasileira que muito lugar por aí.

Eu não sei qual é a auto-imagem dos sergipanos, mas não se demora muito a notar a forte herança genética e cultural indígena por aqui.

As pessoas costumamos imaginar os índios como algo remoto, do passado, da nudez dos tempos de Cabral. Há pesquisas sobre a invisibilização da matriz indígena inclusive aqui.

Aí é quase cômico lembrar dessa visão distorcida quando ando pelas ruas de Aracaju e vejo as longas madeixas negras das sergipanas a caminhar, as dominantes feições indígenas explícitas em tantos homens e mulheres.

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A medalhista brasileira de natação Sarah Marques, originária de Sergipe. (Foto: Felipe Martins, Globo Esporte)

A quem não sabe, o nome “Sergipe” origina-se do esverdeado Rio Sergipe (“rio dos siris” em Tupi), que banha Aracaju junto com o Oceano Atlântico e desemboca aqui.

O nome ainda extrai significado do famoso Cacique Serigy, que liderou resistência duradoura aos portugueses durante quase todo o século XVI e que alguns consideram “o primeiro herói nacional”.

Durante todo aquele primeiro século de colonização portuguesa do Brasil, a região onde hoje são Sergipe e Alagoas foi um grande bastião de resistências indígenas que praticamente inviabilizavam qualquer comunicação por terra entre a capital Salvador e o Recife.

Foi por estas bandas, inclusive, que teria sido devorado pelos índios Caetés o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha (1496-1556), que naufragou na sua viagem da Bahia a Portugal para fazer queixas ao rei do comportamento do filho do governador, Álvaro da Costa, filho de Duarte da Costa.

Quem quiser a descrição do ocorrido em bom português de época,

“Foi cativo dos índios Caetens, cruéis e desumanos, que conforme o rito da sua gentilidade, sacrificaram à gula, e fizeram pasto de seus ventres, não só aquele santo varão, mas também a centena e tantas pessoas, gente de conta, a mais dela nobre, que lhe faziam companhia voltando ao reino de Portugal.” (Simão de Vasconcellos, Chronica da Companhia de Jesu de Estado do Brasil, 1663)

Inclusive, não sei se muita gente sabe, mas quando lança seu Manifesto Antropofágico, o paulista Oswald de Andrade o data como “ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha“.

Quadro desembarque de Cabral
O clássico quadro Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, obra de 1904 das mãos e da imaginação do pintor Oscar Pereira da Silva.
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As águas esverdeadas do caudaloso Rio Sergipe em Aracaju.

De frente a essas águas verdes do cálido Rio Sergipe que junto com o Oceano Atlântico banha esta capital, há um Museu da Gente Sergipana onde se pode aprender muito mais sobre a bagagem cultural daqui.

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A entrada para o Museu da Gente Sergipana, acomodado neste casarão dos anos 1920. Apesar do recinto antigo, ele é um museu bastante moderno, inaugurado em 2011.
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Diante do museu e sobre as águas calmas do Rio Sergipe, há o Largo da Gente Sergipana com diversas figuras folclóricas tradicionais da região.

São várias as figuras folclóricas que misturam tradições portuguesas, figuras indígenas, e elementos culturais ou religiosos trazidos da África.

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Figura de dançarino da festa de São Gonçalo, de origem portuguesa e que aqui às margens do Rio Sergipe ganhou contornos africanos também.
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Mascarado devido à pandemia, temos aqui a figura do que os sergipanos chamam de Parafuso. Muitos escravos trazidos ao Brasil eram muçulmanos, e alguns deles seguiam a tradição sufi do rodopio para entrar em transe e conectar-se ao divino. (Você pode ler mais sobre isto neste meu post na Turquia, e vê-los se for a esse país.) Aqui em Sergipe, viraram parte do folclore regional.

Mais adiante, rio abaixo em Atalaia à beira-mar, a natureza segue prodigiosa. É uma faixa de areia tão grande que alguns até se queixam que ela é grande demais.

Pode não ser mesmo a típica praia urbana perto de barzinhos, mas rende cada pôr do sol…

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Quem precisa da Califórnia?
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As extensões e os reflexos.
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As pessoas brincando na praia.
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(Parece até que me contrataram para fazer um photo book pro casal. Se você se vir na foto, me fala que eu envio uma versão em alta resolução.)

Temos, enfim, um lugar tranquilo e — se eu puder crer nas impressões e no que me dizem — aparentemente bom de viver. Não são poucos os amigos e parentes meus que aqui já viveram e, secretamente ou não, têm vontade de retornar.

Como eu não sou dado a insinceridade, no fim do dia há um indesejável acúmulo de lixo na areia, e há muitos aracajuanos (ou aracajuenses) que dispensam Atalaia — dizem-na ser muito badalada — e preferem descer o litoral para algo mais reservado na Praia de Aruana, na Praia do Refúgio, ou mais além. Fica a dica.

Antes de passar à terceira e última gostosura do dia, ainda no tema da alma tranquila e autêntica do lugar, eu vos deixo com uma artista sergipana que recentemente conheci.

Quando disserem por aí que a música brasileira se degradou, que não é mais a mesma… não culpem uma suposta ausência de novos músicos. Culpem a mídia, que não lhes mostra nada além de hits comerciais grudentos, de repetição fácil, enquanto esconde a boa música produzida Brasil afora.

Héloa (cujo canal oficial no YouTube está aqui) mescla elementos tradicionais tanto indígenas quanto de matriz africana na sua música brasileira contemporânea.  

Neste vídeo abaixo, que compartilho como ilustração, há inclusive um chamado mesclando a presença indígena na raiz de Sergipe à atualíssima causa ambiental. Vale ver. (Caso você se pergunte “que Rio Opará é esse” de que estão falando, saiba que é nenhum menos que o São Francisco em seu nome original. Significa algo como “rio-mar” em Tupi.)

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3ª Gostosura: A riqueza gastronômica

Impossível falar nas gostosuras de Aracaju sem tratar da sua gastronomia local. Deixa muitas cidades maiores no chinelo. 

Antes de a colonização portuguesa devastar a costa brasileira, transformando-a em fazendas de cana e gado, dizem que aqui havia cajueiros onde as araras se punham — daí ará-kaîu em Tupi, nossa Aracaju.

Por sorte ou providência, parte grande de Sergipe foi julgado impróprio à cana-de-açúcar e escapou da sina que tiveram muitas terras do interior dos vizinhos Alagoas e Bahia. Talvez seja por isso que aqui ainda se encontrem tantas frutas nativas (caju, umbu, mangaba…), manguezais, e uma gastronomia de respeito.

São muitos mariscos, pratos costeiros com muito leite de coco (e menos azeite de dendê que na Bahia), além da culinária nordestina do semi-árido com um monte de coisas.

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Uma moqueca de camarão de não se pôr defeito, na panela de barro, e ainda com algumas castanhas de caju em cima — o que ficou perfeito.
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Um pirão acompanhando a moqueca, e um suco de umbu de respeito. Aqui, eu achei mais fácil que em outras capitais brasileiras encontrar destes sucos nativos feitos direto da fruta — com qualidade 100% e ricos em sabor e textura.

A quem quiser a dica, essa refeição foi no Restaurante Tototó (apelido para aquelas canoas pequenas com motorzinho atrás, no linguajar sergipano).

Fala-se muito do Restaurante Caçarola no Mercado Municipal, inclusive com vários artigos escritos a respeito por aí, mas em 2021 esse restaurante fechou na localidade onde estava, e este Tototó é da mesma dona, com o mesmo pessoal. Daí o nome Caçarola no cardápio que mostrei acima.

Aracaju, de quebra, é das capitais brasileiras com menor custo de vida, então tudo sai muito em conta. Você só precisa se preocupar é com o peso, acabando-se desta forma nas guloseimas.

Abaixo eu listo as melhores recomendações gastronômicas de que tive conhecimento na cidade, algumas das quais experimentei pessoalmente. (Adicione a sua!)

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Puro pornô alimentar. Sorvete de tapioca com canela e doce de banana flambada. (No Restaurante Tototó.)
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O restaurante fica à beira do rio, então você pode almoçar com esta vista (sobretudo se reservar mesa de antemão). Só cuidado com a ventania.

Recomendações gastronômicas quando em Aracaju

  • Restaurante Mangará
  • Ferreira Bistrô
  • Carrara Food Park
  • República dos Camarões
  • Pitu com Pirão da Eliane
  • Restaurante Caçarola, costumava ficar no andar de cima do Mercado de Artesanatos, mas fechou na pandemia (não sei se temporariamente). Tototó, da mesma dona, diante do rio, é muito bom. Excelentes sucos naturais, e moqueca de camarão com castanhas recomendadíssima.
  • Cariri, tematizado com coisas sertanejas. Bons mariscos também. Na Passarela do Caranguejo.
  • Sorveteria Il Sordo, toda com funcionários surdos e em várias localidades da cidade. Algo cara para Aracaju, onde tudo é mais barato, mas boa.
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O grande crustáceo de Atalaia que decora a chamada Passarela do Caranguejo, nome dado à esteira de restaurantes naquela orla.
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Ali ao lado, a praça com históricos notáveis de Sergipe.

Se a gente não soubesse mais sobre Ronald McDonald que sobre a História do Brasil, reconheceria mais dessas faces. 

Limito-me a esse em destaque, Manuel Bonfim (1868-1932), que o saudoso Darcy Ribeiro viria a chamar de o “pensador mais original da América Latina”.

Quando o mundo ocidental inteiro abraçava o racismo científico e o Brasil adotava sua meta de branqueamento da população, Manuel Bonfim foi dos que primeiro se levantaram contra esse despautério e defenderam a miscigenação brasileira. Defendia que o caminho para superação dos atrasos do Brasil não passava por um branqueamento, mas por uma educação inclusiva.

A sua obra mais famosa, América Latina: Males de Origem (1905), prenunciaria em muitas décadas o trabalho de economia política que teria lugar ao longo do século XX para explicar o subdesenvolvimento latino-americano. (O livro está integralmente disponível na internet.)

Enfim, são muitas as gostosuras que se descobrem em Aracaju — do puramente prazeroso ao sério e que faz pensar. Tiro o meu chapéu para o pequeno-notável estado.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “3 gostosuras de Aracaju, Sergipe

  1. Que maravilha essa postagem sobre o pequenino porém notável estado do NE brasileiro, e sua linda capital, rico em todos os sentidos, em história, cultura, arte, gastronomia e símbolo de povo brasileiro: alegre, musical, criativo, sincrético, com fortes raizes indígenas, com uma bela identidade regional. Para mim, o NE, em particular SE e BA representam muito bem a alma brasileira, no caso deste último com a associação da cultura e do legado africano.
    Linda cidade, gostosa postagem. Sugestivo e emocionante vídeo. Belissima música/chamamento. Salvemos o Velho e querido Chico. Fator histórico da integração do Brasil, berço de tantos seres das mais diversas naturezas.
    Assino embaixo, amigo viajante. Esse é o Brasil que conhecemos e amamos.
    Parabéns pela postagem e por nos mostrar as belezas desse país continente, sofrido porém grandioso.

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