Fica hoje na Polônia o maior castelo do planeta em área. À sua época, pertencia aos célebres Cavaleiros Teutônicos, a ordem militar-religiosa germânica que avançou rumo ao leste da Europa — nas chamadas Cruzadas do Norte — durante a Idade Média, impondo sob a espada o cristianismo a povos europeus pagãos. Junto com a religião, vinham também seus interesses econômicos e políticos. Foi nessa época medieval que se deu a grande migração de alemães que viriam a povoar regiões do leste europeu até a Segunda Guerra Mundial.
Malbork — ou, como era chamado originalmente pelos teutônicos, Marienburg, em homenagem a Nossa Senhora — vai ser construído de 1274 a 1300. Não com pedras, mas tijolinhos, na típica arquitetura deste litoral do Mar Báltico e do Mar do Norte. (Eu acho curioso que o maior castelo do mundo não seja de rocha sólida.)
Hoje, Malbork é Patrimônio Mundial da Humanidade reconhecido pela UNESCO, como parte do mesmo sítio que inclui Torun, cidade natal de Nicolau Copérnico (a qual vos apresentei aqui). Malbork faz um bate-e-volta fácil e recomendadíssimo desde a própria Torun ou de Gdansk, esta a apenas 30 minutos de trem.
Depois de passar perto daqui e ficar na vontade durante minha vinda anterior à Polônia, desta vez pude tirar o atraso e conhecer Malbork de perto. É uma tarde bem passada, seja qual for a estação do ano — cada qual com sua atmosfera. Neste inverno, a sensação foi de sobriedade medievalesca e uma quietude quase templar.


O contexto de Malbork em 3 considerações
Um pouco de contexto pode tornar sua apreciação de Malbork mais significativa — para além de uma obra medieval grande.
(1) Se os franceses e ingleses foram guerrear na Terra Santa, os germânicos vieram ao centro e leste da Europa.
Todos sabemos das famosas Cruzadas, com os Cavaleiros Templários e Hospitalários (estes últimos, de Malta), dentre outros, indo combater árabes e turcos na Terra Santa. Afora a religião, havia importantes interesses materiais: eram muitos cavaleiros para poucas terras disponíveis na Europa Ocidental. Havia uma pressão populacional e econômica, portanto, para conquistar novas áreas.
Se franceses, ingleses, italianos e outros da Europa ocidental foram ao Oriente Próximo (e os portugueses e espanhóis estavam ocupados com a Reconquista da própria Península Ibérica), os germânicos foram ao centro-leste da Europa, e os Cavaleiros Teutônicos foram a principal ordem veículo dessa expansão. Com eles, vinham camponeses germânicos e artesãos.


(2) Marienburg foi a principal obra dos teutônicos para consolidar seu domínio sobre território então dos eslavos e dos antigos prussianos.
Havia eslavos aqui onde é a atual Polônia desde pelo menos o século VI. Havia, além deles, os chamados “antigos prussianos”, um povo de língua báltica irmanado dos atuais lituanos e letões. (Minhas postagens na Letônia e Lituânia você pode ler nos respectivos links.)
O termo “prussiano” só passa a designar a Prússia da Idade Moderna (de Otto von Bismarck e outros) bem depois, após os germânicos consolidarem o seu domínio sobre essa região. Os antigos prussianos praticamente desapareceram enquanto povo, ainda que seu sangue esteja absorvido pela população.
A Ordem dos Teutônicos (Ordo Domus Sanctæ Mariæ Theutonicorum) se forma em 1190 na Terra Santa, antes que estes cavaleiros nobres voltem sua atenção à Europa Central. Cá, combateriam o Reino da Polônia, o Grão-Ducado da Lituânia, e conquistariam terras dos prussianos pagãos ao longo de todos os idos de 1200 e 1300.
Após suprimirem um levante popular de prussianos, os teutônicos constroem (entre 1274 e 1300) esta fortaleza impenetrável chamada Marienburg. Ampla, ela serviria de morada ao grão-mestre da ordem e até 3.000 cavaleiros.

(3) Malbork jamais foi conquistada, mas os Cavaleiros Teutônicos seriam derrotados por poloneses e lituanos, e expulsos destas terras.
Marienburg nunca teve suas defesas penetradas. Por mais de 150 anos, os teutônicos seguiram ampliando o castelo (até 1406) e defendendo-se (até 1457).
Quando os lituanos, em 1387, tornam-se o último povo europeu a se converter ao cristianismo, a Ordem Teutônica fica um tanto sem função. Perde seu propósito oficial, e torna-se apenas mais uma governante de terras, em disputa com o Reino da Polônia.

Em 1410, ocorre aqui uma das principais batalhas medievais da Europa, a Batalha de Grunwald. O grão-mestre Ulrich von Jungingen perece em batalha, e o Reino da Polônia junto ao Grão-Ducado da Lituânia, unidos, derrotam de maneira decisiva os teutônicos. Seria o fim da expansão germânica no leste europeu. (Hitler, meio milênio depois, invadiria a Polônia em 1939 alegando, entre outras coisas, uma revanche pela derrota em Grunwald.)
Terminada a batalha, ainda em 1410 os teutônicos restantes abrigaram-se aqui em Marienburg, e conseguiram defendê-lo.
Somente 40 anos depois, em 1456, é que, padecendo já de dificuldades econômicas, a ordem deixa de pagar aos seus mercenários boêmios (literalmente, ou seja, de origem no Reino da Boêmia, atual região de Praga na Tchéquia). Estes mudam de lado, pagos pelo rei polonês em ascensão.
Com a Guerra dos Treze Anos (1454-1466), as cidades da região revoltariam-se contra o domínio teutônico, trocando-os pela suserania polonesa. Era o fim do domínio da ordem nesta região. Marienburg, agora chamado pelos poloneses de Malbork, seria residência para a coroa polaca durante os próximos 300 anos, até os idos de 1770.
A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos ainda existe, embora obviamente longe de ser o que era. É, hoje, uma entidade católica filantrópica com sede em Viena, na Áustria. (Hoje em dia eles têm até site na internet.)
Malbork, na Polônia, segue de pé, e foi o que eu vim conhecer.



Visitando Malbork
Malbork é uma visita mais simples, duradoura e recompensadora do que eu imaginava.
A começar, não há complicação para chegar aqui desde Gdansk e fazer um bate-e-volta. (Não vi razão para dormir aqui.) Gdansk, ela própria, vale muito ser visitada, e de lá há partidas de trem todas as horas, numa viagem de meros 30 minutos até cá. Verifique os horários e compre suas passagens no site oficial polonês, como instruí neste post. Se quiser, deixe a volta para comprar pessoalmente na estação de Malbork.
Eu cheguei num começo de tarde ensolarada de inverno, após um café da manhã bem tardio. (É que no inverno, aqui na Europa, mal dá vontade de a gente se levantar. Dá vontade de ficar morgando o dia inteiro — e, ops!, quando vê, já escureceu novamente.)
Vi o trem passar numa ponte por sobre o rio Nogat, que margeia o castelo, e de lá o avistei à minha direita. Esse é um afluente do rio Vistula, o principal da Polônia, que passa por Varsóvia e desemboca na região de Gdansk.
Após desembarcar na estação principal, que se chama Malbork, basta caminhar 20 minutos por esta cidadezinha de mesmo nome para chegar ao castelo.

As pessoas na Europa gostam muito de privilegiar este turismo de áreas abertas durante o verão. É também quando as pessoas aqui têm férias (junho-agosto). Mas eu preciso dizer que gostei muito de visitar Malbork durante o inverno. Há uma outra atmosfera, mais quieta, que lhe permite conectar-se com a atmosfera do lugar, em vez de estar sempre distraído por este ou aquele outro grupo de turistas.
Por oras, era fácil imaginar-se em algum castelo fantástico como Hogwarts, ou mesmo no tempo dos próprios teutônicos ou dos reis da Polônia.
Eu sugiro reservar pelo menos um turno do dia para passar aqui. Pode ser o dia inteiro, se você dispuser desse tempo. Há um audioguia incluso no ingresso (em vários idiomas) que vale muito a pena, e ao todo você passa bem umas 3h circulando por este que é o maior castelo do mundo.
Este é o site oficial, mas a menos que você esteja lendo isso para visitar num bombado verão muito após o fim da pandemia, não é preciso comprar ingressos online. Basta chegar, e pronto, tendo em conta que a bilheteria fecha às 15h e o castelo, às 16h. Você pode consultar horários e preços atualizados no site. Eu paguei 60 zlotys, o equivalente a cerca de 13 euros.

Adentrando o castelo: a parte baixa
O Castelo de Malbork é dividido em três partes: o baixo castelo (lower castle), o castelo do meio (middle castle), e o alto castelo (high castle). Isto é porque, tal qual uma cebola, ele é feito em camadas. Há fortificações dentro das fortificações. Não era incomum, pois era preciso poder defender-se mesmo que as fortificações externas fossem invadidas.




Como você já se deu conta, este castelo era praticamente uma cidadela. Daí ser tão extenso.
Dentro, havia centenas — e, por certos períodos, milhares — de cavaleiros. Era, certamente, um burburinho de pessoas entrando e saindo, pois havia também um vilarejo medieval de mesmo nome no exterior — o qual daria origem à Malbork atual.



Era uma tarde fria, porém bonita. Com a pandemia, havia pouquíssimas outras pessoas, e as poucas que havia ficavam diluídas na imensidão deste castelo. Na maior parte do tempo, reinou o silêncio, como se eu tivesse viajado no tempo para vir ter com estas paredes e estruturas.
Volta e meia, um e outro, mas o silêncio era soberano. Às vezes, o vento dava nas árvores secas do exterior, mas nem ele era muito expressivo.
Hora de entrarmos no castelo do meio, onde a coisa começa a ficar com ainda mais cara de castelo.


Os castelos médio e alto, com seus interiores
É aqui que Malbork fica com menos cara de cidadela fortificada e com mais cara de castelo. Nesse pátio da foto acima, dava-se muito da vida diária dos irmãos-em-armas da ordem.
Hoje, há acesso a uma lojinha, um restaurante para turistas, e alguns escritórios administrativos — tudo detrás de paredes antigas, telhados góticos, e por vezes escadarias seculares também.
É nesse pátio do castelo médio que se encontram também as estátuas de alguns dos principais grão-mestres teutônicos que governaram desde aqui. Seis deles estão enterrados na Capela de Santa Ana, aqui no castelo.


Como vocês novamente veem pelas fotos, não havia quase ninguém mais. Era possível sentir toda esta atmosfera de Malbork. Percebe os padrões de tijolinhos negros e alaranjados nas paredes? Aqueles escuros eram os que queimavam no forno, e que eles então usavam nestes arranjos.
Uma ponte levadiça separa o Alto Castelo da área anterior. Era o último limite de defesa, em caso de invasão. Lá vivia o grão-mestre e alguns outros da ordem. Mais tarde, é onde também habitariam os reis poloneses durante as suas estadias aqui. (Malbork não era residência real permanente.)
Começa-se a subir — a designação de “alto” não é à toa —, e há toda uma área em volta deste último castelo onde vinhas crescem nas paredes e, ao fundo, os grão-mestres tinham seus jardins de rosas. Hoje, ainda mais sendo inverno, não havia quaisquer flores, mas era possível imaginar.






Adentrando o Alto Castelo propriamente dito, você tem um pátio interno e três andares com salões a explorar — afora a torre.


Aqui, o Castelo de Malbork começa aos poucos a ganhar contornos de museu. Preencheram novamente a cozinha subterrânea com alimentos que se consumiam aqui na época, e nas partes mais altas há exibição de peças históricas e painéis informativos sobre este castelo nos diversos períodos da História.
Entre corredores de arcadas góticas e portas de madeira grossa fechadas nesta tarde fria, havia uma atmosfera autêntica. Era, de repente, fácil imaginar-se naquela outra era.






Acho que a esta altura vocês já entenderam por que eu disse que são necessárias pelo menos umas 3h para ver o Castelo de Malbork na sua inteireza.
O audioguia é programado por GPS (ele sozinho identifica onde você está e orienta a sua navegação com instruções em áudio), então me vi ali a subir e descer escadas, entrando por um lado e saindo pelo outro naquele emaranhado de vias.
Algo afastada, mas com acesso aqui pelo Alto Castelo, há a torre que era usada como banheiro, de onde os dejetos já caíam fora das muralhas. E, no último andar, o refeitório dos teutônicos.



É um mundo próprio, este Castelo de Malbork. Você, ali, imagina-se nos idos de 1400 a ver aquela cidadela como morada e o mundo exterior como um lugar quase hostil, onde todos os temores medievais — maldições, feitiçaria e violência — tinham lugar.
Hoje, ir ao exterior é como transportar-se de volta ao século XXI, com seus temores outros.
O sol raiava belamente sobre as paredes quando saí de Malbork. Aquele entardecer prematuro de inverno das 4h da tarde, na quietude acentuada pela ausência de turistas causada pela pandemia.



