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Guanajuato México

Guanajuato: A cidade histórica preferida dos mexicanos

(Este será um post longo.)

Eis Guanajuato, a que me parece talvez ser a cidade histórica preferida entre os próprios mexicanos. Não é com base em pesquisas de opinião que digo o que eu vos digo — até mesmo porque não sei se tais levantamentos confiáveis existem. Confio, entretanto, na impressão por falar com muitos mexicanos nas minhas diversas estadias aqui, ao longo dos anos.

Guanajuato não é uma cidade histórica qualquer. Já foi temporariamente a capital do México, é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, e acontece de ser também a cidade natal de Diego Rivera, o pintor que foi esposo de Frida Kahlo. 

Ela é a capital do estado homônimo de Guanajuato (um dos 32 da república mexicana), no qual já lhes mostrei San Miguel de Allende e Atotonilco. Toda esta é uma região muito relevante na História colonial do país.

Os espanhóis assentaram-se aqui em 1548 quando souberam das minas de onde os indígenas há muito já extraíam ouro. Logo, esta viria a ser das principais joias da coroa espanhola. La Valenciana, a maior mina de Guanajuato, chegou a fornecer dois-terços da produção mundial de prata no seu auge.

Bem-vindos a esta que, em 1741, recebeu assim do rei de Espanha o nome de Muy Noble y Muy Leal Ciudad de Santa Fe y Real de Minas de Guanajuato.

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A Basílica Colegiata de Nuestra Señora de Guanajuato, do século XVII. (Tecnicamente falando, ela não é uma catedral, mas daqui a pouco eu explico melhor.)
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A barroca Igreja de São Diego, do século XVIII.
Teatro Juárez, Guanajuato, México
Teatro Juárez, dos fins do século XIX, honrando as várias musas da Grécia Antiga, que eram relacionadas às distintas artes.
Jardim com fonte no centro de Guanajuato
Jardins em Guanajuato, uma cidade muito esmerada.
Praça colorida em Guanajuato
Praças, fontes, e cores. Com um restinho de cravos-de-defunto ainda no chão pela celebração do Dia dos Mortos em novembro.

O passado mineiro de Guanajuato

Assim como Portugal teve as Minas Gerais no Brasil, a Espanha as tinha várias América Hispânica afora. Havia as famosas minas de prata de Potosí, na Bolívia, e dentre outras também havia as minas de ouro e prata cá de Nova Espanha, como esta colônia do atual México e a América Central era chamada.

Na década de 1540, os espanhóis encontraram ouro nesta região central do México, a norte da capital, e logo em 1548 trataram de construir um forte. Haviam suprimido os índios Otomi, que aqui viviam, e sofriam ataques dos Chichimecas, outros índios, nômades, que viviam mais a norte. (Falei mais deles em visita a Querétaro, no estado vizinho.)

Os ameríndios dominavam a metalurgia — inclusive, eram capazes de fazer ligas de ouro mais reluzentes que os europeus.

Você imagine o cenário que envolvia colonizadores, missionários e missioneiros franciscanos, e a vasta população indígena local.

Foi neste contexto que a Espanha constituiu aqui o chamado Caminho Real de Terra Adentro — uma artéria que ia da Cidade do México rumo ao norte, passando por toda esta região mineira (incluindo Guanajuato) até Santa Fé, no que hoje é o estado do Novo México nos EUA.

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O chamado Antigo Caminho Real de Terra Adentro era uma rota que ia da Cidade do México até Santa Fé, no atual Novo México (EUA). Passava por muitas cidades mineiras, sendo Guanajuato uma das principais delas.

Este era um caminho que os indígenas já usavam desde tempos imemoriais. Se o contato com a Califórnia e outros espaços litorâneos se dava principalmente por mar, esta rota cobria as paragens interioranas onde as minas ficavam.

Livro Civilisations Capa
No livro Civilizações (2020) de Laurent Binet (acredito que ainda sem tradução para o português), o autor faz um exercício de ficção histórica e imagina que os indígenas derrotam os espanhóis e vão eles à Europa.

Mais do que uma artéria, esta era uma veia, por onde as riquezas da terra eram extraídas e levadas embora — a História da América Latina.

Dizem os antigos que o ouro era tanto nesta região que se podiam apanhar pepitas pelo chão ao caminhar.

Os ameríndios dominavam a metalurgia — inclusive, eram capazes de fazer ligas de ouro mais reluzentes que os europeus. Usavam metais, porém, para a ornamentação, não para a confecção de armas e armaduras. (Num exercício de criatividade, o premiado escritor francês Laurent Binet lançou em 2020 uma curiosa obra de ficção em que os ameríndios teriam aprendido dos Vikings a confecção de armas de metal, derrotado os espanhóis, e invadido a Europa.)

Na História com H maiúsculo, os espanhóis aqui se instalam e iniciam séculos de mineração escoada para os europeus. Dentre as muitas veias abertas na América Latina, esta era das de maior calibre.

Como no caso brasileiro, uma parte ficava na colônia para decorar as igrejas, dando a pulsão material ao movimento artístico barroco.

A maioria que saía não ia somente à própria Europa, mas também a engordar as economias da Ásia, onde os europeus compravam porcelanas e especiarias. Os europeus não produziam nada que interessasse aos chineses Ming, então era preciso pagar-lhes com a prata das Américas — em quantidades vultuosas.

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O interior da Basílica Colegiada de Nossa Senhora de Guanajuato, a principal igreja da cidade, do século XVII. O quanto de prata há aí eu não sei, mas se nota o tom do metal neste belo e harmônico interior.
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Seu estilo combina o neoclássico com o barroco. Ela foi terminada ainda em 1696.

Eu cheguei a mencionar que, tecnicamente, esta não é uma catedral, mas uma colegiada.

Essa categoria de “colegiada” é incomum no mundo lusófono (por razões históricas), mas relativamente presente noutros países católicos. Trata-se, grosso modo, de uma catedral sem bispo. Não é uma diocese, mas tem mesmo assim um colégio de cânones — daí o nome de “colegiada” — e poderes administrativos semelhantes dentro da Igreja. É, igualmente, o templo mais importante do lugar.

Do ponto de vista histórico, o mais relevante aqui é que dizem que a imagem de Nossa Senhora no altar-mor data do século VII. Quando os mouros ocupam Granada no ano 714, cristãos teriam escondido a imagem, que foi supostamente reencontrada séculos depois numa caverna lá em Andaluzia.

O rei Felipe II, então, em 1557 teria generosamente a enviado cá a Nova Espanha à honra desta região mineira que tantas riquezas já aportava à Coroa.

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O altar-mor da Basílica Colegiada de Nossa Senhora de Guanajuato, com o que a tradição diz ser uma imagem milenar enviada aqui no século XIV por ordens do rei espanhol Felipe II, que tinha o epíteto de “o prudente“.

Você ainda hoje pode visitar as minas que fizeram a riqueza de Guanajuato, e algumas, inclusive, ainda estão em funcionamento.

La Valenciana, a principal delas, segue como atração turística a quem tiver a curiosidade de adentrar os seus túneis. Aliás, Guanajuato inteira é repleta de túneis, altos e baixos no seu centro histórico. Uma cidade sui generis.

Guanajuato panoramica
A colorida cidade de Guanajuato hoje, em meio às colinas. A basílica colegiada ali, amarela, no centro.

Chegando a Guanajuato

Eu vim cá de ônibus de San Miguel de Allende, a poucas horas de distância, dentro do mesmo estado (Guanajuato). Estávamos agora na sua homônima capital.

Era a hora do almoço, a fome se fazia presente, e como opção onde comer havia apenas a lanchonete-restaurante El Figón. A rodoviária daqui é surpreendentemente pequena para uma das cidades turísticas mais bem-quistas do México. Arrumadinha, porém menor do que eu imaginava. Só um saguão com algumas bodeguinhas e os habituais banheiros públicos de 6 pesos [R$ 1,80]. 

Duas mulheres organizavam as coisas atrás do balcão em El Figón, quando me aproximei. Uma desapareceria, e me atenderia a outra — a mais azoada, uma mulher de cabelo curto com ar de quem não tem medo de dar esporro nos vizinhos barulhentos — a me dizer logo que só estavam saindo quesadillas.

Desarmou-se quando eu disse que amo quesadillas e que assim estaria ótimo. Aproveitei ao fim para perguntar-lhe quanto pagar num táxi até o centro, ao que ela me respondeu “não mais que 70 pesos [R$ 20]”. Levei-a a sério, e funcionou. Gracias, amiga.

Terminal de Autobuses de Guanajuato fica a 6 Km do centro, com uma estrada que o ligo à área histórica entre as colinas.

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Estamos na zona central do México, mais a norte da sua capital, num ambiente algo árido e que me lembrou certas partes do interior do Brasil.

Umas voltas nos túneis sob as colinas quando você deixa para trás a estrada e, pimba!, você já emerge em pleno centro histórico da cidade.

Não demorei demais a desembarcar numa rua deveras colorida, como pareceu-me ser característico da cidade. Bandeirolas no alto ainda enfeitavam Guanajuato pela celebração do Dia dos Mortos em novembro.

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Túneis por Guanajuato. Há muitos nos arredores do miolo histórico da cidade.
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A rua onde desembarquei, e onde eu me hospedaria.

O centro histórico de Guanajuato é em parte aberto, e em parte fechado para carros.

Não se trata de uma cidade muito extensa, mas tampouco pequena demais. São muitas vias e praças de casario colorido e calçamento de pedra. Vias íngremes, por vezes, com algumas ladeiras e escadarias — como a que eu subia toda manhã para ir desde essa rua até a praça acima, a tomar café no hotel La Casona de Don Lucas

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As vias com ares populares em Guanajuato, e aqui um trenzinho turístico a quem nele quiser circular.
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Pracinhas em Guanajuato com o calçamento de pedra. Note também o seu casario bem colorido.
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O México é quase sempre sinônimo de muitas cores. Guanajuato, sem dúvida.
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Uma das praças em Guanajuato. São tantas cores que havia ali até alguém com uma camisa do Brasil.

A Praça da Paz & a Herança Colonial de Guanajuato

A Casona de Don Lucas ficava na chamada Praça da Paz, a principal da cidade, uma praça triangular em frente à Basílica Colegiada de Nossa Senhora de Guanajuato.

A praça ganhou oficialmente essa alcunha em 1903, com inauguração presidencial e tudo, após em 1897 o escultor Jesús Contreras ter terminado seu Monumento à Paz, uma escultura de mulher hoje no centro da praça. Ela é o coração do centro histórico de Guanajuato.

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O monumento à paz, diante da Basílica Colegiada de Nossa Senhora de Guanajuato, nesta Praça da Paz (Plaza de la Paz).
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O Monumento à Paz no centro de Guanajuato. É hoje uma paz alegre, pois.

Essa paz se refere não ao conceito de modo geral, mas especificamente à paz alcançada em 1821 após os dez anos da Guerra de Independência do México.

Os movimentos de independência mexicana começaram aqui, nesta região do México, e uma batalha importante ocorreu aqui em Guanajuato. 

Aos poucos, eu circularia por entre edificações coloniais e marcos já do tempo republicano, no século XIX.

Como diz o próprio lema da cidade: Guanajuato vive grandes histórias. É também um convite para você viver junto as grandes histórias daqui.

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A portentosa Universidade de Guanajuato, inaugurada em 1732, e na época chamada de Colégio da Santíssima Trindade. Veem-se aí os altares e flores ainda pela época do Dia dos Mortos em novembro.
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A Igreja da Companhia de Jesus, consagrada em 1765, com sua fachada bem detalhada. Uma curiosidade é que, já dois anos depois, os Jesuítas seriam expulsos dos domínios espanhóis pelo rei, como Portugal já havia feito antes, em 1759.
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O interior da Igreja da Companhia de Jesus em Guanajuato. Com os jesuítas sendo expulsos, acho que não deu tempo de eles decorarem muito estes interiores.
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A Igreja de São Francisco, construída (por supuesto) pelos franciscanos em 1728.
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Seu interior.

Sem dúvida o período colonial deixou muitas marcas e marcos aqui. Guanajuato, afinal, não é reconhecida à toa como Patrimônio Mundial da Humanidade.

Há ainda várias outras igrejas de época, afora os característicos pátios coloniais herdados do mediterrâneo e o casario. 

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Das muitas vias de aspecto colonial em Guanajuato. As igrejas coloniais aqui são tantas que é difícil tomar pé.
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Pátio colonial na chamada Ágora del Baratillo. Naquela casinhola, habita um húngaro aqui radicado que adaptou o típico pão cilíndrico húngaro kürtőskalács — que você avista com canela e açúcar Europa Central adentro, especialmente nas feirinhas de Natal. Aqui, o húngaro o faz ao gosto mexicano, com pimenta e tudo. (Minha amiga húngara esbugalhou os olhos quando lhe contei.)
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Eu nestes arrabaldes coloniais.

Uma coisa deliciosa de Guanajuato nestes ambientes coloniais é que, em muito, ela me lembra aquelas cidades cenográficas das obras de Dias Gomes. Não é somente que você tem o casario de época e as ruas estreitas por onde caminhar: é também que você reencontra as mesmas pessoas na rua.

Na Praça do Baratillo, ali vizinha à Ágora do húngaro, eu — mais interessado em algo típico que no seu híbrido húngaro-mexicano aqui — perguntei a uma policial onde encontrar tamales, destes típicos quitutes de massa de milho e que me lembram uma pamonha salgada. (Mostrei-os em Querétaro.)

Normalmente, há um senhor que toda tarde fica ali, mas acho que hoje não veio. Você pode encontrar também lá perto da Igreja das Monjas“, disse a policial, e pôs-se a explicar quando viu que eu não sabia bem onde era essa tal igreja.

No caminho — pois vale tudo por um tamal — vi um gari mirrado, um senhor destes meio pitorescos, vestido de laranja no uniforme de limpador de rua, e com ares de que tudo sabia daqui. Confirmei a localização, e — creia-me — na tarde seguinte eu o encontraria novamente para agradecer.

Eu já me sentia quase em casa aqui. E, a propósito, acham-se tamales e atoles maravilhosos na Plaza de Los Angeles — onde eles, afinal, haviam-me recomendado ir. À tardinha a vendedora chega.

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À Plaza de Los Angeles, após comer um tamal.
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A praça mais bonita de todas em Guanajuato, porém, é o Jardín de la Unión. Parece um lugar mágico.
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Exclusiva aos pedestres, ela tem árvores baixinhas que raspam a sua cabeça, com bancos agradáveis, fontes, pássaros e lojas.
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Os jardins do Jardin de la Unión.
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Músicos de rua mexicanos que às vezes circulam ou se aprochegam a tocar e cantar.

Alhóndiga de Granaditas & El Pípila

Primeiro de tudo, isto nada tem a ver com almôndegas. Alhóndiga é um sinônimo de armazém para grãos, ambas as palavras sendo de origem árabe.

Este armazém em questão é um prédio que ficou pronto em 1809, e que já em 1810 pegaria fogo (literal e figurativamente) numa das primeiras batalhas pela independência do México.

Como o muralista mexicano José Chávez Morado (1909-2002) viria depois a estampar de forma tão artística e visual nestas paredes do que é hoje um museu, as pessoas aqui já aceitavam cada vez menos o domínio espanhol.

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Mural do artista mexicano José Chávez Morado, feito entre os anos 1950-1960 no que é hoje o Museu Regional de Guanajuato, mostrando os espanhóis a chegar com a espada e a cruz. Os índios sendo torturados, os orgulhosos guerreiros-águia sob o fogo, e a voz de solitária do Frei Bartolomeu de las Casas (1484-1566) ali abaixo a protestar sozinho contra os abusos tão anti-cristãos.
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O antigo Alhóndiga de Granaditas, armazém de grãos terminado em 1809 e que, já em 1810, seria palco de uma batalha pela independência. Hoje, abriga o Museu Regional de Guanajuato.

O lugar já tem até aspecto de fortaleza, ainda que não tenha sido desenhado para ser uma. 

Quando, em 16 de setembro de 1810, as tropas independentistas mexicanas começaram a se mobilizar, elas não demorariam a estar aqui antes do fim do mês.

Hidalgo ele próprio — convertido de padre a líder rebelde — estaria aqui em Guanajuato acompanhado de uma tropa de 20 mil homens.

Naquele dia, ocorreu o chamado Grito de Dolores — na então cidade de Dolores, aqui perto — onde o padre Miguel Hidalgo discursou às primeiras tropas dispostas a lutar pela independência. A cidade hoje tem o nome de Dolores Hidalgo por isso.

A 28 de setembro daquele mesmo ano, Hidalgo ele próprio — convertido de padre a líder rebelde — estaria aqui em Guanajuato acompanhado de uma tropa de 20 mil homens.

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Escadaria com murais de José Chávez Morado, mostrando — entre outras coisas — o povo a desfalecer nos braços do padre Miguel Hidalgo, que viria se tornar um dos líderes da Independência Mexicana.
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Palavras de Miguel Hidalgo, líder independentista, grafadas na parede quando da abolição da escravidão no México. “Que sendo contra os clamores da natureza o vender de homens, ficam abolidas as leis da escravidão.”

Nova Espanha quase que não se utilizou de mão-de-obra escrava africana, mas escravizavam-se os índios.

É claro que muitos interesses se coadunaram na Independência do México, como também na do Brasil. Houve a oportunidade que Napoleão criara na Europa trocando o rei de Espanha pelo seu irmão, José Bonaparte.

E como disse Alexis de Tocqueville (1805-1859), versando sobre o Antigo Regime e a Revolução Francesa: “Males que são pacientemente aguentados quando eles parecem inevitáveis tornam-se intoleráveis quando se sugere a ideia de deles escapar.”

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O pátio interno do armazém de grãos Alhóndiga de Granaditas, em Guanajuato.

O chefe do vice-reinado aqui, Juan Antonio de Riaño y Bárcena, escondeu-se então neste novo armazém tão afeito à defesa, com seu naipe de fortaleza, junto com 300 soldados leais à coroa.

Riaño morreria nos tiroteios, e no mais começam as lendas. Conta a versão popular que, então, um forte mineiro apelidado de El Pípila teria usado uma lápide de pedra como escudo para as balas, e ido até uma das portas de entrada incendiá-la, o que acabaria por permitir a invasão do recinto.

Assim foi, segundo dizem, e esse mineiro El Pípila é homenageado hoje com um monumento no alto de Guanajuato, aonde você sobe com um funicular (ou a pé pelas escadas se preferir), por ter sido um dos heróis desse início da Guerra de Independência.

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O chamado Monumento al Pípila, num cerro de Guanajuato. Sobe-se com um funicular. (Mais tranquilo no período da manhã.)
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De lá se tem também uma magnífica vista para a colorida cidade. Eis Guanajuato.
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O Museu Regional feito no Alhóndiga de Granaditas guarda também muitas peças indígenas, como este vaso mixteca dos idos do ano 1000 d.C., onde se cozinhava um mingau com os restos mortais das pessoas sacrificadas (!), e a crença era que assim você obtinha as virtudes daquela pessoa.
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Outros murais.

Diego Rivera, Miguel de Cervantes, as artes e os beijos

Diego Rivera (1886-1957) é provavelmente o filho mais prodigioso — ou pelo menos o mais famoso — de Guanajuato. Eu mesmo nem sabia que ela havia nascido aqui.

Há hoje um museu no centro da cidade na casa onde ele viveu, mas preciso lhes dizer que é algo mais de homenagem que um exposição da sua arte. Seus murais você encontra sobretudo na Secretaria de Educação Pública e no Palácio Nacional, na Cidade do México, ambos de visitação gratuita.

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A casa onde viveu Diego Rivera, filho de Guanajuato. Hoje, é um museu.
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Outro que você encontra bastante pelas ruas daqui é Dom Quixote, personagem da obra de Miguel de Cervantes. Há um museu sobre ele aqui também.

Como eu disse: parece cidade cenográfica.

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O Teatro Juárez, edificado nos fins do século XIX e inaugurado em 1903. Se estiver planejando uma vinda a Guanajuato, você pode conferir o site oficial do teatro para assistir a algum espetáculo.
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O Mercado Hidalgo, de 1910, homenageando o salvador da pátria.
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O Mercado Hidalgo de Guanajuato é como um mercadão fechado. Nada requintado, mas você pode achar artesanias e merendas aqui.

Se não estiver ainda satisfeito, pode sair serelepe por aí — até encontrar o famoso Beco do Beijo.

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Guanajuato é repleta de vias alegres assim. Alegres e, por vezes, estreitas. Uma é tão estreita que, da sacada da casa de um lado, é possível beijar alguém na sacada em frente (!)
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Olhe ali como as varandas quase se tocam.

Eis o Callejón del Beso, ou o Beco do Beijo

A lenda associada a ele não é necessariamente linda, mas aí as pessoas selecionam a parte de que gostam.

Segundo dizem, numa destas casas vivia Carmen, filha de um pai conservador mas em situação financeira difícil, lá no tempo colonial. Ele tinha em vistas casá-la bem, de preferência com algum homem rico.

Eis que Carmen, porém, engraçou-se com um mineiro aqui da cidade. Na igreja, certa feita, o pai chegou a ver o sujeito fazendo a cortesia de despejar água benta sobre as mãos de Carmen — e entendeu que aquilo era o começo de um romance.

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Trancafiou a filha em casa, para que não mais corresse o risco de se encontrar com o rapaz. Brígida, a sua dama de companhia, daria a má notícia a Luís, o mineiro, que ficaria desconsolado.

Sem saber o que fazer, Luís contudo viu que a casa defronte era muito próxima, e tratou então de comprá-la a qualquer preço para ver se perto a sua amada.

A maior parte dos turistas se para por aí. Tudo lindo.

Na história, porém, o pai certa vez flagra os dois se beijando. Colérico com a desonra, atravessa um punhal no coração da própria filha. Desconsolado, o mineiro depois se suicida, atirando-se à morte na minha La Valenciana. (Algo meio Romeu & Julieta, e vocês veem, portanto, as muitas inspirações coloniais para as temáticas das novelas mexicanas.)

Hoje, naturalmente, o local se tornou ponto turístico, e há alguns chapas que organizam a fila (e cobram um pequeno valor) para os muitos casais de turistas subirem de um lado e do outro para dar o beijo pela sacada — espera-se que sem sogro nem punhal. 

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Casal beijando-se no Callejón del Beso, em Guanajuato. (Há uma fila, naturalmente. Você vê que aquele casal cá embaixo não teve paciência e resolveu se beijar já no chão.)

Encerrando Guanajuato

Por ali eu passei — não subi. Caminhei sem rumo fixo até passar também diante de um Café del Conquistador, uma boa dica para os fãs da poção negra.

Via, por toda parte, os cidadãos vestidos como no tempo de Cervantes a vender tickets para uma callejoneada, que é uma passeata alegre e musical com estudantes em trajes de época, a cantar e tocar instrumentos. Os estudantes ficam feito formando tentando vender rifa a todo custo pra juntar dinheiro para a formatura.

Revi algumas vezes o gari magrinho, de boné laranja e calças laranjas, franzino, um senhorzinho quieto tirando lixo à noite. E veria pessoas novas, como a menina que me vendeu o melhor cheesecake de goiaba que já encontrei na vida. Procurem-na à noitinha na praça principal! Perguntem por ela!

E eu via Saul na praça da basílica, garçom que de tão redondo fazia movimentos circulares ao andar. De suspensórios e passos leves, ele saía de El Canastillo de Flores e, certa vez, me atendeu ao restaurante. Logo ali puseram-se junto a nós dois cachorros grandes e sossegados — mais educados que o meu. Sem querermos deixar ossos que fossem nem nada no prato, jogamos para eles que silenciosamente fariam uma límpida queima de arquivo no chão. 

Creio que tinham fome. Não está nada mau meu cozinheiro”, disse nosso simpático e pesado meseiro.

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Tem razão o lema desta linda cidade. Vivem-se as grandes histórias e as pequenas também.
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Pelas ruas de Guanajuato.
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Perdidos, jamais.

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Quando cheguei de volta à rodoviária, para ir embora, retornei a El Figón. Desta vez, já não havia mais a mulher “arretada” que me havia atendido na vinda. Em seu lugar, havia mexicana jovem, de cabelos compridos saindo por entre a parte de trás do boné, e sentada no chão a arrumar os pacotes de batata chips.

Tenemos de todo, chico“, respondeu-me ela com ar faceiro e sem nem me olhar quando, ressabiado, eu lhe indaguei se, novamente, só estavam fazendo quesadillas. 

Levantou-se e foi preparar. Pedaço de mau caminho. Tem dessas também em Guanajuato. Aliás: tem de tudo por aqui.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Guanajuato: A cidade histórica preferida dos mexicanos

  1. Uau!… Que cidade encantadora, parece um presépio. Cenográfica, histórica cheia de riquezas culturais atemporais, eternas. Das mais belas desse México encantado como eles mesmo dizem das suas preciosas cidades.
    Encantada com esse belíssimo patrimônio histórico-cultural, religioso e artístico.
    Que maravilha!… Que espetáculo.!..Que arquitetura!.. Belos murais, artistas magistrais e pouco conhecidos!…
    Não sei o que mais me encantou: se a pujança e a beleza da sua arte, demonstrada nos seus belíssimos templos e construções de época; se a graça o bulício e a alegria do seu povo e das suas melodiosas canções que mexem com as emoções de quem chega e aprecia; se suas bem cuidadas e arborizadas pracinhas , charmosas ruelas e espaços públicos outros ou a sua História de lutas, que se mistura com as próprias dores, alegrias e batalhas, sucessos e dramas de que são ricos não só o México mas toda a Latino- America.
    A verdade e que o México, e nesse particular essa belíssima Guanajuato, resumem todo o charme desse pais incrível, belo, rico, majestoso, de passado tão vivo e tão presente na alma do seu povo simples, alegre e divertido.
    Toda essa safra de cidadezinhas que parecem encantadas e saidas do passado e vívidas ainda hoje, é espetacular meu caro amigo viajante, mas esta me tocou mais de perto. Achei-a perfeita na sua beleza, graça, legado e digna representante desse belo e instigante pais e dessa maravilhosa América latina .
    Amei a cidade e a postagem. Uma verdadeira apoteose do espírito mexicano. Valeu.
    Parabéns, por mais essa amostragem das belezas que nos cercam e que nem sempre nos damos conta de que elas existem.
    Uma oportunidade impar de conhecer mundos , histórias e culturas.
    Amo viajar com o senhor por esse mundão afora.
    Obrigada.

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