Bernal, México. O nosso querido Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, tem um irmão mexicano, digo-lhes.
Não são montanhas quaisquer. São monólitos, o que significa dizer que aquilo é uma pedra só — das maiores do mundo. A maior de todas fica em Gibraltar, território britânico na pontinha sul da Espanha (e que os ingleses carinhosamente apelidam de “the rock“). O segundo maior é o Pão de Açúcar no Brasil. O terceiro fica aqui, em Bernal, à frente do famoso quarto, que é a Ayers Rock ou Uluru (na língua aborígene e, hoje, seu nome oficial) na Austrália.
Se a foto de capa tem certos ares de surrealismo, é porque o México é surreal mesmo. Juro que não há montagem; a cara do vilarejo é essa mesmo, com a sua imponente rocha solitária ali a se destacar no horizonte, distante e tão próxima ao mesmo tempo.
A cidadezinha é um encanto. Por vezes, parece cidade cenográfica. Aos fins de semana, ganha mais visitantes e também muita vida. Vê-se perto — e sente-se de perto! — o pulsar deste interior mexicano. Vamos.

San Sebastián Bernal, Querétaro, México
Ao entrar na cidade, vê-se a escultura do santo flechado — o mesmo padroeiro do Rio de Janeiro, veja você as coincidências.
Estamos num povoado formado em 1647, quando os colonizadores espanhóis empenhavam-se em dominar o território. Nova Espanha isto era (no papel dos europeus), mas na prática isso não significava domínio efetivo no chão. Como no caso brasileiro, estenderam-se por séculos os conflitos entre europeus e indígenas.
No caso daqui, tínhamos — e ainda temos — os chichimecas povoando a parte mais ao norte deste México central. Bernal é um monumento que marca os seus limites sul. A sul, viviam aqui os otomi, como destaquei no meu post anterior em Querétaro, a capital homônima ao estado onde estamos. Esses dois grupamentos indígenas são os principais desta região, com línguas próprias e muitas manifestações culturais. (Estão também, naturalmente, mui misturados no sangue e nos hábitos de toda a população daqui hoje.)
Os espanhóis, quando viram este rochedo, acharam por bem estabelecer um povoamento aqui. Deram-se conta — oh! — de que a região já era habitada.

“Bernal”, todavia, não é o nome indígena deste lugar ao qual os espanhóis teriam agregado o nome do santo. Bernal vem da língua basca, aquela minoria que já foi separatista no norte da Espanha, e que também mandou gente para cá. Em basco — uma língua não-latina antiquíssima, tida como das mais vetustas da Europa — vernal significa lugar de pedras ou penhascos.
Em bom espanhol (ou português), adotou-se o nome de peña (penha). Peña de Bernal ou Penha de Bernal para o rochedo. (Nossa Senhora da Penha, no Rio de Janeiro, tira seu nome do penhasco onde se encontra. Penha é uma palavra que caiu em desuso no Brasil, mas segue sendo utilizada aqui no México.)
Bernal cresceu, hoje é uma cidade até de médio porte — a 52 Km da capital estadual Querétaro —, mas o seu centro histórico fechado para carros segue singelo. É adorável de passear, com a penha sempre ali atrás, servindo de pano de fundo às vistas e às fotos.

Nopal em sua mãe, e as gorditas de Dona José
Calma. Não almejo insultar ninguém aqui. É que o México por vezes nos apronta das suas curiosidades.
Eu chegava a Bernal num tour, provindo de Tequisquiapan — o centro geográfico do México, o qual abordei no post anterior. Cheguei ao começo da tarde, ainda sem almoçar, e portanto buscando primeiro de tudo comer.
Uma das especialidades em Bernal é o nopal, o cacto-símbolo que está na bandeira do México. Segundo a lenda, os astecas numa terra distante mais ao norte certa vez tiveram um sonho, com uma águia a apanhar uma serpente e pousar sobre um cacto. Partiram em marcha rumo ao sul, até fundar — nos idos de 1325 — a cidade de Tenochtitlán, que os espanhóis encontrariam dois séculos mais tarde, e que daria origem à atual Cidade do México.
Esse que os mexicanos chamam nopal, nativo daqui, é a mesma palma, difundida pela caatinga brasileira e também incluída na culinária sertaneja por lá. Os portugueses não a encontraram quando chegaram ao Brasil; ele foi levado aqui do México para o nosso país, como alimentação ao gado. No Brasil, já havia aquele (nativo) mandacaru, que é aquela outra cactácea alta e comprida.


O cacto tem um gosto meio de chuchu duro e algo baboso, uma baba ligeiramente azeda que, noutros tempos por aqui, se usava inclusive para dar liga a materiais de construção.
Quem já comeu da palma no Brasil sabe que o sabor depende muito do tempero que se põe. Não é diferente aqui. Os mexicanos às vezes o fazem picadinho (como no interior do Nordeste brasileiro), mas às vezes o servem em “posta” também como se fosse um bife.
Não é mau, embora o seu gosto algo azedo não me apeteça tanto.
Eu optei por comer das gorditas de Doña José. Eles aqui acentuam o Doña (“Donha”), mas o significa é exatamente o mesmo daquele em português. Já as gorditas, eu aqui aprenderia, são tortilhas que ficam gordinhas com recheio dentro.


Come-se bem aqui no México, ô pá!


Pelas ruas e praças de Bernal
Bernal é famosa por suas comilanças, artesanias, assim como pelo ar jeitoso da cidade como um todo. No fim de semana, fica repleta de músicos de rua e visitantes — desde estrangeiros a pessoas vindas de Querétaro para passar um sábado e voltar.
Seu centro tanto turístico quanto espiritual é o chamado Templo de San Sebastián Mártir, a bela igrejinha colorida de 1700 na praça principal da cidade. Ela honra o santo que, dentre os primeiros cristãos, teria sobrevivido às flechas que atiraram para matá-lo no século III.




Os pueblos mágicos, como cheguei a comentar no post anterior em Tequisquiapan (outro deles neste mesmo estado de Querétaro), constituem um programa governamental mexicano de reconhecimento cultural e promoção do turismo. Valoriza cidadezinhas históricas do país e as promove. Há mais de uma centena deles México afora, numa lição de valorização e conservação cultural.
Bernal e as demais cidadezinhas de Querétaro também possuem uma página oficial (em espanhol), caso você queira consultar datas, saber dos eventos ocorrendo aqui, etc.
Se for Semana Santa, Dia dos Mortos ou qualquer outra época suspeita de haver festividades, ótimo; mas ainda que não seja esse o caso, Bernal com suas ruelas coloridas e artesanias pra todo lado é sempre uma alegria. Nos fins de semana, ainda melhor. Você passa um dia ou tarde bem passada aqui.








E para ver o rochedo de perto?
Não foi algo que eu fiz, mas não é difícil. Ao que você chega à parte nova de Bernal, antes de subir a breve escadaria que o traz aqui a este centro histórico pitoresco com cara de colônia, verá uma série de tuk-tuks — aqueles triciclos motorizados muito comuns pela Ásia — esperando passageiros para levá-los à Penha de Bernal.
É óbvio que o tuk-tuk não é capaz de subir a rocha, mas simplesmente o deixa à base, onde daí se pode escalar ou caminhar o que der. É algo que sobretudo os turistas europeus gostam de tentar fazer. O custo da corrida de tuk-tuk precisa ser negociado, mas não deve sair mais de 100 pesos mexicanos no todo.

Fica aí a recomendação a esta cidade com jeitinho estético do México colonial, dos lugares mais fotogênicos que eu já visitei aqui no país.

Lindinha, a cidadezinha. Bela pedra, ou Penha. Curiosas as coincidências com o Rio de Janeiro, a penha do Pão de Açúcar, a Penha da Penha e a Figura de São Sebastião também um dos Patronos da cidade carioca. Haja informações interessantes e belos recantos.
Muito bonitinha a cidade. A pedra é um espetáculo à parte. O clima parece ser mesmo colonial. Uma grata descoberta nesse México mágico, lindo, colorido, alegre e gostoso de se ver. Viva el México.