Quem leu os posts anteriores aqui no Sri Lanka me viu falar em Sigiriya, que na língua cingalesa (derivada do sânscrito) quer dizer, literalmente, Rocha do Leão. No turismo, você portanto verá referências a Lion’s Rock aqui ou ali.
Trata-se de uma antiga cidadela do século V d.C., construída para a morada do rei e seus palacianos no alto de uma solitária rocha de 349m de elevação. (E você aí reclama de prédio sem elevador?) Claro que eram os servos e o povo, não o rei, quem precisava ficar subindo e descendo com relativa frequência. Depois, por cerca de um milênio, até o século XIV isto aqui foi um mosteiro — onde, sim, os monges subiam e desciam quase todos os dias — depois que não havia mais morada real aqui.
Sigiriya tem uma história curiosa, é um sítio e tanto, tombado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. De quebra, é uma excelente trilha curta para quem gosta de suar um pouco e ter excelentes vistas como recompensa lá do alto.
Hoje, há uma “cidadezinha” nestes arredores também chamada Sigiriya, onde você pode se hospedar. Entre aspas porque, a meu ver, nem chega a ser propriamente uma cidadezinha; é mais uma zona rural — ou talvez eu devesse dizer florestal — com algumas casas na beira da pista, restaurantes e lojinhas ao turista, residências de roça em ramais de rua, e elefantes selvagens cruzando a rodovia.





Impressões iniciais
O meu primeiro contato com Sigiriya me surpreendeu. Afinal, tal como a Globo, há coisas que o Google não mostra. Eu sabia que este lugar seria verde e interiorano, mas não imaginei que fosse tão no meio da floresta.
Achei que fosse ver campos ao redor das pistas, mas me deleitei vendo árvores frondosas riquíssimas de aves que fazem seus cantos no entardecer, e animais selvagens — como raposas e pavões — que você vê casualmente atravessar a pista.
Quem causa temor são os muitos cães vira-latas (que latas, ô pá? Aqui nem lata tem) que gostam de se sentar espraiados em pleno asfalto (o qual também me surpreendeu pela qualidade, pois achei que fosse encontrar só ruas de chão ou asfalto esburacado à brasileira).

“Como assim, Mairon? Os elefantes ficam soltos ali?“, pode me perguntar alguém muito urbano e desacostumado a viver com animais selvagens no entorno.
Sim. Os animais circulam livres, até porque já estavam aqui antes das pessoas. Há uma convivência algo ambígua há milênios. As pessoas respeitam e gostam dos elefantes, até pelas conotações religiosas que o animal tem neste Sul da Ásia, mas há também conflitos quando os elefantes comem do roçado das pessoas.
Requer certo cuidado, já que isto aqui não é um parque temático. Você verá elefantes domesticados (como animal de carga ou para o turismo) e elefantes livres, macacos a rondar, e à noite veem-se também as raposas atravessando a pista.
Esteja atento por onde anda, sobretudo naquelas horas do fim do dia — ou à noite — quando, em Sigiriya, se começa a ouvir Für Elise ecoar pelas ruas naquele som de sintetizador imortalizado pelas esperas de chamada telefônica no Brasil. É o carro do pão, que aqui utiliza essa trilha para se anunciar urbi et orbi.
(Como eu sempre digo, a realidade consegue superar a imaginação. Se eu tivesse que inventar algo pra escrever, acho que isso não teria me ocorrido.)



Daria até para entoar uma versão selvagem e de letras trocadas da clássica “Na minha rua” (Dans ma rue), de Edith Piaf (com F).

Macacos rondariam minha mesa de café da manhã no dia seguinte, portanto fique atento nas varandas. Mas tudo isso, em verdade, faz parte da alegria que é a experiência aqui. Sigiriya foi fantástica.
Ademais, eu nesta manhã não me deteria muito para comer. No dia anterior, eu havia rumado a Polonnaruwa, como vos mostrei no post passado. Desta vez, seguiria cedo para subir a Rocha do Leão, como manda o figurino.
Eu recomendo se alojar pelo menos duas noites aqui, pois pode amanhecer chovendo, por exemplo, e é bom ter opções de quando você vai subir na rocha.
Além do mais, eu confesso que gostei do astral de floresta deste lugar, com tanta natureza e um pessoal muito simpático, de hospitalidade interiorana, e muitas lojas mantidas por mulheres ou por famílias inteiras, todas muito acolhedoras.
Vamos seguir caminho. Pernas à obra.

Subindo Sigiriya, a Rocha do Leão
Subir a rocha obviamente requer um mínimo de preparo físico, mas não é algo do outro mundo. Eu estou longe de me considerar um atleta, e imagino que qualquer pessoa que não sofra de obesidade, problemas cardíaco ou dificuldade de locomoção conseguirá fazê-lo.
Se você for ler em alguns lugares na internet, dizem que você precisa levar água, chapéu, protetor solar, óculos de sol… Só faltam dizer para levar também uma barra de chocolate e bombom de menta. Não precisa de nada disso, a menos que você faça questão.
O sítio arqueológico abre às 7:00h da manhã, e é bom estar lá cedo. Afinal, estamos nos trópicos e o dia esquenta.
Se possível, consiga que alguém da sua pousada lhe dê uma carona de tuk-tuk até a entrada para que você não gaste tempo nem energia antes mesmo de começar. Do contrário, pode ter que andar 2-3 Km desde a sua acomodação.


O ingresso para estrangeiros aqui em Sigiriya custa o equivalente a USD 30, sempre pagos na moeda local. O valor exato dependerá da cotação, que flutua.
É caro? É caro, mas se você já veio até aqui, não deve mesmo sair do país sem ver Sigiriya.
Basicamente, só as atrações é que são são caras no Sri Lanka. Todo o mais é barato (às vezes baratérrimo), então é só se organizar no orçamento.


Eram 7:13 da manhã quando eu estava à bilheteria, e daí são alguns minutos de caminhada parque arqueológico adentro.
Darei os horários para vocês terem uma noção da distância e se planejarem, no caso de quem pretende vir aqui.




Parece distante, mas não é tanto assim. Em pouco mais de dez minutos você chega lá por esta linha reta, mesmo que se detenha aqui ou ali para tirar fotos (a menos que sejam aquelas fotos de “Ai, tira de novo, não ficou bom”, com um milhão de poses).
Às 7:25, eu estaria já ao sopé da rocha, onde há uma escadaria para se começar a subir.
O ambiente era aquele de manhã pelo campo, no interior tropical do Brasil. Havia uma umidade que não demoraria a me fazer suar, mas por ora pouco sinal de sol e um calor ainda modesto neste início do dia.
Devo dizer que, embora este seja um lugar de histórico budista, você não precisa remover os calçados em momento nenhum da visita. Sigiriya, afinal, deixou de ser mosteiro no século XIV.





As escadas começam a aparecer gradualmente, com lances modestos aqui e ali no caminho, até que mais tarde a coisa ganha ângulo.


Se o esforço aumenta, a recompensa com as vistas também vai ficando cada vez mais fabulosa conforme você sobe.


Eu ali cheguei às 7:40, portanto após 15 minutos subindo desde a base, e aproximadamente meia hora depois de comprar o ingresso.


Um pouco sobre o que foi Sigiriya
Talvez valha a pena nos determos aqui um instante para entender melhor o que foi Sigiriya, e como assim se fez uma cidade cá no alto da colina.
Dizem que esta nem sempre foi uma rocha solitária desta forma, mas que deslizamentos — quiçá provocados pela erosão após as pessoas removerem as árvores — deixaram-na assim.
Quem instalou tudo isto aqui foi um rei chamado Kashyapa, o patricida (448 – 495 d.C.). Sim, é o proverbial “filho que matou pai”.
Naquela época, o reino cingalês budista ficava em Anuradhapura, a mais ancestral das capitais nesta ilha. Kashyapa era filho de uma concubina, e foi portanto preterido pelo seu pai (o rei) em favor do irmão mais novo, filho legítimo. Não aceitando aquilo, Kashyapa mancomunou-se com o chefe da guarda e deu um golpe palaciano contra o pai.

Kashyapa, talvez sem querer derramar sangue, optou por emparedar o pai vivo na estrutura do palácio. (Numa outra versão da história, o pai teria sido enterrado.)
Moggallana, o filho mais novo e herdeiro do trono, então foge para o sul da Índia temendo ter um fim semelhante. O patricida, por sua vez, resolve que seria mais prudente ir embora de Anuradhapura e fazer sua capital num lugar mais defensável. Que tal esta colina?
Foi portanto daqui que Kashyapa, o patricida, reinou por mais de 20 anos, entre 473 e 495 d.C. Foi um esplendor de arquitetura e arte, como as patas de leão e também afrescos budistas que vocês verão depois.
Porém, como previsto, Moggallana retornou da Índia pronto para vingar o pai e destronar o meio-irmão usurpador.

Nas batalhas que se seguem, Moggallana derrota os exércitos do patricida, que se suicida com a própria adaga após o restante de suas tropas bater em retirada.
Moggallana toma para si a coroa, e retorna a capital do reino para Anuradhapura. Sigiriya assim cai em abandono, até que se torna um mosteiro budista. Por quase mil anos, até o século XIV, monges budistas viveriam aqui nesta cidade real abandonada.
Se você gosta de vídeos animados estilo graphic novel e lê inglês, abaixo há uma palhinha do retorno de Moggallana (esse meio rastafári) em combate contra Migara, o líder de tropas que se mancomunou com o patricida, numa produção srilanquesa.
Voltando à Sigiriya de hoje…
Voltemos ao século XXI, quando mais de 1500 anos depois aquelas patas de leão seguem aqui. O mesmo já não pode ser dito da edificação no topo da colina, cujas bases são tudo o que você ainda encontra, em ruínas.
É aqui que a subida fica mais íngreme — e desaconselhável a quem tiver medo de altura.
Das patas de leão, são 15 minutos subindo até chegar ao topo, onde ficava o chamado Complexo do Palácio Oriental (East Palace Complex).




No topo, não há tanto para ver em termos de ruínas. O glorioso mesmo são as vistas.



Eram 7:55 quando alcancei o topo, portanto após 30 minutos de subida no total, parando para várias fotos. Uma pessoa mais atlética e sem câmera o faria em 20 minutos. Vi várias pessoas de meia-idade fazendo-o mais devagar também.
Você verá gente com água, banana, sanduíches… Traga o que achar por bem, mas não ache que é essencial. Eu, pessoalmente, achei uma subida curta demais para se trazer tanta coisa. Eu vim de mãos abanando e não me arrependi.



Lá no alto, eu fiquei um tempo contemplando — e mesmo de tão longe pude escutar a Für Elise de Beethoven ecoar lá de baixo.
Afora essa interrupção, há a paz dos lugares elevados. Lembrou-me um pouco uma versão sul-asiática de Machu Picchu, guardadas as devidas diferenças. Dá vontade de permanecer um longo tempo tentando destacar as coisas no horizonte.
Logo adiante, vê-se a colina de Pidurangala, onde muita gente sobe para de lá ter a vista cá para Sigiriya.
Pidurangala é, no entanto, uma trilha comum, sem nada de antigo. Eu perguntei às pessoas qual fazer, se elas tivessem que escolher uma, e todos me foram inequívocos dizendo que subisse Sigiriya. Já se você gosta muito de trilhas, pode subir ambas.


A descida & os afrescos nas paredes
Se você acha que acabou, calma. Eu também achei.
A descida é que requer cuidado, porque os degraus são curtos. Eu tive que descer meio que feito o cadeirudo (se não conhecer o personagem, pesquise).
Cuidado também para não passar batido pelo chamado Muro Espelhado (Mirror Wall), um antigo paredão que teria ganho esse nome por ser tão polido que permitia ao rei ver seu reflexo.
Hoje, você definitivamente não verá tal coisa, mas vale saber que durante séculos se escreveram ali poemas no alfabeto cingalês, até os idos do século XIII.


Desnecessário dizer que quem não lê cingalês (sério que você não lê cingalês?) verá apenas rabiscos no muro. São poemas de mil anos.
De toda forma, o real chamariz aos visitantes estrangeiros são os afrescos pintados numa outra parede mais acima no primeiro milênio d.C. — não se sabe ao certo quando exatamente. Não saia sem vê-los, pois são impressionantes.


Eles antes permitiam foto sem flash, mas agora nenhuma, então esse registro aí acima é da internet.
É todo um lado na encosta da rocha com vários desenhos impressionantes, de mulheres de peitos grandes, firmes e nus, usando muitos braceletes, pulseiras, e grandes argolas douradas. Algumas fazem símbolos com as mãos (mudras), ou carregam cestas de flores como oferendas. Vê-se daquela surreal cinturinha fina de dançarina do ventre.
Os afrescos ficam num espaço algo exíguo onde puseram andaimes e grades protetoras no lado oposto à rocha, para ninguém cair. Você analisa a obra um tempo, até então rumar à saída.
Às 8:20 comecei a descer do topo de Sigiriya, às 8:30 estava diante dos afrescos, e às 8:45 já estava no chão novamente caminhando para sair. É tudo relativamente perto.


Ou seja, todos os caminhos levam a Roma. Há esse canteiro central, e a saída fica do outro lado, então você pode ir tanto pela esquerda quanto pela direita dele.
Sigiriya me foi portanto uma visita de cerca de 2h ao todo. Às 9h da manhã eu já estaria de volta à acomodação, após navegar brevemente aquelas barracas de souvenirs e refrescos, e dar com um breve estacionamento de carros e tuk-tuks. Negociei um que me levasse embora, e daí foi chegar para tomar um novo banho e comer algo.
Eu pegaria a estrada ainda hoje com Wasantha, o dono da próxima pousada, em Anuradhapura, com quem negociei também o traslado.
Estejam apresentados a Sigiriya, uma das experiências mais emblemáticas do Sri Lanka.
Vi uma imagem do Sigiriya como plano de fundo do Windows e googlei para saber mais.
Caí em seu site, e gostei muito do formato, textos e fotos de cada etapa do caminho, muito bom!
Em alguns momentos fiquei na dúvida se você era brasileiro ou português rs pela forma de escrever.
Também já pesquisei mais (brasileiro), comecei a seguir no insta, pois quero ler e ver mais lugares com você 🙂
Abraços!