São Cristóvão foi a primeira capital de Sergipe, e se considera a quarta mais antiga cidade de todo o Brasil. (Note-se aí que estamos tratando de cidades, não vilas. Assim sendo, somente Salvador, o Rio de Janeiro e João Pessoa são mais antigas. São Paulo, por exemplo, só se tornou cidade em 1711.)
De quebra, é um dos 16 sítios culturais reconhecidos pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade no Brasil, devido à sua autenticidade e valor histórico.

Como surge a cidade de São Cristóvão
Estamos nos idos de 1590, quando Cristóvão de Barros foi enviado pela coroa portuguesa a estas terras para chacinar os indígenas resistentes.
Ele já era um notório escravizador de índios, que já havia feito das suas no Rio de Janeiro na década de 1560 após ajudar na expulsão dos franceses. Os franceses, vocês talvez se recordem, haviam invadido aquele espaço e feito ali sua França Antártica, que teria fim nas famosas batalhas com o líder indígena Araribóia e outros na Baía de Guanabara.
Cristóvão ali se tornaria senhor de engenho e líder de entradas (expedições oficiais) na exploração portuguesa do Brasil. É um destes curiosos personagens de época da nossa História. Em 1587, viria a Salvador repelir corsários ingleses que tentavam saquear a então capital da colônia portuguesa.
Não demorou a, entre 1589 e 1590, ele ser escolhido para chefiar a expedição militar a dizimar os índios nas vizinhanças da foz do Rio São Francisco — que hoje faz a divisa entre Sergipe e Alagoas. A sul, havia os Tupinambá do Cacique Serigy mencionado no post anterior. A norte do rio São Francisco, os Caetés que em 1556 já haviam devorado, junto com o bispo Dom Pero Fernandes Sardinha, o seu pai Antônio Cardoso de Barros.

Em 1589, Cristóvão traz as tropas a fechar este “vazio geopolítico” que aqui existia, na visão dos europeus, entre Olinda mais a norte e Salvador mais a sul, e que expunha o território colonial a invasores, sobretudo com a entrada para o Rio São Francisco ali.
Era preciso derrotar o audaz Cacique Serigy, que segundo dizem já liderava seus índios em resistência há 30 anos. Não resistiram, porém, ao poder de fogo europeu e foram dizimados. Embora contassem com algumas armas de fogo trocadas em escambo com os franceses (que já tinham seus olhos aqui), os ibéricos mobilizaram toda uma esquadra de guerra para ocupar a região.
Fizeram-no. A 1º de janeiro de 1590, fundava-se esta cidade de São Cristóvão.
Curiosamente, dizem que a alcunha da cidade não se deve ao santo, nem a Cristóvão de Barros ele próprio, mas a Dom Cristóvão de Moura, o preposto do rei espanhol Filipe II em Portugal nesta época. Lembrai-vos de que em 1580 Portugal perdeu sua independência e entrou na União Ibérica que duraria até 1640.
Esta foi, portanto, pode-se dizer que uma conquista espanhola. Em tais honras, dedica-se a igreja matriz a Nossa Senhora da Vitória, uma alcunha instituída pelo Papa Pio V há pouco em 1571, quando da vitória da esquadra espanhola e veneziana sobre os turcos otomanos no Mar Mediterrâneo na famosa Batalha de Lepanto. Sergipe, aqui, oferecia-lhe então uma correspondente brasileira contra os índios. Veja você.

São Cristóvão nem sempre foi aqui. Tal como várias cidades na América hispânica (a exemplo de Antígua Guatemala), trocou de lugar após desastres ou invasões.
Fixou-se aqui em 1608, onde permanece então por mais de 400 anos como depoimento de época, repleta de igrejas coloniais conservadas e dois museus supimpas: o Museu de Arte Sacra e o Museu Histórico de Sergipe.
A Praça São Francisco, a principal da cidade, é desde 2010 reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade pelo seu valor histórico.

Como vir a São Cristóvão?
Uber é a melhor forma de vir até São Cristóvão a partir da capital Aracaju, mas há um porém.
Por menos de R$ 30 você consegue um veículo que o traga desde a nova capital sergipana a esta antiga. Vale muito a pena para um trajeto de meia hora. Um táxi seguramente custará o dobro.
O porém é que, para voltar, você pode ter dificuldade em conseguir um carro para levá-lo de volta a Aracaju. Glup. Foi o que me ocorreu aqui, numa fagueira tarde quente em que o sol me batia na cabeça e não encontramos boa alma que nos levasse de volta.
A solução? Há duas. Uma é você negociar com algum motorista que fique no seu aguardo. Pode ser interessante também a ele, que não volta a Aracaju com o carro vazio.
A outra opção, se você não se importar, é simplesmente tomar o microônibus público de retorno. Saem vários quase a todo momento da parte baixa de São Cristóvão, não distante do centro histórico. Basta ir perguntando. É barato, você paga dentro do ônibus, e em 40-50 minutos (devido ao pinga-pinga) chega à rodoviária velha bem no centro de Aracaju.

Visitando São Cristóvão
Essa bela igreja de São Francisco aí acima parece saída de uma cidade cenográfica. É talvez a minha favorita dentre as muitas de São Cristóvão.
Seu interior é uma viagem no tempo e no espaço, pois novamente lembra mais Cartagena das Índias na Colômbia, Puebla no México, ou outras de suas irmãs espanholas de época.




Faz um calor de respeito aqui em São Cristóvão, faça-se saber.
Nesta tão hispânica praça em meio à cidade da colonização portuguesa, você tem o Museu de Arte Sacra lá atrás à esquerda da foto acima, e do outro lado da praça há o Museu Histórico de Sergipe.
Não se surpreenda se vierem guias locais perguntar se necessita de serviços. Se gostar, procure por Galego (um rapaz louro simpático). Não há uma associação de guias onde encontrá-los, então vai no disse-me-disse mesmo, de “Você sabe de fulano?“. De repente, ele aparece.


Vale lembrar que os museus — como de praxe mundo afora — estão fechados às segundas.
Do outro lado da praça, há o outro mais importante da cidade, o Museu Histórico de Sergipe. Lembro que vim aqui pela primeiríssima vez há muito tempo, ainda no século passado, e achei curiosa a necessidade de calçarmos chinelinhos de pano para entrar, deixando os sapatos à porta, para não danificar o piso de madeira de época no interior.
Talvez a mais comentada peça ali dentro seja o lindo quadro com Peri e Ceci, personagens daquela que talvez seja a obra mais famosa do romantismo brasileiro: O Guarany.


São muitas emoções, como dizia Roberto.
Você passa um dia bem passado aqui em São Cristóvão se quiser ver tudo. Faz um excelente bate-e-volta a partir de Aracaju, até porque praticamente não há acomodações aqui.
As opções de alimentação é que ainda são poucas. Há, basicamente, um par de restaurantes tipo buffet onde se veem os funcionários públicos a chegar no horário de almoço. Comida boa, mas nada muito distinto do dia-dia.
O que há de mais típico em matéria gastronômica na cidade — corrijam-me os sergipanos se for imprecisão minha — são os tradicionais biscoitinhos bricelets.
São, originalmente, biscoitinhos crocantes tipo wafer com sabor de laranja oriundos da Suíça (bretzeli em alemão, bricelets em francês), e que vieram parar aqui por conta dos intercâmbios das ordens religiosas. Acabaram tornando-se típicos em São Cristóvão ao longo dos séculos, e vendidos atualmente na @casadosbricelets.

Pouca gente de fora sabe, mas a bem-querida Irmã Dulce, hoje oficialmente Santa Dulce dos Pobres desde a sua canonização pelo Papa Francisco em 2019, viveu aqui em São Cristóvão antes das obras sociais que a tornaram famosa na Bahia.

Nenhuma destas igrejinhas lindas, porém, é a matriz. A igreja matriz da cidade é dedicada a Nossa Senhora da Vitória, como dito acima quando tratei da conquista destas terras por Cristóvão de Barros.



As tradições ibéricas aqui realmente se encontram. A UNESCO tem razão ao dizê-lo na justificativa para reconhecer São Cristóvão como autêntico Patrimônio Mundial da Humanidade.



Lindinha a cidadezinha. E que apanhado histórico.Uau. Coitado dos indios. Caçados como feras nas suas terras. E essa mistura entre querelas da terra e personagens dos céus é um horror.
Lindas as igrejas, belos e históricos pátios, lindos casarios com seus balcões e soberbos os museus. Amei. Destaque para a arte religiosa e para o belíssimo quadro de Pery e Ceci, protagonistas da saga do Guarani, onde Pery se destaca por sua nobreza e coragem. Alencar, escritor cearense, é um poeta escrevendo em prosa. Sua obra é de uma beleza impar. O Guarani é uma das minhas preferidas, junto a Iracema.
Fofa essa cidadezinha. Com certeza merece tanto o título quanto a visita. Uma bela viagem no tempo.
Parabéns, jovem viajante, pelo resgate de tão bela região.
O NE brasileiro é rico em História e arte, alem das belezas naturais. Valeu.