Montmartre, o mais tradicional bairro boêmio de Paris. Lugar de famosos pintores franceses, assim como de obras mais recentes — como o já clássico filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) — que mostram aquela velha França da vida urbana à moda antiga.

Se há um lado humanista e de ambições universais na cultura francesa, há ali também um lado “pequeno”, pós-capitalista — diria-se até que anti-moderno — de apreciação das pequenas coisas e dos valores eternos na vida. Um pouco como o sorriso desses personagens no filme.
É algo que não vem de hoje, e que não foi esse filme que inventou, mas que há muito — desde pelo menos o romantismo do século XIX — permeia a Europa. Segue vivo e ativo, num apreço cada vez maior por aquilo que é alternativo, tradicional, caseiro. Montmartre historicamente é como que um epicentro deste sentimento na França.

Montmartre, na verdade, existe em dois lugares: no mundo das ideias e no mundo dos sentidos. Platão aí me corrigiria dizendo que isso se aplica a tudo, não apenas a Montmartre; mas é que houve um efeito que o velho filósofo grego não estudou: aquele do poder das ideias e da imaginação sobre os próprios sentidos.
Jamais vou me esquecer de uma frase, num romance húngaro, em que o personagem principal, ao beijar a senhorita inglesa, dizia que não estava beijando apenas a moça, mas toda a cultura vitoriana, a poesia de Shakespeare e o soneto inglês.
Vir a Montmartre não é apenas passear por um lugar bonito: é passear por uma ideia de vizinhança francesa tradicional. Daquelas à moda antiga com seu moinho, igrejas, casario pintado em cores fortes, e pintores a expor os seus quadros na rua. Um quê de tradição, outro de boemia.

A imaginação raramente o é sem ter alguma razão de ser.
Neste caso, a responsabilidade é primeiramente dos grandes nomes da pintura europeia que aqui viveram: Monet, Van Gogh, Renoir, Picasso e tantos outros — quase todos entre o final do século XIX e início do XX. Terminada a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a França experimentaria aí paz até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), período próspero para as artes e que ficou conhecido como La Belle Époque.
Eu irei mais longe: aqueles artistas, com suas vidas juvenis economicamente desarranjadas porém espiritualmente francas, não apenas fundamentariam a ideia de Montmartre, mas também o ideal do artista despojado que, entre a sua arte e a conformidade socioeconômica, escolhe a primeira. Amélie, com a sua ênfase nos prazeres imateriais, transmite a mesma filosofia de vida 100 anos mais tarde. Segue atual.
Claude Monet, na maturidade, seria reconhecido — ficou rico e foi viver em Giverny, lugar lindo que mostrei recentemente. Porém, nem todos prosperaram em vida. O holandês Van Gogh morreu pobre e em depressão, suicidando-se aos 37 anos após o episódio da orelha.
Cada qual teve seu destino; as obras, nos legaram. Legaram-nos também Montmartre, com toda a ideia que fazemos daqui.
É claro que, por oras, há do chamado “choque de realidade”, quando há contrastes fortes entre o que se imagina encontrar e aquilo que se encontra. Daí eu ter dito que há o Montmartre das ideias e o dos sentidos. Mesmo assim, há choque de beleza também — um choque pra lá de prazeroso.

Uma breve tarde em Montmartre, Paris
A primeira coisa óbvia a observar é que nem sempre é verão em Paris. Eu recentemente mostrei a beleza que a cidade tem no outono, e agora voltava aqui no inverno. Por sorte, um dia límpido de inverno, de céu azul e sol.
Montmartre é hoje uma vizinhança relativamente central em Paris, mas não costumava ser esse o caso. Até o princípio do século XX, estes eram arrabaldes quase rurais. Se lugares como o Moulin Rouge (literalmente, o Moinho Vermelho), inaugurado em 1889, levariam os cabarés daqui à fama mundial, lembrem-se de que havia moinhos para moer grãos, porque aqui se vivia do trabalho no campo.

A estação de metrô mais objetiva para se chegar a Montmartre é Anvers, mas uma consulta rápida ao Google Mapas lhe mostrará as várias alternativas. É que de Anvers você adentra pela frente da Basílica do Sagrado Coração de Jesus (Basilique du Sacré-Coeur), o principal monumento do bairro. Construída em 1875 como penitência francesa pela derrota para os alemães na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), ela marcaria também o começo do florescimento de Montmartre como bairro artístico na Belle Époque.

Montmartre, vale dizer, tem este nome porque esta colina levava o nome de “Monte de Marte” no tempo dos romanos. Depois, a Igreja adaptou para “Monte do Mártir”, tendo em vista que o famoso santo francês St. Dennis teria sido martirizado aqui no século III.

Como vocês podem notar, era um céu de brigadeiro — todo azul. (A expressão nada tem a ver com o doce, mas com brigadeiros de aviação.) A pandemia, ainda sem se despedir totalmente, deixava Montmartre mais pacata que de costume.
Normalmente — e aí entra o choque entre ideia e realidade — isto aqui é lotado de turistas. As ruas a caminho de Montmartre e a própria vizinhança, hoje, são tomadas por lojas de souvenirs Made in China operadas por indianos. Há pouco de francês naquilo, exceto a temática emprestada.


Eu subi todo o caminho, e lá do alto você tem uma vista e tanto de Paris. Vale a pena guardar esta visita para uma dia de sol, se você puder. Eu já havia vindo ainda num dia de nuvens — visita relatada neste post anterior — e digo que não é a mesma coisa.
A igreja em si está aberta durante todo o dia, e tem entrada franca. Vale a pena visitar seu interior neobizantino.







Cá no alto, dá-se (ou dava-se) a vida artística deste bairro. É onde você encontra dos antigos restaurantes, cafés, e praças que os pintores de outrora habitaram.
Hoje, você encontra os artistas de rua — de muitas origens étnicas — diante da igreja a posar para turistas, e à Place du Tertre os pintores a fazer retrato de observação dos visitantes dispostos a sentar um instante. Não resta dúvida de que Montmartre esteja atualmente tomado pelo turismo de massa, ainda que siga sendo belo e insista em preservar algo da sua vocação artística.



É que a força do mercado turístico é difícil de resistir. Afinal, turistas trazem — e gastam — dinheiro aqui.
Esse é um tanto o choque que ocorre entre o Montmartre das ideias — e dos ideais artísticos anti-modernos de outrora ou de filmes como Amélie Poulain — e o Montmartre que os seus sentidos apreendem quando você vem aqui. (Eu faço questão de abordar ambos, pois do contrário eu estaria sendo insincero.)

Você pode visitar o Museu de Montmartre, se quiser conhecer algo mais da História artística deste bairro, e pode descer a colina para ir até o Cemitério de Montmartre, se quiser ver os túmulos de franceses famosos como Stendhal ou Émile Zola.

Quem segue de pé, claro, é o Moulin Rouge, o mais famoso cabaré do mundo. Na esteira do Negro Gato, ele estreou em 1889 e segue de portas abertas.
Você aqui vê toda a origem francesa daquilo que, no Brasil, se popularizou na televisão dos anos 1970-1990, de mulheres sorridentes e de pernas nuas a fazer coreografias em grupo. Originou-se nos cabarés aqui de Montmartre, como o Moulin Rouge.
Inclusive, as fantasias de baile de Carnaval que inspiraram aquelas das escolas de samba do Rio de Janeiro (e, mais tarde, também de São Paulo) têm sua origem aqui, nos cabarés da França.
Antes refúgio de escritores e poetas, hoje o Moulin Rouge é atração para turistas que têm um certo conforto nos bolsos. Você pode consultar o site oficial e reservar online a entrada para para um espetáculo (a partir de 78 euros) ou jantar com espetáculo (a partir de 205 euros por pessoa). Glup.


Eu, lá em cima, devagarinho terminei a minha tarde, vendo o sol se pôr no horizonte parisiense, até descer pelo caminho do Moulin Rouge. Ele fica algo afastado de Montmartre propriamente dito. São algumas quadras até lá, numa longa avenida hoje com o que deve ser um quilômetro inteiro de sex shops. Os cabarés, afinal, sempre tiveram essa associação com o dionisíaco em geral.
A minha passagem era breve. Eu deixo vocês com algumas fotos desse entardecer.



Uuuuuuuuu. Spectaculaire !…. Magnifique…. mon ami, ce délicieux quartier , avec sa merveilleuse Basilique du Sacré – Coeur!.. Une peinture, un rêve, un amour. C’est l’âme de Paris. hahahahah
Belissimo. É a cara de Paris boêmio, bon vivant , charmoso, romântico. Amo.
Linda postagem. Um sonho rever este belo e boêmio bairro da encantadora Paris, neste beau jour de céu azul e sol dourado.
Obrigada pelo presente, meu jovem amigo.
Rever Paris c’ést toujours un cadeau.
A plus tard, mon ami.
Valeu hahahah