Bem-vindos a San Miguel de Allende, uma das mais charmosas cidadezinhas coloniais do interior do México. Sim, há muitas — a competição é acirrada aqui no México —, mas há quem tenha esta como sua favorita.
San Miguel é um charme, e não sou só eu a dizer isso. Fundada em 1542, a cidadezinha cresceu nos idos coloniais como parte da rota mineira desta então Nova Espanha. De Zacatecas mais ao norte, passando pela região de Guanajuato (estado onde estamos) até os portos, de onde a prata que não ficava nas igrejas locais era escoada. Parte ia à Europa, parte ia pelo Pacífico direto à Ásia — as Filipinas sendo à época também uma colônia espanhola — engordar a economia da China imperial, de quem os europeus compravam.
O desenvolvimento de San Miguel de Allende que a consagrou como um Patrimônio Mundial da Humanidade com reconhecimento da UNESCO foi o barroco mexicano que emergiu aqui ao longo do século XVIII — muito do qual você ainda vê com os próprios olhos.
Mais recentemente, tornar-se-ia refúgio de aposentados e nômades digitais dos Estados Unidos e Canadá. “É uma cidade um pouco gringa“, alertaria-me Seu Alfonso na pousada onde me hospedei na Cidade do México. Sente-se isso na cidade, mas sua aura e textura seguem mexicanas. Vamos conhecer?

Chegando a San Miguel de Allende: As primeiras impressões
Eu lido com a verdade, e a verdade vos libertará — das propagandas falsas e hypes (modas infladas) que caracterizam a internet hoje.
Quando desembarquei à rodoviária de San Miguel de Allende, oriundo de Querétaro, eu confesso que não vi nada que a fizesse merecer o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, reconhecimento lhe dado pela UNESCO. Muito menos o título que Forbes e outras equivalentes online a folhetim de consultório de dentista andaram lhe dando de “melhor cidade do mundo” (!) ou “destino mais encantador do México“.
Sério? É falsidade — ou não conhecer o México. À entrada, San Miguel de Allende me parecia a periferia do centro de Feira de Santana, em especial a sua afamada Avenida do Canal (que é nome pomposo para via onde hoje corre um esgoto fétido; o nome tendo lhe sido dado em priscas eras que bem longe vão, como diria Castro Alves.)
Por ora, achei que havia entrado numa furada ao vir aqui, reconhecendo estas tão familiares características da urbanidade latino-americana que nos une.



Passei pelos célebres lugares típicos que marcam também a suburbanidade brasileira, como a venda de frangos, a farmácia de bairro, e todas estas outras paragens comuns ao que ônibus barulhentos e coloridos circulavam.
Eu não cheguei a precisar de um, pois as coisas em San Miguel de Allende são relativamente próximas e se pode fazer estes trajetos a pé para conhecer melhor a cidade.
“Melhor cidade do mundo”? “Destino mais encantador do México”? Isso é ignorância ou má-fé de propagandista gringo, mas eu logo descobriria que San Miguel de Allende tem, sim, o seu lado belo e interessante.
Afinal, a UNESCO não a reconheceu à toa.

Enfim, o centro histórico de San Miguel de Allende
Se há algo de muito autêntico — e “de época” — que você logo encontra em San Miguel de Allende, estas são as pedras do chão. O calçamento de boa parte de suas ruas, assim como a inclinação, lembram um pouco a ladeira da misericórdia de Olinda ou a ladeira da montanha em Salvador.
As rodinhas de qualquer mala terão risco de morte; mas, entre mortos e feridos, salvaram-se todos ao que cheguei à minha bela pousada, um belo casarão de pedra — daqueles que fazem você imaginar casa de fazenda rica — e de que há muitos aqui em San Miguel de Allende.
Rumar ao centro histórico para conhecer melhor a cidade viria em seguida.



Comecemos pelo começo. Se você está a se perguntar o porquê deste “Allende” no nome — e quiçá até a cogitar que poderia ter a ver com o finado chileno Salvador Allende —, saiba que esta adição à colonial cidade de San Miguel data do século XIX, em honra ao independentista Ignacio Allende.
Ignacio Allende (1769-1811) foi um dos mártires da Independência Mexicana (1811-1821). Ele aconteceu de nascer aqui e de viver nesta casa abaixo que hoje é museu. Ele era capitão do exército espanhol aqui, e bandeou-se para o lado daqueles que se recusaram a ser governados pela Espanha napoleônica.
Napoleão havia removido o rei Fernando VII, e instalado seu irmão José Bonaparte no trono. Acabou por provocar, como efeito colateral, os movimentos independentistas América Latina afora. Sob a liderança do padre Miguel Hidalgo, de Ignacio Allende e tantos outros, o México começaria a ficar soberano.

San Miguel el Grande havia sido fundada em 1542 pelo franciscano Frei Juan de San Miguel — daí seu nome — no grande esforço de catequização e controle que estas ordens religiosas empreenderiam aqui junto com as forças da Coroa da Espanha nos séculos XVI-XVIII.
Eu cheguei a falar mais sobre o papel preponderante dos franciscanos nesse esforço na minha postagem anterior em Querétaro, onde ficava seu principal convento e centro de formação de missionários.
Natural, portanto, que São Miguel Arcanjo viesse também a ser tido como o padroeiro desta cidade, sendo assim em sua homenagem a principal das suas muitas igrejas.
San Miguel de Allende, então San Miguel el Grande, era parte do então chamado Antigo Caminho Real, uma via que conectava as várias cidades mineiras de onde a Espanha extraía prata neste centro do México. Como nas Minas Gerais brasileiras, o barroco floresceu.

No centro de tudo e diante da igreja matriz fica o Jardín Allende, a praça principal. Será a sua principal referência na cidade.
Há um meio com árvores — repleto de gentes — e ruas onde hoje o acesso a carros é limitado, para que as pessoas possam caminhar em paz.
Ao redor, calçadas cobertas por debaixo dos arcos das edificações.



Não deixe de entrar por sob algumas dessas arcadas, para encontrar pátios coloniais que mostram esta mistura cultural tão característica desta antiga Nova Espanha.


É claro que nem tudo eram flores ou laranjas na San Miguel de Allende colonial. A estética me cativa, mas a ética era dúbia.
Aqui ficava estacionado, por exemplo, um preposto da notória Inquisição espanhola, o tribunal religioso mais severo e intolerante de toda a Europa, responsável por atirar à fogueira livros e gentes — especialmente mulheres.
Os chamados autos de fé, ou seja, as execuções públicas à fogueira, tendiam a ocorrer na Cidade do México, mas havia outras investigações e punições das mais diversas. As transgressões variavam — desde o que era considerado “feitiçaria”, à prática do judaísmo velado (que os reis católicos haviam proibido na Espanha desde os fins do século XV), à homossexualidade.
Em verdade, todavia, havia também uma certa vista grossa em San Miguel de Allende e no México em geral. As pessoas precisavam ser frontalmente cristãs, mas nos fundos não deixaram de praticar as suas crenças associadas às religiões indígenas ancestrais — como ocorrido também no sincretismo brasileiro entre catolicismo e as religiões de matriz africana.
O que os indígenas e mestiços sofriam mais era de exclusão, numa sociedade que só começou a reconhecer-lhes mais direitos e ceder-lhes algum espaço como cidadãos a partir da Revolução Mexicana de 1910-1920.



As Igrejas de San Miguel de Allende
Falando, portanto, na religiosidade local, não é possível descrever San Miguel de Allende sem tratar em maiores detalhes das suas igrejas de época. São das principais obras arquitetônicas que marcam a cidade.
Por entre as suas ruas de tons caracteristicamente quentes, entre o amarelo, laranja, rosa e vermelho, os ocasionais ladrilhos de origem mediterrânea, e as igrejas de pedra que dão imponência à cidade.




Os carros, aliás, se tornaram uma peste em San Miguel de Allende. Com a quantidade de residentes — sejam mexicanos ou gringos aqui instalados — e à visível disposição do México a manter arabacas velhas a ponto de cair aos pedaços ainda circulando nas ruas, as apertadas vias mais periféricas de San Miguel são empestiadas de fumaça de escapamento e de barulho. Estejam avisados.
No meio do centro, sem os carros, é que se tem paz. Felizmente, é também aqui que estão as igrejas históricas da cidade — desde a sua matriz a São Miguel Arcanjo na sua principal às outras também dignas de serem mostradas.
Comecemos pela principal, que acompanha o nome de San Miguel de Allende.


Esta portentosa igreja data do século XIX, quando o neogótico surge.
Diz a lenda que o bispado apenas lhe mostrou a imagem de uma igreja gótica belga (teria sido de Gante? veja na postagem as semelhanças), e que teria pedido ao arquiteto mestiço aqui do México que fizesse algo naquela linha.
Outro rumor é que o arquiteto instruía os edificadores sem planta, mas com base em rabiscos na areia. (Esta eu já acho difícil de acreditar. Fazer um edifício desta altura, com todos estes detalhes, e que não cai, não é tarefa casual.) O povo gosta de uma história.



Você se desloca só um pouquinho, e ali ao lado desta igreja paroquial a São Miguel fica a Igreja de São Rafael, outro dos arcanjos.



São dessas igrejinhas — ou igrejonas — que temos aqui, por vezes misturadas às praças verdes e bem cuidadas, onde as pessoas ainda circulam em paz. Reveja aquele pensamento de que o México é perigoso — muito disso é exagero e viés sanguinolento da mídia.






O barroco está aqui por toda parte. Se você gosta de visitar igrejas, seja pela religião ou pela arquitetura, aqui vai ter bastante o que ver.
O reconhecimento da UNESCO a San Miguel de Allende como Patrimônio Mundial da Humanidade decorre em grande medida desse legado arquitetônico bem preservado.


É bastante riqueza arquitetônica.
Essa pracinha que você vê na foto acima é a Praça Cívica, onde San Miguel de Allende ganha ares mais populares — em contraste às lojas, restaurantes e acomodações mais caras, em geral voltadas aos turistas gringos, na praça principal e naquele lado de lá da cidade.
Inclusive, cuidado se escolher San Miguel de Allende como destino onde comprar coisas típicas mexicanas. Há muita coisa aqui — tecidos, tapetes e artesanias trazidas de todo o México —, mas quase sempre a preços inflados, voltados àqueles que ganham em dólares. Em suma: eles aqui comprar para revender a preço de gringo.
Este lado de cá de San Miguel de Allende, dos arredores da Praça Cívica, são mais em conta. E se você desejar artesanias típicas mexicanas, o melhor ainda é ir aos estados de origem onde eles são feitos, como Chiapas ou Oaxaca.


Há tanto um lado mais “aposentado gourmet” quanto outro mais “mochileiro hippie” em San Miguel de Allende. Tem pra todos, aqui neste ambiente onde gentes e nichos diversos misturam-se — sem de fato se misturarem muito — em meio às atrações e atrativos da cidade.
Ao fim das contas, San Miguel de Allende superou as minhas impressões iniciais e se revelou um lugar tocante e de ruas pitorescas — suas pedras, amarelo, rosa e vermelho por todo lugar.
Por ser muito turística e habitada também por estrangeiros, ganha certa tônica festiva adicional, como um lugar que sempre procura celebrar as coisas.
Eu me aposentaria aqui? Acho que não — encontrei lugares melhores no próprio México. Mas certamente são 2-3 noites bem passadas neste lugar. Calibre o orçamento para uma cidade habituada a oferecer certo conforto aos visitantes, e venha conhecer. Nós seguimos em frente.




Uhhhhh que maravilha!… que delicia de cidadezinha, parece feita de papel crepom ou de seda comuns nas noites de Sao João no NE do Brasil. Ou de chocolate e jujuba colorida. Uma fofurinha.
Que conjunto arquitetônico!… Que templos soberbos!… Que riqueza cultural!…e que histórias palpitantes.
Imponente esse acervo cultural e religioso. Essa pedra rosada é magnífica.
As pracinhas ajardinadas, bem cuidadas e vivazes, são uma graça.
Toda ela parece saída de algum filme de época. Encantada, com as lindas ruas e ruelas, os balcões lindos, coloridos, floridos, com o casario vistoso, com seus templos magistrais de belo colorido e de interiores impressionantes, das pracinhas aprazíveis cheias de gente alegre, simpática, dos cantores de rua , enfim de todo esse encanto que transparece nesse México histórico, rico, cultural ,musical, místico, miscigenado que vemos nessas postagens tão interessantes.
Que festa bonita. Encantada com esse México!… Soberbo e rico de História, cultura e arte. Esta e outras cidadezinha já mostradas são um exemplo disso. Um espetáculo. Amando conhecer esse México organizado, limpo, bem cuidado com seu patrimônio cultural protegido e, apesar das dificuldades, alegre. Parabéns aos seus governos e à garra do seu povo batalhador e combativo.
É isso ai, meu jovem. Vivam los hermanos mexicanos. Viva a Latino-América.
Que venham mais beleza.