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Polônia

Resóvia (Rzeszów) e o pouco visitado sudeste da Polônia

Era uma tarde gélida e quieta de inverno quando descemos do trem em Resóvia (Rzeszów), cidade polonesa de que você muito provavelmente nunca ouviu falar. Eu tive até trabalho para desvendar o nome latino daqui.

É que o sudeste da Polônia segue sendo, indevidamente, quase que sumariamente ignorado pela maior parte dos turistas estrangeiros ou mesmo mochileiros intrépidos, geralmente focados em Cracóvia, Varsóvia e Gdansk. Eu próprio — admito — nada sabia desta região até vir conhecê-la. 

Rzeszów, que os poloneses pronunciam algo semelhante a “Jé-Shuv”, é uma pequena fofura. Ela é uma cidade de origem medieval em 1354, e que se desenvolveu na Renascença como rota entre o então próspero Reino da Polônia e o Império Turco Otomano mais ao sul.

A cidade esteve por muito tempo sob o controle de uma nobre família polonesa, os Lubomirski, antes de passar às mãos do Império Austríaco dos Habsburgo controlado desde Viena. Você nota o estilo da Europa Central por toda parte, assim como algumas adições mais recentes nesta pequena e singela visita.

Foto do Castelo Lubomirski em Resóvia no inverno
O Castelo Lubomirski, da família nobre que tomou posse da cidade em 1638.

Resóvia encruzilhada de impérios

Entendamos primeiro onde estamos. Se você precisar se localizar, os mapas abaixo podem ajudar.

Nos idos de 1400-1700, a Polônia era dos reinos mais ricos da Europa, e operava uma próspera rota comercial entre as terras do Mar Báltico no norte e as do Mar Negro no sul.

Ainda que estejamos, hoje, muito habituados a imaginar a Europa em termos de oeste e leste, ou a conceber ainda o chamado “Leste Europeu” nos termos da finada Guerra Fria, esta aqui já foi uma terra muito próspera. Mais que outros como Alemanha e França. 

Nos idos de 1400-1700, a Polônia era dos reinos mais ricos da Europa, e operava uma próspera rota comercial entre as terras do Mar Báltico no norte e as do Mar Negro no sul. O comércio à época era intenso, e desde a Idade Média ele passava por Resóvia.

Mapa da Europa em 1648
Esta era a Europa em 1648. Notem a Polônia em rosa, dos maiores reinos de então. Resóvia, a sudeste de Varsóvia e no caminho para Constantinopla, fazia a rota com o Império Otomano dos turcos.
Localização de Resóvia (Rzeszów) no mapa da Polônia
Resóvia (Rzeszów) no mapa da Polônia hoje. A sul está a Eslováquia, e à direita no mapa estão Belarus (mais a norte) e a Ucrânia (logo ali próxima).

Hoje, o que você imagina sobre este lugar?

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Polonesas numa rua nevada de Resóvia hoje, rumo à igreja.
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O antigo fosso ao redor do Castelo Lubomirski, hoje um parque onde as crianças — e adultos — brincavam de escorregar na neve ao que eu por ali passava.
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Estátua em honra ao medieval Jan Pakoslawic (†1374), cavaleiro a quem o rei polonês Casemiro III, o Grande (1310-1370) conferiu o governo da cidade de Resóvia e terras adjacentes.

Resóvia cresceu no século XIV e atraiu o “olho grande” de vários, desde os húngaros a oeste quanto os suecos vindos do norte quanto os tártaros (ou tatars, descendentes do império mongol) vindos do leste.

A cidade foi múltiplas vezes destruída e refeita. Os golpes mais duros vieram no chamado “dilúvio”, uma série de guerras contra os russos e os suecos na metade do século XVII — já não mais os Vikings, mas os suecos cristãos do rei Gustavo Vasa e outros que lograram expandir o país escandinavo moderno até terras que hoje são Finlândia, Polônia, e os Países Bálticos.

Por duas vezes os suecos conquistaram Resóvia e foram expulsos pelos poloneses. Com os Lubomirski a partir de 1638, a cidade seguiria crescendo, atraindo grande comunidade judaica, que chegou a representar metade da população à altura de 1750.

Hitler viria a encontrar muitos judeus na Polônia porque a Polônia havia sido próspera, lugar de economia pujante e cosmopolitismo nos séculos até o XVIII.

Resovia antes da guerra
Foto de época, do que era a praça principal de Resóvia antes da Segunda Guerra Mundial.

Em suma, a Polônia era um lugar bastante próspero durante o medievo e Idade Moderna. A partir dos idos de 1750 é que começa a fraquejar após todas aquelas guerras, e seus vizinhos russos e germânicos em ascensão — e farejando sangue — se aproveitam para retalhá-la em pedaços. Dividem-na entre eles em 1772, e assim deixou de existir “Polônia” até o século XX, quando ela finalmente volta a constar outra vez no mapa.

Esta região de Resóvia ficaria com os austríacos, dos Habsburgo, que a governariam por quase 150 anos até perderem as guerras mundiais do século XX.

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O Castelo Lubomirski visto no inverno com seu fosso. Hoje, ele é um prédio administrativo do governo local.
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O Palácio de Verão dos Lubomirski, em estilo neoclássico.
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O Teatro de Resóvia, construído entre 1890-1900. Dentro do império austríaco e depois austro-húngaro, Resóvia viria a se encontrar na mesma matriz cultural do restante da Europa Central.

Arte, arquitetura e religião em Resóvia

Como Resóvia veio a ser destruída e reconstruída seguidas vezes, tudo o que você encontra de herança artística hoje na cidade data dos séculos XVIII ou XIX, o que a torna algo semelhante às suas irmãs Europa Central afora.

Os tons pasteis e a arquitetura neo-renascentista não me deixa mentir.

O maior exemplo é a própria prefeitura de Resóvia, de uma singeleza só.

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A Prefeitura de Resóvia originalmente data do século XVI, mas foi reconstruída assim, em estilo neo-renascentista, em fins do século XIX.
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Decoração natalina diante da prefeitura neo-renascentista de Resóvia, com a data de 1897 ali em algarismos romanos.

Como os poloneses já eram mui católicos, diferenciando-se pois da população judaica, ao menos essa estranheza eles não tiveram sob o domínio dos também católicos austríacos.

As muitas igrejas aqui são originalmente mais antigas, porém quase sempre beneficiaram-se de alguma reelaboração artística nos séculos recentes.

Aliás, se alguém se indagar o porquê de os poloneses serem em geral tão católicos, não é simplesmente porque tiveram um dos seus como papa (João Paulo II) recentemente. É, em grande medida, por uma quase-fusão entre filiação religiosa e identidade nacional, avizinhados pelos russos ortodoxos e pelos alemães luteranos sob quem foram dominados.

Nesse contexto, manter-se católico era, juntamente com a língua, uma forma de não deixar a identidade polonesa morrer.

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A Igreja Bernardina da Virgem Maria. Ou, oficialmente, a Basílica da Assunção da Abençoada Virgem Maria em Resóvia (Bazylika Wniebowzięcia Najświętszej Maryi Panny w Rzeszowie), original da primeira metade do século XVII. Veio a pertencer à ordem dos monges bernardinos ou cistercienses.
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Seu interior barroco.
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A arte sacra nas paredes, em tons leves e claros que lembram o estilo rococó.

Há também outras.

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A Igreja de Santo Adalberto e Santo Estanislau, paróquia fundada em 1363. Seu formato barroco atual data de 1754.
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O interior barroco da Igreja de Santo Adalberto e Santo Estanislau (Kościół św. Wojciecha i św. Stanisława w Rzeszowie) em Resóvia.
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O altar-mor visto de mais perto e com a decoração de Natal.
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Por fim nesta série, a Igreja da Santa Cruz, que era também um mosteiro nos séculos XVII e XVIII.
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Seu interior branco e dourado.

Visitando Resóvia

Eu comecei este post falando do frio e da quietude de quando cheguei. Em verdade, a cidade estava um ermo. Era 25 de dezembro, o dia de Natal, e que acontecia de ser também um dia nublado com cerca de -10 graus de temperatura.

Proveniente de Cracóvia, onde passei a noite de Natal, sentia-me agora desembarcando numa não-cidade, um cenário cinzento e vazio, de prédios retilíneos do tempo comunista nas vizinhanças da estação ferroviária — fora do centro histórico — e onde nem muitas janelas acesas havia. Não sei onde estavam as pessoas.

Por sorte, o meu hotel era um refúgio magnífico, onde tocavam músicas de Natal num ambiente para lá de charmoso e aquecido em todos os sentidos. 

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A Resóvia onde desembarquei, no inverno, após 2h de trem desde Cracóvia em pleno 25 de dezembro.
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Não havia um pé de gente sequer nas ruas. Por aqui andei, no que era o anoitecer gélido de -10 graus às 16h.
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Chegando ao aconchegante hotel, com o seu saguão natalino com fotografias que remetiam à Itália.

Se a vinda desde a estação ferroviária Rzeszów Glowny ao hotel naquela tarde foi por sobre a neve e sob um céu escuro, ao menos no dia seguinte o sol abriria.

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Eu amo Resóvia?

Fora do centro histórico, Resóvia se revelaria uma cidade de contornos modernistas-comunistas daquele tempo da Guerra Fria, com suas edificações de concreto, prédios residenciais retilíneos cinzentos, e monumentos grandiosos de pedra ou bronze ao movimento revolucionário de outrora.

Bem diante de mim havia um deles, num cruzamento de largas avenidas — características do urbanismo modernista que inspirava os comunistas, além de outros também no Ocidente. 

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Não é nem uma nave alienígena nem uma flor de lótus fechada, mas um monumento modernista de concreto feito no tempo da Guerra Fria. Tem quem goste.
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Visto melhor pelo outro lado. Os motivos são o que se ainda vê por muitos países do antigo bloco soviético. Aqui, ele é em honra à Ação Revolucionária. Dizem haver um certo consenso na cidade de que ele é feio, mas que não dá para imaginar Resóvia sem ele.

Já quando você adentra o centro histórico de Resóvia, logo ali, ela ganha uma beleza outra.

A cidade, aos poucos, ia também ganhando maior presença humana, ainda que fizesse um frio de -11ºC e vento de gelar aos mãos inocentes que iam tirar fotos.

Lembrei-me de que era domingo ao ver, perto do meio-dia, as pessoas feito formiguinhas encherem gradualmente as igrejas. Entrar podia ser uma decisão religiosa, artística, ou térmica. Em muitos casos, uma combinação das três. O cheiro de incenso nos interiores era também uma arte.

Fui desde o teatro, passando pelas geladas e nevadas ruas ensolaradas, até o Castelo Lubomirski que já vos mostrei e, em seguida, até a praça principal da cidade, onde ainda pude tomar um vinho quente. Resóvia estava, de repente, encantadora.

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O teatro de Resóvia naquela ensolarada manhã de domingo de inverno.
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Senhora indo para a missa. Assim como ela, iam muitos das mais variadas idades. Os poloneses frequentam bastante igreja.
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Puro gelo nos arredores do belo Castelo Lubomirski. Convenhamos que a neve tem sua beleza, sobretudo com sol.
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Algumas pessoas andando por ali.

No centro, onde ainda remanescia algo da feirinha de Natal (ainda que este já tivesse passado), as pessoas logo começariam a se juntar. Havia barraquinhas ainda funcionando, e brinquedinhos de parque de diversão (carrossel etc.) aonde as pessoas vinham trazer as crianças e ficar por ali. Era um cenário alegre, apesar do frio crasso.

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Pessoas no centro histórico de Resóvia, com o campanário da Igreja de Santo Adalberto e Santo Estanislau ao fundo.
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A mágica feirinha de Natal em Resóvia.
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Viver é preciso.

Tive a fortuna de encontrar ali perto um restaurante indiano onde almoçar.  #FicaADica caso queira algo mais temperado. No meu caso, era dos poucos que estavam abertos. Se vierem, mandem um abraço meu a Ana, a simpática polonesa trabalhando lá. (Eis o site e o Instagram do restaurante. A comida é boa.)

Desloquei-me ainda para ver de perto um Monumento de Gratidão ao Exército Vermelho, erigido durante a Guerra Fria para honrar as forças soviéticas que expulsaram a Alemanha nazista da Polônia. Fui pela simbologia, mas o monumento em si é extremamente simples.

Ele faz parte de uma série de monumentos hiper-controversos ainda presentes desde os anos 1950 na Polônia. Certas partes do governo e da população preferem conservar, em respeito à História; já outros ordenam derrubar, ressentidos pela dominação russa durante o século XX. Seja como for, muitos deles seguem aí.

A Polônia ali se enxerga como tendo saído um pouco do fogo para cair na frigideira. A ditadura comunista foi um mal menor aos campos de extermínio dos nazistas, muitos concordarão. De qualquer modo, no frigir dos ovos, o que a maioria dos poloneses prefere é estar na União Europeia — apesar de todos os arranca-rabos do atual governo com Bruxelas.

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Um dos muitos “Monumentos de Gratidão” à ação soviética decisiva contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, presentes ainda em muito do antigo Leste Europeu.

Caindo a noite — ou, melhor dizendo, chegando o anoitecer vespertino às 15:30 — a cidade se iluminou. A praça central se tornava encantada, ainda que gélida. Uma certa Nárnia antes da quebra do feitiço. Aqui, o frio de fato era parte do encantamento.

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Resóvia à noite em clima de Natal.
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A prefeitura iluminada à noite, com a decoração natalina.
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Na praça central de Resóvia.

A Polônia segue ressurgindo. Com uma geração cada vez mais europeia, vai encontrando o seu lugar. Ou melhor, reencontrando.

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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