Eis um prato de alegria, esse aí acima. As comidas no Sri Lanka são uma alegria, um colorido, uma delícia. Sou suspeito para falar porque sou fã declarado de tempero, legumes, e arroz. Se tu gostas é de purê de batata ou de massa com óleo, afasta de ti esse prato. Já se te alegras diante de um molho bem feito e com um quê de picância, vem.
Não vou escrever a postagem toda na segunda pessoa. É que as comidas do Sri Lanka me inspiram. Aliás, preparem-se para o food porn neste post — aquelas fotos de comida tiradas a dedo para provocar desejo.
Esse prato aí da foto, na verdade, foi um café da manhã meu em Colombo, a cidade principal e o meu porto de chegada. Eles aqui servem coisas ocidentais — leia-se pão com geleia e manteiga — nos hotéis, mas no mais você estará por conta das delícias locais, e elas são muitas.
Neste post, eu quero compartilhar com vocês parte da minha experiência gastronômica neste Sul da Ásia, e mostrar o que é que a cozinha do Sri Lanka tem.


É igual à comida indiana? Não exatamente
O Sri Lanka é um universo próprio de comidas. Ou melhor, dois. Isto porque este país é formado por duas grandes populações etnicamente distintas, os tâmil e os cingaleses. Os primeiros são praticamente todos hindus e os segundos, budistas. Falam idiomas diferentes e, adivinhe, também têm tradições culinárias distintas.
É uma distinção que muitos estrangeiros, mesmo aqui, vêm e vão sem se dar conta, mas pergunte a qualquer srilanquês, e eles lhe falarão em comida cingalesa (Sinhalese food) e comida tâmil (Tamil food).
Os melhores hotéis costumam servir uma combinação de ambas, e nas maiores cidades (como Colombo) você encontrará lugares que vendem de uma coisa e lugares que vendem da outra. Você nem vai saber, já que não vem escrito.
Esses dois povos até pouco não se davam muito bem. Uma guerra civil estourou pouco após a Independência (1948) dos britânicos, e durou até 2009. Ou seja, segue muito viva. As pessoas hoje vivem em paz, mas não misturam muito as mesas.
Os tâmil estão sobretudo no norte do país, e sua comida é muito semelhante — em certa medida é a mesma — daquela do sul da Índia. Já a comida cingalesa inclui muitas coisas que não se encontram na terra de Gandhi.
É característico que muitas coisas venham assim servidas por sobre a folha de bananeira (ou outra), herança do tempo em que não havia pratos aqui. Ou que prato era luxo.

Como você verá, muitas das comidas já se prestam mesmo a serem comidas de mão, como essas dosas acima, ou os seus irmãos os ídlys [Í-dli, como se fosse em português], também comida tâmil.
Ambos, ídlys e dosas, são muito típicos de café da manhã por aqui, os quais tendem a ser coisa salgada. Ambos são muitos saborosos com esses molhos, e os idlys me lembram (tanto no gosto quanto na textura) um acarajé não-frito.
Portanto, como você pode ver, há muita semelhança com a Índia, sobretudo o seu sul, onde predomina o arroz (em vez do trigo). Imperam os molhos, as especiarias e as pimentas, mas as semelhanças só vão até certo ponto.
Os srilanqueses cingaleses, que são a maioria (apr. 75% da população), comem umas coisas bem diferentes que, em meses e mais de uma viagem pela Índia, eu lá jamais encontrei.


As típicas: Comidas no Sri Lanka
O que é que a baiana tem, afinal? Molho de jaca; molho de manga selvagem, distinta das convencionais; algumas frutas que eu nem sabia existirem; delícias que não são da carne, embora pareçam; e o coconut sambol, quintessência na cozinha cingalesa.
Vamos com uma coisa de cada vez.
Primeiro, você sabia que a manga é nativa aqui destas bandas do planeta? Isso significa que ainda há variedades selvagens aqui, que pouco se prestam a ser chupadas — pois são pequenas e algo azedas — mas que eles misturam deliciosamente no tempero, como nesse pardo molho abaixo que nada tem a ver com o nosso molho pardo.

Segundo: aqui, como na Índia, tudo é curry. Esqueça, por ora, aquela designação ocidental de que curry é um tempero específico, amarelo. Aqui no Sul da Ásia, curry é um nome genérico para molhos temperados. Todos são curries, então eles falam em curry de jaca (jackfruit curry), curry de manga selvagem (wild mango curry), e por aí vai.
Como você talvez imagine, as receitas não são todas idênticas, então não se surpreenda se o curry de jaca num lugar for diferente daquele do outro. Ouvi alguém cá dizer que há 15 receitas diferentes de curry de manga no Sri Lanka, por exemplo.
Não quer dizer que eles não usem coisas mais habituais para nós, como abóbora, batatas, berinjela, quiabo, vagem, ou leite de coco. Contanto que tudo venha com uma boa dose de pimenta. Sim, meus caros, as coisas aqui ardem em chamas. Os restaurantes voltados aos turistas são os únicos que fazem versões café-com-leite. No mais, respeita Januário.



Vocês talvez já tenham ouvido falar que Olé!, usado no futebol e, antes disso, na dança flamenca, provem de Allah, a exclamação divina usada no tempo da Espanha medieval árabe. Pois eu às vezes sinto o mesmo ímpeto. George Bernard Shaw, famoso ensaísta irlandês, chegou a sugerir que “não há amor mais sincero que o amor por comida.“
Você, mui amoroso, pode estar aí então a se perguntar: cadê os nomes dos pratos típicos afinal, Mairon?
Eles aqui não me pareceram muito de dar nome aos pratos. Então, contente-se com a beleza (e o sabor) individual de cada um sem nome, pois lhe serão servidos assim. No máximo, um nome descritivo (“curry de vagem”). São delícias inomináveis.
Já falo já das exceções.



A sensação? Ótima, de temperos maravilhosos, embora a pimenta por vezes aperte, até para os meus baianos parâmetros.
Esse próprio coconut sambol (às vezes escrito sambal, como chamam os molhos picantes na Malásia e na Indonésia) requer um certo cuidado, pois parece que você está pondo pimenta ralada no prato, com algo de coco. A potência fala alto. (Aprecie com moderação.)
A pimenta aqui acaba mesmo por ser quase onipresente. Se você não tolera pimenta, está ferrado terá muitas limitações. Digo, estará limitado aos lugares mais turísticos, que são (consideravelmente) mais caros, ainda que mais em conta que no Brasil (almoço pelo equivalente a USD 2 em lugares mais populares ou USD 6-10 nos mais turísticos).
Eu só recomendo evitar comidas ocidentais aqui, porque tendem a ter o nível daqueles que eu via meus amigos estudantes fazendo na acomodação universitária. Melhor ver o que puder sair de típico e sem ou com pouca pimenta. Creia-me: existem algumas, como os egg hoppers abaixo.

Você já comeu um egg hopper?
Você não pode vir ao Sri Lanka e não se dar com um egg hopper, um dos pratos preferidos dos turistas aqui. Os melhores hotéis costumam servi-lo no café da manhã. Se estiver em pousada, peça. Os srilanqueses são hospitaleiros, e eu tenho certeza de que farão para você com o maior gosto.
Literalmente, hopper quer dizer algo que salta, mas com o tempo ganhou o significado também de um receptáculo côncavo posto acima de um funil. É hoje inglês arcaico, mas os indianos e srilanqueses são mestres em preservar palavras antigas do tempo da colonização britânica.
Hoje, hopper é como se traduz para o inglês o que se chama localmente aqui de appam, uma massa tipo crepe ou panqueca, só que feita com farinha de arroz ligeiramente fermentada e leite de coco. Usa-se tanto no Sul da Índia quanto aqui. Como se faz numa curiosa panelinha côncava em vez de na chapa ou frigideira, chamam de hopper.
O egg hopper é precisamente quando se joga um ovo por cima. O ponto, quem diz é você. Em hotéis de alta gama, você pode encontrar uma moça fazendo na hora — tipo aquelas que fazem beiju (ou tapioca) em café da manhã no Nordeste.


Se você está a se perguntar sobre o que as (deliciosas) bananas fazem ali, não, elas não vão junto com o ovo (a menos que você queira…).
Porém, às vezes esses hoppers são servidos sem o ovo, e aí você pode fazê-los doces ou salgados. Os próprios srilanqueses me recomendaram a comer com banana, e fica mesmo uma delícia. É como uma massa de crepe, só que de farinha de arroz e com leite de coco (cujo sabor você só sentirá se tiver o paladar muito apurado).

Como é que se come isso?
Com a mão. É a melhor forma. Os srilanqueses (e indianos) tradicionalmente comem de mão, e o fazem no dia-dia, exceto em ambientes mais formais, ou se estiverem pouco à vontade. Então, não é de se surpreender que o formato da coisa seja mesmo para ser comido com os dedos. (Tentei cortar com garfo e faca da primeira vez, e já aviso que não dá muito certo.)

Mesas de café da manhã no Sri Lanka
Nem só se hoppers vivem os srilanqueses, obviamente. (Pão aqui, por sinal, é só para turista, e costuma ser daqueles de pacote de supermercado, da qualidade mais chã que há.)
Eu sugiro a todos vocês que, vindo aqui, escolham as acomodações que oferecem café da manhã típico incluso. Busquem aquelas com avaliações que mencionem isso. (Se precisarem de sugestão para alguns lugares específicos, podem perguntar abaixo nos comentários). Do contrário, eles aqui partem do princípio de que todo Ocidental se alimenta como um europeu ou norte-americano, e lhe servem pão de forma com margarina e geleia de açúcar colorida com o rótulo dizendo “morango”.
Muito melhor você estará na companhia de frutas tropicais e de quitutes típicos srilanqueses.
Via de regra, os cafés da manhã aqui são mais salgados que doces. Há coisas doces às vezes, mas não é muito o comum (afora as frutas). Eles também, por influência da colonização inglesa, são muito mais de tomar chá preto do que café, mas normalmente se você pedir eles trazem. Costuma ser café solúvel, mas quebra o galho.



Se você aí estiver por acaso a se perguntar que suco marrom é aquele, é de uma fruta que eu não conhecia, e que em inglês chamam de wood apple. Tem o nome científico curioso de Limonia acidissima, mas não é tão ácida assim. Em verdade, seu gosto — bastante saboroso — me lembrou algo como melancia, só que mais espessa, mais viscosa, e com um quê mesmo meio acre. Lembra um pouco mangaba sem o visgo. (O suco deixa um breve gosto de soro caseiro na boca.)

E assim nós vamos, por entre estes frutos e gentes marrons; suas coisas e a sua terra de descobertas. Não é tudo; esta não é uma listagem exaustiva. Vem mais por aí. Os caminhos no Sri Lanka continuam.
Uauu… que bela postagem, que comilanças vistosas, com cara de saborosas. Uau… deu vontade de provar.
Como o senhor, meu jovem amigo viajante, eu gosto muito de pimenta, embora a use com moderação hahah Quando exagero tenho taquicardia hahah. Mas que gosto, isso sim, gosto, hahah.
Adorei ver os belos pratos.
Em países que não conheço, prefiro tambem os pratos típicos, principalmente se tiver arroz. Adoro arroz haha.
Que heresia com os mistérios gososos hahaha e que história é essa de que ”o amor mais sincero” é aquele ”por comida.”.? Quell’ hourreur.. alto glutonismo, hahah Jisuis…
Parabéns pela bela e gostosa prosa, meu amigo viajante. Uma delicia ouvir as suas histórias e considerações hahah. Divertidas, criativas, oportunas, e por vezes picantes. Gosto muito.
Pois é . Ir à Asia é ter também o prazer de experimentar suas gostosuras apimentadas hahah hahaha.
Haja arroz pimenta e cia hahah.
Valeu.