Szczecin, Polônia. Lugar que, pouco pronunciável aos não-eslavos, chama-se Estetino em português.
Os poloneses a chamam algo como Sch-tché-tsin. Estamos no ancestral Ducado da Pomerânia, uma terra que foi polonesa, alemã, e agora polonesa novamente.
Seu nome advém do termo eslavo pomorze, que quer dizer “ao mar”, no sentido de se referir às terras e pessoas que viviam aqui na costa do Mar Báltico. Grosso modo, estamos nos referindo à área que fica entre o rio Vistula lá no leste polonês e as ilhas alemãs ao norte de Berlim. (Sim, a Alemanha tem ilhas.)
Já lhes mostrei Gdansk (que já foi chamada Danzig) lá na ponta oriental da Pomerânia. Agora, apresento-lhes Estetino, cá no extremo ocidente polonês — quase Alemanha.



O Ducado da Pomerânia e a Casa dos Grifo
O nome acima está no singular porque Grifo se refere a uma família; não uma família qualquer, mas a família dos Duques da Pomerânia.
Aqui, o rio Odra (Oder em alemão) despeja suas águas no Mar Báltico e forma uma laguna natural. É uma área extensa (de 687 Km²), onde o estuário há tempos forma uma região estratégica tanto de habitação quanto de comércio naval entre o rio vindo do continente adentro e o mar.
Se você viesse aqui na Alta Idade Média, em torno do ano 1000, encontraria essencialmente eslavos de várias etnias numa habitação esparsa desta região molhada, de rios e brejos. Pouca gente hoje se dá conta, mas havia malária e doenças mil transmitidas por mosquitos na Europa daquele tempo — uma desgraceira só.

Nos idos de 1100, você já encontraria esta região controlada por Vartislau I, que usava a figura mitológica do grifo (misto de águia e leão) como símbolo no escudo.
Os Grifo (Gryfici em polonês), como viriam a ficar conhecidos, dariam as cartas aqui durante os próximos 500 anos ainda que sob imperadores distintos.
A Pomerânia nunca foi um reino independente. Em 1121, surgiu como parte do Reino da Polônia. Depois, caíram sob o Ducado da Saxônia e viraram parte do Sacro-Império Romano-Germânico. Em seguida, seriam conquistados pelos dinamarqueses, e em 1397 seria daqui desta família, Érico da Pomerânia (1382-1459), o rei dinamarquês a governar toda a União de Kalmar — quando toda a Escandinávia ficou sob a coroa dinamarquesa.
Como eu vos contei naquela postagem em Kalmar, que hoje é uma cidade da Suécia, os suecos se levantariam contra o domínio dinamarquês, e estes gradualmente minguaram enquanto potência nos idos de 1500-1600.
A Pomerânia passaria a ser dividida entre poloneses, germânicos, e também suecos (que conquistaram terras deste lado de cá do mar, e as retiveram por um tempo). Em 1660, morreria o último Grifo, o duque Bogislau XIII.
O castelo desses duques, porém, segue de pé aqui em Estetino. Chegou a hora de vermos um pouco de como está essa cidade hoje.

Szczecin, Szcz… Estetino, Polônia
Passei dias tentando refinar a minha pronúncia desse nome, a tentar explicar aos poloneses aonde eu ia. Por sorte, as minhas passagens de trem eu havia comprado pela internet (como instruí aqui), então minorei o risco de ir parar n’algum lugar outro do interior polonês.
Quando a cidade passou dos suecos aos alemães no século XVIII, chamaram-na Stettin. Mais simples.
Muito dessa presença alemã prussiana de séculos segue presente até hoje nos prédios e edificações, mas a cidade voltou a ser eslava em 1945. Os germânicos emigraram, e a Polônia trouxe para cá poloneses de outras bandas — inclusive do leste polonês, absorvido pela União Soviética em 1940 e nunca devolvido (persiste hoje como o oeste da Ucrânia).
Como foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial, eu preciso dizer que muito do que era histórico se foi. Resta pouco, além de algo que foi restaurado. Muito da cidade data dessa segunda metade do século XX de arquitetura moderna sem sal. Não é a cidade mais bela da Polônia, e eu acho 1-2 noites aqui o suficiente para ver tudo, mas é uma cidade que tem seu lugar na História.


A Pomerânia ainda exibe hoje um vai-lá-vem-cá de coisas polonesas e alemãs. Há hoje paz numa fronteira (a poucos Km daqui) que é aberta, inclusive sem qualquer checagem nestes tempos de União Europeia, e muitos alemães passeiam por cá, com seu idioma escutado também nas ruas, mas não deixa de haver certa tensão latente entre poloneses e alemães às vezes.
Os poloneses, basicamente, quiseram se certificar de re-polonizar Estetino e a Pomerânia, evocando o seu passado medieval eslavo a todo momento — e desfazendo certas alterações alemãs dos séculos recentes.
Um exemplo é a catedral, uma igreja do século XIV que viria não só a ser fisicamente modificada (em reconstruções após guerras dos séculos XVII e XVIII), mas que passou também a ser da Igreja Evangélica da Pomerânia. Com o retorno à Polônia em 1945, os poloneses a fizeram novamente católica, e reconstruíram à imagem do que era nos tempos da Renascença.




Eu, que cheguei à cidade em fins de dezembro, fiquei a caças coisas históricas ou lugares mais pitorescos que a urbanidade atual ou recente. A Estetino recente, neste inverno, era uma coisa meio parada, cinzenta, feia e triste, com um ar pós-industrial a evocar a Guerra Fria, que já passou.
Por sorte, era Natal, e portanto possível sentir aquela atmosfera mais luminosa e de calor humano. Na breve feirinha natalina organizada na cidade, viam-se as pessoas — idosos do tempo da Guerra Fria e jovens desta era da União Europeia — a circular com os seus copos de vinho quente e quitutes salgados da região.
No escuro da noite em que cheguei, era possível vislumbrar algo de histórico — e bonito — em meio às ruas sem esplendor.




Se você estiver a se perguntar sobre as coisas típicas destas feirinhas de Natal polonesas, recomendo os meus posts recentes de Natal aqui pela Polônia em Gdansk, Breslávia (Parte 2), e Cracóvia (Parte 3), ricos em detalhes e fotos.


O que vi e o que ver em Estetino
Embora esta seja uma cidade pequena e modesta em atrativos, há o que ver e visitar aqui em Estetino.
Há um centro histórico pequenino que eu nem sei se merece essa alcunha, pois são apenas algumas edificações ocasionais de época em meio a ruas bastante “normais”.
Afora a catedral que vos mostrei, o que tem ali digno de nota é o Castelo dos Duques da Pomerânia, hoje um prédio público que você basicamente vê pelo exterior. Há um pátio aonde você pode entrar para ver os ornamentos externos do castelo e sua torre do relógio de origem renascentista.



Isso é até chegarmos ao Castelo dos Duques da Pomerânia, que é realmente um prédio digno de ser visto aqui na cidade.
Esse castelo existe desde pelo menos 1346, mas foi remodelado ao longo dos séculos. Seu estilo atual é o da reforma feita em 1573-1582 em estilo maneirista, que é como a arquitetura renascentista do norte da Europa é frequentemente conhecida. Notam-se os enfeites, floreios e ornamentos.


Uma curiosidade histórica é que Catarina, a Grande (1729-1796), nasceu aqui em Estetino e cresceu neste palácio. Sim, estou falando da famosa czarina russa.
Não é segredo para muita gente que ela era alemã. Afinal, naquele tempo anterior à ideia de nacionalismo, pouco importava que a monarca viesse de outra terra; importavam a estirpe familiar e a religião.
Ela nasce aqui, no que era a Prússia germânica, e é batizada com o nome de Sophie Friederike Auguste von Anhalt-Zerbst-Dornburg. Ela só ganha o nome de “Catarina” (Ekaterina) ao se converter ao cristianismo ortodoxo na Rússia, já casada.
Como se sabe, ela viria a ter vários amantes, assim como seu marido — o qual levou anos para consumar o casamento. Ele morreria mais de 30 anos antes dela. Provinda aqui de Estetino, ela reinaria na Rússia até as Guerras Napoleônicas, sendo considerada uma das “déspotas esclarecidas” da época.

Daqui, caminhei diretamente rumo ao Terraço de Haken (Hakenterrasse), renomeado em honra ao duque polonês Boleslau, do século XI. Eu gosto do nome original das coisas, mas hoje ele é conhecido como Dique de Boleslau I, o Bravo (Wały Chrobrego).
Perto da margem do rio Odra, embora você daqui não o veja bem, é um belo conjunto arquitetônico que inclui o Museu Nacional e também um prédio de governo regional, ambos originalmente anteriores ao retorno destas terras à Polônia.
O Museu Nacional em Estetino (Muzeum Narodowe w Szczecinie) fica num impressionante prédio de 1729, do arquiteto germânico Gerhard Cornelius von Wallrave. Ele é o mesmo que desenhou o Portão de Berlim, mostrado acima.




Pois, veja você, há bastante aqui em Estetino do que foi a obra arquitetônica prussiana do início do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial.
De fato, Berlim está a meros 150 Km daqui. (Varsóvia fica a mais de quinhentos.) Natural que haja tamanha influência alemã, também dada a História.
Estetino talvez não se compare (mais) ao charme de Breslávia. Resóvia ou Lublin, para nem falar no jeito renascentista autêntico de Zamosc, mas tem o seu lugar. (Só não precisa se demorar muito aqui.)


Estetino e a Pomerânia vão tentando se reinventar, ainda que a beleza mesmo, a meu ver, esteja no que há de antigo que ainda sobrou na cidade.



Eu, por meu turno, sigo em frente.