Óleos, essências vegetais, massagens… Ayurveda, um nome que muitos ocidentais reconhecem e talvez até associem (corretamente) à medicina tradicional do sub-continente indiano, ainda que não saibam exatamente dos pormenores.
No entanto, chega até nós no Ocidente uma versão muito midiatizada da Ayurveda — um tanto “gourmet”. O nome acaba sendo facilmente agregado a práticas diversas, adaptadas às expectativas ocidentais por algo levemente místico e de estética bonita. Acaba indo de carona na cosmética do bem-estar e dos salões de spa, no pot-pourri de tratamentos para a saúde e a calma diante da vida pouco sã — ou insana — dos dias de hoje.
Já aqui no Sri Lanka, eu quis conhecer de perto um pouco da Ayurveda de raiz. Não quero dizer que as pessoas no Ocidente estejam erradas (em muito, não estão), mas observar algumas distinções e mostrar um pouco como é essa prática aqui no Sul da Ásia, a sua região de origem. Na Índia, há muita coisa voltada aos turistas ocidentais, mas aqui no Sri Lanka me pareceu haver menos.
Visitei uma farmácia ayurvédica em Anuradhapura, a cidade histórica que vos mostrei no post anterior, e que aqui combino com outras breves experiências (de massagem etc.) noutras partes do Sri Lanka nesta viagem.

O que é o Ayurveda, afinal?
Ayurveda em sânscrito significa “conhecimento da vida” — no sentido biológico da coisa. Ou seja, é um misto de medicina e biologia, um sistema milenar de saberes tradicionais relacionados à saúde humana.
Os escritos ayurvédicos mais antigos ainda preservados datam de dois mil anos atrás, mas eles fazem referência a registros ainda anteriores, dos idos de 500 a.C., e que se perderam. Ou seja, estamos tratando de práticas bem antigas, um tanto como ocorre com a acupuntura e a medicina tradicional chinesa.
O Ayurveda é o equivalente nesta bacia cultural do Sul da Ásia, entre os Himalaias e o Sri Lanka, abarcando aí o que são hoje a Índia e o Nepal. Dessa matriz cultural nasceram várias tradições correlatas, mas que não são “tudo a mesma coisa”. Ayurveda aqui é algo bem mais ligado à medicina natural e menos místico do que se dá a entender no Ocidente.
O yoga, as práticas de cura prânica (comparável ao reiki) vinculadas aqui à energia de chacras etc. também se desenvolveram neste caldo cultural hindu-budista, mas digamos que o Ayurveda seja a parte mais farmacológica e medicinal disso tudo. Há óleos para massagens e mil coisas da medicina natural, mas você não verá médicos ayurvédicos aqui falando muito em meditação nem em chacras desalinhados.

Separando o joio do trigo
Enquanto que, no Ocidente, Ayurveda entra no campo do esotérico juntamente com uma série de “terapias alternativas”, cá no Sul da Ásia a coisa tem tomado outro caminho.
É claro que toda forma de conhecimento parte de certos pressupostos sobre o universo, a vida, a realidade etc. Não preciso me estender sobre como a medicina alopática ocidental também repousa sobre um cartesianismo que distingue o corpo físico do resto, descrê da existência de um espírito, e trata tudo com base no método científico de origem positivista.
Não estou aqui criticando a Ciência — eu próprio sou cientista com doutorado e tal, e ela tem sido fundamental em muitos campos. Mas eu já vi muito da vida e do mundo para achar que todo o conhecimento válido da humanidade esteja contido ali. Seria arrogante (para não dizer também corporativista e ingênuo) julgar que tudo o mais que as pessoas dizem experienciar é mentira ou ilusão. Eu, pelo contrário, acho que precisamos é conhecer mais sobre elas.
Dito isso, você precisa saber que há muita charlatanice também — como há noutros sistemas de conhecimento e na própria medicina alopática convencional (quem nunca foi receitado com um remédio que lhe fez mal que atire a primeira pedra). É preciso ser criterioso. Aqui no Sul da Ásia, o Ayurveda tem seguido uma orientação mais biomédica que esotérica; os hotéis e lugares para turista, entretanto, lhe apresentarão um ayurvédico muito mais voltado para o cosmético (e por preços bem mais altos) que a medicina popular utilizada aqui pelo povo local.

Minha experiência aqui
Eu tenho duas notícias para lhe dar.
A primeira é que eles aqui no Sri Lanka têm médicos ayurvédicos, formados nesta medicina tradicional, e que portanto sabem como receitar cada produto. É o mesmo que ocorre na China com a medicina tradicional de lá. Você deve ser cauteloso antes de sair usando “na doida” o que quer que seja, pois pode haver efeitos colaterais. (Até chá de boldo, em demasia, dá hepatite.)
No Brasil, sem formações adequadas que reconheçam os nossos saberes tradicionais de forma profissionalizada, você acaba à mercê do costume ou do que o vizinho usa. Há alguns projetos, como o programa Farmácias Vivas do SUS, mas são ainda coisas incipientes.
No Sul da Ásia, os produtos são quase sempre outros, pois é outra biodiversidade, embora haja também das especiarias nativas daqui (ex. cravo, canela, gengibre) que chegaram até nós e que eles utilizam também com propósitos medicinais.
Mas é curioso, pois embora aqui vendam quase tudo sem receita médica, eles recomendam abertamente que você se consulte com um profissional ayurvédico. (Eu, como brasileiro, saí logo perguntando “isso aqui é bom pra quê“, “você tem alguma coisa que sirva para X e Y“, e eles ficavam meio cabreiros de recomendar — talvez com receio de matar o turista.)


Há coisas relativamente simples e do dia-dia no Ayurveda, como óleos para pancadas, tônicos capilares, e até cheirador de mentol. Esses produtos de uso tópico, na minha experiência, costumam ser bons. A massagem que eu recebi foi uma coisa fabulosa. Já aqueles para ser ingeridos eu não me atrevo a sair tomando sem a orientação de alguém confiável.
A segunda notícia que eu tenho para lhes dar é que há uma diferença imensa nos preços entre as lojas ayurvédicas para turista ocidental e aquelas mais autênticas, para a gente local.
As farmácias ayurvédicas autênticas aqui do Sri Lanka se parecem com casas de alimentos naturais que vendem produtos a granel (sem aquela coisa brasileira de combinar produtos naturais e anabolizantes ou variantes da Herbalife na mesma loja). Grosso modo, são preços mais baixos que aqueles praticados no Brasil. Se começarem a lhe cobrar algo que lhe pareça caro para os padrões brasileiros, suspeite. Nestas casas mais autênticas, os preços também costumam ser fixos, o que nem sempre é o caso aqui no Sul da Ásia.
Já as lojas ayurvédicas para turista vão enfatizar os usos cosméticos dos produtos — e vão tentar lhe cobrar um rim, até mesmo porque grande parte vai de comissão secreta ao hotel ou ao motorista que o levou lá. Eu experimentei ambas.

Odeio a ausência da variação de gênero em certas palavras em inglês — ainda que sua neutralidade às vezes venha a calhar.
Quando o guia deste misto de jardim de especiarias com farmácia ayurvédica no Sri Lanka perguntou se eu aceitava uma massagem “from one of our students“, eu não vou ser hipócrita de mentir que me pareceu uma boa ideia. Sem segundas intenções, mas é que massagem é quase um ritual narcísico. Aí me aparece o tio de cabelo grisalho. (Bom, viva a educação para adultos.)
Tampouco reclamarei, pois a massagem foi caprichada, do pescoço aos dedos dos pés, e só não fez também o cabelo porque eu não estava a fim de desamarrar.
Não me pergunte o que tinha no óleo, pois eles aqui sempre misturam muitas coisas. Sei que havia óleo de massagem para a circulação, contra dor de cabeça, para pancadas, para reumatismo, creme à base de cúrcuma para depilação (que eu experimentei e de fato funciona como uma mágica), etc.
Só o preço nestes lugares turísticos é que são um abuso, em grande parte porque há a comissão de quem lhe levou. Barganhe até a morte.

Só fique esperto(a) porque tudo passa por ayurvédico nas lojas chiques do Sri Lanka. Coisas que, no Brasil, estariam em qualquer loja da Boticário, aqui ganham contornos quase-místicos sob a aura da medicina indiana. Creme para a pele, descongestionante nasal, e até o bem-conhecido Vick VapoRub — com a marca e tudo.
Não se deixe levar demais pela onda. Há lojas ayurvédicas com uma miríade de produtos diversos, que você precisa aí escolher com algum critério. (Se não os conhecer, veja se alguém que conhece poderia acompanhá-lo.)
O meu alerta é apenas para que não caia no excesso de propaganda feita em cima do nome, sobretudo em lugares turísticos, aeroporto, ou lojas chiques voltadas ao público estrangeiro.
Ayurveda, afinal, é medicina popular, de saberes tradicionais da medicina natural, e portanto sua versão mais genuína é acessível ao povo, com preços relativamente baixos e sem muito glamour.

Eu não visitei farmácias ayurvédicas em todas as cidades do Sri Lanka, mas em Anuradhapura eu recomendo esta, a L.B. Kangara. As pessoas falam inglês e podem ajudá-lo com os rótulos. (Só não ache que irão necessariamente recomendar que você saia se receitando. Depende um pouco do vendedor.) Você, entretanto, compra do que quiser.


Depois dos têxteis e do chá, estes ayurvédicos são dos principais produtos de exportação do Sri Lanka hoje. Vale a pena conhecer mais — e, se vier por aqui, conferir de perto.
Que maravilha esse mundo verde , de saúde, da medicina Oriental.
Adoro essas práticas tradicionais, e o seu uso de produtos vegetais, naturais.
Aprecio muito mais essas práticas e o uso dos recursos da natureza, que essa medicina ocidental alopática e cheia de produtos prejudiciais ao organismo.
Belíssimos esses jardins, impressionantes essas árvores, cheia de raizes intrincadas, gigantes.
Que delicia deve ser ver essa caneleira. Imagino o perfume.
Que coisa, isso de produto natural de depilação. Aqui conheço algumas pessoas que se depilam a laser. Eu acho perigoso.
Ihh que beleza essa farmácia popular. Eu iria adorar. Eles tem ótimos produtos para pancadas, torções e circulação. E ainda bem que falam uma língua ocidental hahaha.
Destaque para a massagem a que o senhor foi submetido e a expectativa por uma estudantes simpática foi ótimo hahah. Muito interessante. E que mistura. Parecia azeite de dendê
Muito curiosa e e instrutiva a postagem.
Aqui esses produtos estão mesmo associados à beleza, cuidado com o corpo, bem estar, clínicas e SPA
Gostei.
Valeu