Maceió, Alagoas. Francamente, não é em qualquer lugar do mundo que encontro uma orla destas. Depoimento de quem já viajou mais de 100 países.
Eis Pajuçara, a mais cantada e badalada praia urbana de Maceió. Estamos na capital alagoana, cidade de grandes expoentes brasileiros como Aurélio Buarque de Holanda (o do dicionário) e do autor Graciliano Ramos, do clássico Vidas Secas. Hoje, é um destino sobretudo buscado por suas praias — por alguns consideradas as melhores do país.
Eu cheguei a Maceió como quem não quer nada. Já tinha vindo aqui há muito anos, ainda menino, e achei que era hora de retornar. Não sou rato de praia (geralmente, em meia hora já me satisfaço em ter curtido o ambiente e procuro outra coisa), mas não há como ignorar esta orla nem todo o bafafá que tem sido feito nos últimos anos acerca do litoral alagoano.
Vamos, então, dar umas voltas “pelas Alagoas” — como alguns diziam antigamente. É um Estado mais presente na História nacional do que a maioria das pessoas têm em conta. Por exemplo, além daqueles letrados ilustres, daqui vieram os dois marechais, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, além de personagens como Djavan e Zagallo.
Há mais neste estado do que julgaria a nossa vã cobertura midiática. Comecemos pela capital alagoana e, nela, pela orla onde me hospedei.

A Pajuçara: Em verso, prosa, e realidade
Pajuçara é a praia mais cantada em verso e prosa de Alagoas. Muitos brasileiros ouviram falar dela pela primeira vez na canção de 1982 do alagoano Carlos Moura, Minha Sereia. Ali, se começou a falar publicamente Brasil afora em mergulhar no “azul piscina” e no “mar de Pajuçara”.
Long de ser a primeira ou a única. “Ai, ai, que saudade, ai, que dó. Viver longe de Maceió“, já entoava em 1960 o célebre Luiz Gonzaga, seguindo seu lançamento pelo seresteiro cearense Otávio Santiago em 1958. (A música é linda, e você pode conferi-la aqui). Ali já se comentava Pajuçara, antes de ela fazer as suas vezes no Instagram hoje.
Passando da musicologia à realidade, temos de fato um azul piscina (ponto para Carlos Moura), e hoje uma orla e tanto. São muitos hotéis, bares, restaurantes, ciclovia, e a pista fechada para carros aos domingos. Ah, e muitos coqueiros. Ah como são tantos os coqueiros!



Estas águas são relativamente quietas, cerradas por recifes, então acabam fazendo um point bem família, bom para crianças.
Pajuçara aqui se emenda com a Ponta Verde, bairro adjacente. Quase não se percebe quando uma praia acaba e a outra começa, mas a Ponta Verde forma um cabo (com ainda mais coqueiros, fazendo valer seu nome) que tem do outro lado a praia de mar aberto da Jatiúca — onde há ondas e mais adrenalina ao mar, ainda que menos bares e serviços.


O ambiente como um todo é bastante brasileiro (como poderia não ser?). Faz bastante calor; há as constantes pessoas malhadas correndo pela orla; os bares com som ligado; e os ambulantes a vender de tudo — até coisas que minha imaginação ainda não havia concebido, e que comentarei mais tarde.
“Picolés e sorvetes Caicó! Picolés e sorvetes Caicó!”, repetia uma voz gravada o dia inteiro, voz que demorarei a esquecer — ainda que nunca tenha atendido ao apelo de ir experimentar os sorvetes Caicó.
Meu hotel ficava algumas quadras para dentro. Como em outros bairros litorâneos, as ruas de prédios residenciais de classe média-alta deixam o ambiente relativamente vazio. Ruas paradas, ao que o movimento se concentra todo na avenida da orla.
É lá, no amplo boulevard de múltiplas pistas sombreadas, que você pode caminhar ao sol. São mais de 2 Km só na Pajuçara, onde se pode sentir o pulsar do dia, com o sol que sobe quente ao meio-dia e refresca à tardinha. É a bênção do litoral do Nordeste brasileiro: o calor se ameniza quando a tarde cai. (Quem já experimentou noites tórridas no Rio de Janeiro sabe valorizar.)
Há cada pôr de sol mais obsceno que o outro.




Pontos de interesse na orla de Maceió
Depois de constatar com os olhos que a Pajuçara da realidade supera a da canção, circulei por ali para ver “o que há” além do mar.
Eu falei em sorvete, e esqueci de mencionar que a que mais me atraiu foi a Sorveteria Bali, com sede na Pajuçara e um quiosque na Ponta Verde — perto da estátua de Graciliano Ramos, autor do clássico Vidas Secas. É uma das personalidades alagoanas aqui presentes em bronze em meio ao povo.
Conseguindo águas de coco ainda por R$ 3,00, antes de a inflação bater mais forte, circulei a encontrar algumas das personalidades daqui e outros pontos de interesse entre Pajuçara e Ponta Verde.



Afora os escritores, há também pelo menos um objeto notável aqui na orla: a Jangada da Independência, peça histórica. Nela, 100 anos atrás, uma trupe de alagoanos quis ir a vela ao Rio de Janeiro para as celebrações do primeiro centenário da Independência do Brasil.
A precariedade algo artesanal da jangada a distingue muito das velas modernas de hoje. Ali, eram troncos de madeira à moda antiga, com os quais quatro alagoanos resolveram fazer sua aventura.
Conseguiram, embora não sem antes virar na Bahia, na altura de Camamu, onde o governador J.J. Seabra os assistiu para que seguissem viagem e chegassem ao Rio de Janeiro em menos de 100 dias, com apenas uma vela na jangada de pau que hoje está aqui exposta na orla de Maceió.

Se você quiser comer, não faltarão restaurantes na orla. Há bares que ficam justo na areia, mas a maioria dos restaurantes mais finos fica do outro lado da pista, mais retirados — com mais cara de restaurante de cidade que restaurante de praia, mas também com mais espaço.
Os alagoanos vão me matar me recomendar outros lugares onde comer, mas onde comi eu não achei a comida esse bacalhau todo. Fui no Anamá e no Janga Praia, dois dos restaurantes mais cotados da orla de Maceió. São bons, não são ruins, mas não são nada excepcional. Misturam — o que parece ter se tornado tendência em Maceió e talvez moda também em outras partes do Brasil — gastronomia regional nordestina e italiana. Pratos de massa à parmiggiana juntos com moquecas e bobós de camarão.
Não experimentei a parte italiana, mas a parte regional eu comi melhor em Salvador ou Aracaju. As moquecas aqui levam pouco de azeite de dendê. Já o que você encontra em Maceió mais facilmente que na capital baiana é culinária sertaneja, como na Bodega do Sertão ou no Oxe Comidas Nordestinas.

Artesanias em Maceió
Uma das coisas típicas de turista fazer — e que eu fiz — na orla de Maceió durante o dia é visitar um dos dois mercados de artesanato da Pajuçara.
Alagoas, como o Ceará e Sergipe, seguem muito fortes na produção de rendas e outras feituras a mão que nem sempre encontramos com tanta facilidade Brasil afora.
Muito comum aqui é o chamado bordado filé, uma técnica com fios de algodão que os alagoanos empregam em geral em obras bastante coloridas.

Não é só o que há; você vê muitas coisas pelo Pavilhão de Artesanato e o Mercado de Artesanato (um de frente ao outro) na orla da Pajuçara. Tudo é relativamente barato, sobretudo se seu bolso estiver habituado aos preços praticados no Centro-Sul do Brasil ou nas capitais maiores do Nordeste.



Se quiser sair um pouco da sua zona de conforto, de estar só na área turística da cidade, e desejar ver ainda mais artesanias, pode fazer uma pequena aventura ao centro histórico de Maceió, onde fica o amplo Mercado de Artesanato (outro). É aonde iremos.
O Centro Histórico de Maceió
Maceió surge enquanto cidade em 1815. Ao que Napoleão era vencido lá na Europa, este povoamento se desmembrava da mais antiga Vila Santa Madalena da Lagoa do Sul (ou simplesmente Vila de Alagoas), cidade histórica que hoje recebe a alcunha de Marechal Deodoro, após mudar de nome para honrar o seu mais famoso filho.
A maioria dos turistas em Alagoas só querem saber de praia, mas o centro histórico de Maceió tem casario de mais de século. Considerando que não estamos num dos estados mais ricos do Brasil, achei o centro melhor preservado do que eu imaginava. Vale um passeio breve, de algumas horas, para conferir suas igrejas antigas, prédios de época, e comprar artesanato.
(Eu talvez esteja tão habituado à hecatombe que é a não-conservação histórica lá em Feira de Santana, onde o patrimônio arquitetônico da cidade deu lugar a supermercados e estacionamentos de carros indiscriminadamente, que em comparação qualquer outra cidade brasileira me parece melhor conservada.)



Um Uber ou equivalente o traz rapidamente desde a área da orla até aqui, onde se vê a Maceió mais cotidiana e menos turística. Caminhar é possível, mas aí já estamos falando de 3-4 Km de caminhada por áreas pouco interessantes.
“A cidade não é perigosa?“
Somente na medida em que outras cidades brasileiras também são. Eu confesso ter me surpreendido positivamente com Maceió nesse sentido. Inundado que era por notícias de que Alagoas é especialmente violenta etc., achei que fosse encontrar um pau doido aqui, mas — como turista — não vi nada demais.
De acordo com o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de violência em Maceió, mesmo ajustada pelo tamanho da população, é menor que em outras capitais como Salvador ou Fortaleza — que não deixam de ser visitadas por isso.



Estas formosas praças arborizadas dividem lugar com ruas simples, algumas até pobres, onde certo descaso público se mistura com o patrimônio histórico. Não é tão diferente de outras partes deste Brasil cotidiano.
Almocei num daqueles restaurantes populares de centro de cidade (com preço fixo come à vontade com direito a uma carne), e segui até o Mercado de Artesanato — bem maior, mais barato e mais tranquilo que os da Pajuçara, em parte pela localização um tanto inconveniente ao turista.
Eu cheguei meio que guiado pelo aplicativo, sem saber o que encontraria pelo caminho. O Mercado revelou-se no fundão do centrão da capital, próximo ao camelô e onde se avista, sob o sol de meio-dia, todo o baixo meretrício de Maceió.

Caminhei por esses meandros sob o sol quente do pós-almoço.
Passei em frente a uma bodega com ar de brega (bordel, aos menos versados), com uma parede logo diante da porta, para não se ver da rua o que se passava dentro, onde tocavam músicas antigas de Roberto Carlos, daquelas de quando ele tinha voz de jovem. Outro bar tocava as clássicas de Reginaldo Rossi. Mulheres paradas aos postes da rua quente em hora de almoço faziam claramente ponto. Quelle ambiance.
Até que, em meio àquela quietude de 1h da tarde, quando se vê que as coisas se acalmaram pela hora do almoço, eu encontrei o Mercado de Artesanato detrás da linha do trem suburbano — que aqui o governo chama de VLT, para soar mais contemporâneo.



Peguei algumas camisas de algodão, e comprei — pelo preço de um hambúrguer de shopping ou coxinha de aeroporto — uma bela mandala de conchas que está hoje na minha parede.
O calor seguia firme no que voltei à parte mais histórica do centro. Entrar na catedral foi um misto de devoção e abrigo térmico. De lá, tomei um Uber de retorno à orla de Maceió.




De volta à orla, para encerrar Maceió
À noite, ouvia-se em alto e bom som o ritmo do meme do caixão ecoando de um dos bares da Pajuçara. Ah, Brasil…
A praia fica bastante badalada nas noites do fim de semana, com fila para entrar nos lugares e tudo. Como o meu interesse não estava ali, contentei-me em andar tomando a brisa da noite na tranquilidade da orla de Maceió. Como em outros lugares por toda América Latina afora, há aquela tradição gostosa de se venderem certas comidas de rua no horário da tardinha. (Isso é tipicamente latino-americano, viu gente?)
A única violência que eu presenciei foi simbólica, quando perguntei o preço de um acarajé, e toda a minha baianidade nagô teve que ouvir a resposta: “De camarão é seis, e de frango é cinco.”Acarajé de frango é tipo sushi de picanha, acho que daria pena de morte lá na Bahia.
Optei por um sorvete, ao que a praia esvaziava-se após passar o dia lotada de cadeiras e sombreiros. Sem o sol, mais pessoas andavam, circulavam ou corriam à calçada. Embora o azul esverdeado do mar de Maceió seja fantásticos, como seus pores de sol não menos dignos de nota, eu deixaria para tomar banho lá na famosa Maragogi — o meu próximo destino.

Passeios saindo de Maceió & Praias fora da cidade
Um breve apêndice para compartilhar algumas informações colhidas, a quem pretender vir por cá. Note que, com a situação inflacionária atual, vários destes preços podem subir (ou já ter subido).
Não faltam passeios bate-e-volta saindo de Maceió, em geral por R$ 30 ou R$ 35 reais por pessoa. Todos os hotéis e acomodações têm os contatos das muitas agências que realizam isso. Saem pegando as pessoas nos hoteis após o café da manhã (umas 7-8h), e geralmente retornam umas 15h. São muitas opções de passar, basicamente, o dia nas praias de Alagoas fora da capital.
Se for por conta própria, a ter em conta que na Praia do Gunga se paga R$20 para estacionar. Praia do Francês e Barra de São Miguel também são destinos comuns. Porém, o comentário geral quando vim era de que a coisa havia se muvucado um tanto, com muitos ambulantes, certa quantidade de lixo e gente com som alto na praia. Dizem as más línguas que pelo aumento do turismo interno em tempos de pandemia. A ver. Se olhar as avaliações individuais das praias no TripAdvisor para saber a qual ir, privilegie as mais recentes.
Aquelas acima são as praias a sul de Maceió, e ainda próximas à cidade. Ao norte, uma cotada é a Praia de Ipioca. Aqui em Alagoas, predomina o jargão de “receptivo” para aqueles restaurantes à beira-mar onde ir passar o dia, com piscina, chuveiros, acesso ali à praia, às vezes brinquedos para as crianças, etc. O mais famoso ali é o Hibiscus Beach Club. Eles cobram de R$ 30 para cima pela diária (às vezes chamada de day use para soar mais grã-fino em inglês).
No mais, ainda mais ao norte, há São Miguel dos Milagres e Maragogi — aonde eu me dirigia, mas que a meu ver merecem uma dormida em vez de ir como bate e volta.
Nossa, meu jovem amigo viajante, que linda postagem e que maravilhosa que é a bela Pajuçara. Lindissima. Merece ser cantada em prosa e verso.
Essas águas são divinas. Que bela orla, que lindas águas, quantos e esbeltos coqueiros. Um paraíso.
Esse pôr de sol parece surrreal, de tão bonito. Magnífico.
Achei tambem muito bonito o Centro Histórico de Maceio.
Achei graça do senhor ter se metido na região do baixo meretrício hahaha.
Meu jovem, acarajé de frango? hahahaha… Que pecado hahaha … Une hourreur hahaha..
Pareceu-me organizada e limpa a cidade. Patrimônio bem preservado. Belos edifícios, interessante história e curiosos os personagens famosos no meio do povo.
Belissimos e ricos artesanatos.
E que bonito, que alegria em ouvir a voz sonora e cheia de encanto do grande Luiz Gonzaga. Que delicia. O timbre da voz deve é belissimo, cheio de sentimento e harmonia, assim como suas melodiosas músicas. Que saudade de quando o Brasil tinha musica, cantores e compositores de ponta.
Eita Nordeste bonito, sôr.
Amei.
Amo esse nordeste brasileiro. Incrivelmente belo. Obrigada por torná-lo conhecido.
Valeu, jovem viajante