As pessoas gostam de apelidar as coisas, às vezes referindo-se a algo que os outros conhecem. É “Caribe brasileiro”, “Paris do leste”, “Veneza brasileira”, etc. Desnecessário dizer que não é só no Brasil que se faz isso.
Alguém achou de comparar à Capela Sistina, em Roma, este santuário barroco de Atotonilco, no México. (Eis aí um nome lindo para o seu próximo filho ou neto.)
Não cabe aqui comparar os artistas, de épocas e culturas distintas. Cabe conhecer o que é que há, afinal, neste Santuário de Jesus Nazareno de Atotonilco do século XVIII e que continua a atrair peregrinos.
Trata-se da obra artística de um pintor crioulo, mestiço, e cuja imagem sequer é bem conhecida. Nunca gozou da mesma consagração social que Michelângelo. Ainda assim, talvez a obra de Michelângelo no Palácio Apostólico do Vaticano tenha até lhe servido de inspiração, ao mexicano Miguel Antonio Martínez de Pocasangre ou ao menos aos padres que o contrataram.

Atotonilco: O que é e como surgiu
Estamos a meros 14 Km da cidade histórica de San Miguel de Allende, que vos mostrei no post anterior. Junto com San Miguel, este Santuário de Atotonilco compõe o mesmo sítio histórico reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, devido à sua autenticidade artística e relevância histórico-cultural.
Eram os idos de 1740 quando, em pleno período colonial destas terras então chamadas de Nova Espanha, o padre Luis Felipe Neri de Alfaro decidiu erigir este santuário — dizem que inspirado pelo Santo Sepulcro em Jerusalém.
À época, dizem que havia mananciais de águas termais aqui na região, ao redor do santuário. Atotonilco, inclusive, quer dizer “lugar de águas quentes” na língua náhuatl, dos astecas. Hoje, o que temos aqui porém é uma terra relativamente seca, que já vos mostrarei.
Estamos no centro do México, onde nos idos de 1810 o padre Miguel Hidalgo — herói da Independência Mexicana — teria tomado uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, aqui em em Atotonilco, como estandarte para as tropas que se insurgiam contra a Espanha. Por isto, este lugar também recebe (pelo menos oficialmente) o nome de Santuario de Dios y de la Patria.

O seu xará, Miguel Antonio Martínez de Pocasangre, levou 30 anos pintando os interiores deste santuário. É uma obra de uma vida, vida mestiça sobre a qual se conhece muito pouco. O autor vive hoje na sua obra, que você pode conferir aqui quase que de forma gratuita.
Atotonilco permanece sendo um lugar de peregrinação, mais que de turismo. Você verá bem mais mexicanos que estrangeiros aqui.



O interior do Santuário de Atotonilco
A entrada, como vos disse, é franca. Haverá apenas uma freira ali sentada coletando doações voluntárias de quem passa. Você dá quanto quiser e se quiser.
A entrada possui imagens sacras barrocas do século XVIII, que nas paredes e teto do interior se misturarão às pinturas de Pocasangre.
É uma quantidade infindável de temáticas bíblicas, nas figuras que se justapõem ao longo de quase todo o seu campo de visão — como na Capela Sistina. Ao fundo, uma imagem do Calvário de Jesus, inspirada no Santo Sepulcro em Jerusalém.







Chegando a Atotonilco
Atotonilco é um lugar simples, apesar de sua esplendorosa arte. O santuário conta com um modesto site oficial em espanhol na internet. Não consta nele o horário de abertura, mas a minha impressão é que ele abre todos os dias o dia inteiro. O seu fator limitante será menos o horário de abertura do próprio sítio e mais a disponibilidade de transporte até aqui, que é limitada.
Táxis quiseram me cobrar de 200 pesos pra mais para me trazer de San Miguel de Allende até aqui. Não sei se isso sequer incluiria espera e volta (provavelmente, não), mas de qualquer forma é abusivo. Sai na casa de R$ 50 por meros 14 Km. Pode não ser muito para o Brasil, mas é excessivo para o México. Em outras palavras: preço de turista.
Se quiser fazê-lo, certifique-se de acertar para que o motorista o espere, pois não vi qualquer sinal de táxis ou motoristas lá com quem voltar.
Uber (ou Didi ou Cabify, que são aplicativos mais usados que Uber aqui no México) sai mais barato, mas requerem o mesmo cuidado para a volta.
De todo modo, o mais barato mesmo é ir de ônibus com o povo. Há coisa melhor do que ir com o povão?

Estes são mini-ônibus roxos onde está escrito Ruta VII, Rota 7 em algarismos romanos, caso você precise perguntar a alguém pelo ponto exato.
Custa meros 13 pesos (R$ 3,50), e sai um por hora. San Miguel de Allende é ponto final, então ele fica lá parado um bom tempo até dar a hora de sair. Quando eu vim, ele estava saindo aos 30min após cada hora (12:30, 13:30…).
Ele sai da Calzada de La Luz, próximo da esquina com a Privada San José del Obraje. Se seu aplicativo não indicar, use o método analógico e pergunte a alguém.

O motorista estava sentado na calçada do outro lado da rua, olhando o celular. Indicou-me a hora que sairia, ao que dentro já havia famílias pobres, visivelmente campesinas, que me olhavam com a curiosidade que às vezes dirigem aos turistas. As suas feições indígenas deixavam estampada a ancestralidade.
Levamos 25 minutos de estrada por uma paisagem algo seca, de arbustos, cactos e capim meio amarelado me lembrava a tão familiar paisagem do interior da Bahia — embora eu arrisque dizer que o interior da Bahia, a depender de onde você estiver, consegue ser mais verdejante.
Desembarcamos vários — eu e outros que vínhamos até aqui de ônibus — no que de certa forma me lembrava uma cidade cenográfica dessas das obras de Dias Gomes sobre o interior do Brasil. Poeira e pobreza rural acompanhadas de cor e curiosidades humanas — o sal de uma terra seca.

Bares, vendas, e o ruído de famílias locais conversando competia com ocasional ronco de algum motor passando. Volta e meia passava algo na estrada, volta e meia algum dos carros estacionados se movia — resolvia ir embora.
Nós, que havíamos resolvido chegar, caminhávamos por aquele chão de pedra entre as habituais barracas armadas que margeiam o acesso a santuários de peregrinação.
Como já era tarde, parecia que o grosso do movimento havia terminado, havia ocorrido de manhã, e pela tarde haviam ficado somente os vendedores mais dispostos.
Um senhor talhava imagens sacras de madeira, ao que uma senhora tomava a fresca da tarde numa venda de lembrancinhas com ar de mercearia rural.


A visita em si ao Santuário de Atotonilco não dura mais que meia hora — a menos que você se ponha a examinar cada micro-detalhe da obra.
O motorista do ônibus havia tido a cortesia de, à descida, nos indicar que o de volta a San Miguel de Allende passaria aqui às 16:15 — proveniente sabe-se lá de onde. Como você nota, este não é lugar aonde se vir muito tarde.
Eram ainda 14:30 quando já tínhamos terminado de ver tudo, até as lembrancinhas. Faz-se hora nestes lugares. Pegaríamos o ônibus das 15:15, já que eu não confio em últimos ônibus.
Foi assim que passei a olhar os detalhes — as pequeninas graças que os mexicanos fazem, e que tanto caracterizam a alma desta América Latina —, e que eu reencontrei os famosos “peidos de monja”.


“Como é isso? Peidos de monja?!”
Eles aqui oferecem uma história curiosa para explicar como se deu a origem deste nome.
Dizem que, nos idos do século XIX, havia um confeiteiro italiano em Barcelona. Ele teria criado uns quitutes redondos — e com uma pontinha pra cima — que, com típica lascívia italiana, apelidou petto di monaca (“peito de freira” ou “peito de monja”). Se ele julgava que freiras de sua época tinham peitos gordos, não sei.
A questão foi que, na hora de pronunciar, os catalães de Barcelona falavam “pedo” — o que tem outro significado.
A receita chegaria aqui ao México, onde a malícia latina encontra a zoeira que caracteriza o nosso continente. Resolveram fazer chocolates artesanais naquele formato, mas agora abertamente chamados pedos de monja em castelhano claro.Estão aqui à venda em Atotonilco.

Tudo que é latino se transformou quando chegou às Américas. Desde a arte sacra até o peido de monja.

Ih que maravilha!… Que riqueza!… que espetáaaaculo, que grandiosidade, em cores, detalhes, história, cultura, arte e religiosidade.
Inusitada essa relíquia magnifica, no interior do México, e que com certeza não fica a dever para a obra de Da Vinci.
Magnífica na sua simplicidade e bucolismo de povoado do interior.
Impressionante. Fantástica.
Que detalhes maravilhosos!… Que gestos e expressões ímpares.
Que colorido delicado e sugestivo.
À simplicidade do local , das instalações, se contrapõem a grandeza, o rebuscado , os detalhes o bom gosto, os tons suaves, a beleza e o alcance artístico da magnifica obra . Impressionante.
Que santuário maravilhoso. Uma obra prima !… Bem merece o tombamento pela UNESCO. Um primor. Fiquei encantada.
Belíssimo. Esplendoroso.
Engraçado esse título jocoso do chocolate.
E muito bonitinho o povoado.
Beleza na simplicidade.
Linda postagem. Muito bom gosto na escolha do local
Belo resgate histórico.
Viva el México