É hora de encerrarmos este nosso passeio pelo Sri Lanka, e o faremos em grande estilo. Mihintale fecha qualquer viagem aqui com chave de ouro — ou pode ser encaixado noutro momento da viagem, a depender do seu itinerário. O lugar combina com muita qualidade dois dos pontos fortes deste país: paisagens verdes e herança budista.
Mihintale é o pico com a chamada Rocha do Convite (Invitation Rock ou Aradhana gala), o lugar de onde o monge budista Arahat Mahinda falou pela primeira vez ao rei do Sri Lanka, Devanampiya Tissa, convidando-o a abraçar o budismo como religião. Isso se deu nos idos de 240 a.C.
Fica a meia hora de Anuradhapura, então capital do reino e cidade histórica que lhes mostrei anteriormente.
Quem acompanhou as postagens percebeu que as visitas cruzaram a História do Sri Lanka de frente para trás — visitamos Colombo e Galle, onde os portugueses e holandeses fizeram história, e depois passamos por Kandy, Sigiriya e Polonnaruwa para ver o Sri Lanka medieval, antes de chegar aos primórdios da Antiguidade em Ritigala e Anuradhapura. Encerremos, assim, com o lugar onde toda esta longeva herança cultural budista começou.

Indo a Mihintale: um mergulho no Sri Lanka antigo
Era um meado de tarde ensolarada quando saímos para Mihintale, daqueles em que você já vê a lua no céu prenunciando o entardecer. É a hora boa para se fazer esta visita.
Eu havia deixado Kelum, o motorista de tuk-tuk que me levou por Anuradhapura, e encontrado o tuk-tukeiro Lalith naquele restaurante onde tive um almoço tardio. Lalith era um sujeito de seus 40 anos, moreno bastante escuro, com o cabelo partido e uma camisa branca que se realçava com a sua pele.
Mihintale se beneficia de ser visitada com um guia, então é útil que você tenha um motorista que também é guia nesta breve expedição. Quem quiser os contatos, é só me escrever pela página no Facebook ou no Instagram.

A Lagoa da Água Negra (Kalu Diya Pokuna ou Black Water Pond)
O caminho para Mihintale é repleto de pequenas paradas possíveis em lugares ancestrais da presença budista no Sri Lanka. Afinal, estamos no chamado Triângulo Cultural do país, onde as suas raízes históricas mais profundas se encontram.
Uma delas, talvez a mais habitual, é no que foi o mosteiro da Lagoa da Água Negra (Kalu Diya Pokuna ou Black Water Pond). Há dois mil anos, os monges fizeram ali morada. O tempo passou, a construções se esvaneceram — salvo pelas rochas —, mas continua a haver pequenos santuários onde as pessoas demonstram a sua fé, fazendo oferendas, orações, e onde por vezes nos deparamos com um monge.




Eu até achei que os monges já, há muito, haviam sumido daqui. Mas caminhando por entre estas pedras e flores no tranquilo do fim de tarde, notamos — Lalith e eu — que havia pequenas grutas com chinelos à entrada, e certamente monges a meditar do lado de dentro.
Não demorou, e pelo outro lado veio um em nossa direção, como que por ali passando.
Era um monge de óculos — um senhor de seus 50-60 anos — com aquele ar tranquilo à là Dalai Lama, embora mais novo. Longe de ter um comportamento distante ou etéreo, eu acho muitos destes monges bastante sociáveis. Tinha aquele ar boa praça de alguém com quem seria ótimo bater um papo. Trocamos olhares, e Lalith de repente tirou os pés das suas sandálias de couro e se abaixou para tocar os pés do monge — um sinal de reverência. O monge pôs brevemente a mão sobre a sua cabeça, como quem dava uma bênção.
Era curioso ver estas práticas não morrerem, junto com o samba.



Chegando a Mihintale
Como outros templos budistas Sri Lanka afora, há uma breve celebração aqui às 18h. Nada muito pomposo, mas há som de cornetas e tambores num breve ritual.
Este é um dos lugares budistas mais antigos que há no país. Pode-se dizer que foi onde o budismo srilanquês começou, pois foi onde o rei se decidiu por abraçar aquela religião.
Hoje, o lugar é simples, com uns coqueiros ao redor de estupas brancas e um grande espaço aberto do chão de areia e imagens ou pequeninos pavilhões sacros aqui e ali.
O mais notável é a chamada Rocha do Convite, de onde o monge missionário Arahat Mahinda teria falado ao rei, e uma estupa branca numa elevação de onde se vê o pôr do sol.
Só se prepare para marchar, pois o lugar é um tanto elevado.






O convite na rocha, no século III a.C.
O budismo surge nos idos do ano 500 a.C., quando Sidarta Gautama — o Buda histórico — reflete sobre as “nobres verdades” e começa a pregar uma nova forma de viver, mais harmoniosa, equilibrada, e menos sofrida. Isso se dá em Sarnath, no norte da Índia.
Os indianos, no entanto, nunca abraçaram completamente o budismo. Afinal, há milênios já havia e há as várias tradições religiosas que nós no Ocidente nos acostumamos a chamar de hinduísmo.
Um dos poucos monarcas indianos a abraçar o budismo foi Ashoka, o Grande (r. 268-232 a.C.). Ele refletiu acerca do sofrimento humano após as suas guerras de conquista, e com converteram-se também os seus filhos, que então saíram a espalhar o budismo pelas vizinhanças deste grande império — desde o Afeganistão a Myanmar e aqui ao Sri Lanka.
Quem cá veio foi o seu filho Mahinda, que ficaria conhecido como Arahat (ou venerável) Mahinda.

Não se tem uma data exata de quando isso ocorreu, mas foi nos idos do ano 240 a.C. Pouco depois, em 236 a.C., chegaria aqui o enxerto da árvore sob a qual Buda se iluminou, e que eu vos mostrei ainda viva em Anuradhapura.
Divanampiya Tissa reinou de 247-207, e ele foi o primeiro rei do Sri Lanka a abraçar o budismo.
Dizem que ele estava a caçar nestes arredores da capital Anuradhapura quando ouviu alguém chamar o seu nome. Isso lhe foi estranho, pois nestas culturas do Sul da Ásia chamar alguém assim diretamente pelo nome é sinal de intimidade — quase desrespeito, ainda mais se tratando do rei.
Ele olhou para o rochedo de onde o chamamento veio, e lá viu a figura de um monge que parecia não temer ser alvejado com flechas pelo atrevimento.
Há aí contos e contos sobre como a conversa se seguiu, e uma das partes mais famosas tem a ver com a mangueira acima. Dizem que Arahat Mahinda queria testar primeiro a sagacidade do rei, para saber se ele tinha inteligência para compreender o budismo. Daí se seguem daqueles arquetípicos diálogos entre o monge e o guerreiro, que ganharam notoriedade por todo o Oriente (como entre o monge Takuan e o samurai Musashi) e seguem em voga, como em livros estilo O Monge e o Executivo.
— “Qual o nome dessa árvore, ó rei?“, perguntou o monge Mahinda.
— “Esta árvore é uma mangueira.”
— “E há alguma outra mangueira além dessa?“
— “Há muitas mangueiras.“
— “E há outras árvores além dessa e das demais mangueiras?”
— “Há muitas árvores, mas aquelas não são mangueiras.“
— “E há ainda, afora as outras mangueiras e aquelas árvores que não são mangueiras, mais árvores?“
— “Sim, há esta mangueira.”
— “Vós tendes um raciocínio perspicaz, ó governante de homens!“
Ξ
— “Vós tendes parentes, ó rei?” Arahat Mahinda prosseguiu.
— “Tenho muitos.“
— “E há também alguns, ó rei, que não são vossos parentes?“
— “Há ainda mais do que parentes meus.”
— “E há ainda alguém além desses vossos parentes e dos outros?“
— “Sim, há eu próprio.“
— “Bom! Vós tendes um raciocínio perspicaz, ó governante de homens!“


Subindo a Rocha do Convite ao entardecer
O entardecer é, sem dúvida, a melhor hora para vir a Mihintale.
Não se deixe intimidar demais por aqueles degraus íngremes talhados na rocha. Descalços nós os subiremos, mas vale ter atenção e se segurar bem no corrimão.
Você sente aquela rocha milenar nas solas dos pés, ao que vai ganhando altura e vista para todo o entorno. É fenomenal.





Você se vê elevando-se descalços sobre estas rochas, rodeado de natureza, e há um prazer quase primevo naquilo.
A luz do sol caía aos poucos, o sol a descer no horizonte por detrás de uma grande estupa branca ali adiante.



O sol se punha pouco depois das 6:00h, então foi a hora em que o ritual lá embaixo tinha início — ouviam-se as breves cornetas e tambores ecoando nesta imensidade — enquanto Lalith e eu apressávamos o passo para descer nestas rochas e subir a escadaria à estupa, a ver de lá o pôr do sol.




Você ali fica um tempo. Sentei-me no chão, sentindo aquele vento do alto ir aos poucos esfriando sobre o suor.
A noite, porém, cai rápido, prenunciando a hora de partir.



É uma vinda essencial a quem tem pernas e estiver por perto, em Anuradhapura.
Daqui a pegar novamente os sapatos, entrar no tuk-tuk de Lalith, e tomar destino. Uns 40 minutos depois, estaríamos de volta às escuras a Anuradhapura.
Valeu, Sri Lanka. A manhã seguinte seria uma madrugada, pois às 2:30 estaríamos de pé com Wasantha, o dono da pousada, disposto a nos levar de carro até Colombo — antes de juntar tráfego — em tempo de fazer os testes PCR num hospital e pegar o voo à noite. Eu estava grogue, porém feliz. Hoje, já não são mais necessários esses testes. Foi só pra eu ter mais adrenalina.
Meu jovem, que maravilha!… Espetacular, pujante, elegante e formosa, essa magnifica rocha ou rochas já que parece que há uma superposição de rochas.
E que paisagem bela, exuberante, de belíssimos tons de verde, suas elegantes elevações e o azulado longínquo das colinas.
Achei um encanto esses recantos verdejantes, cercados de natureza, com suas águas escuras. As ruínas parecem vivas. Sabidos, esses monges, descobriam belos e sossegados lugares.
Lindas essas esculturas seculares. E que tocante a reverência das pessoas.
Esse pôr de sol está incrivelmente belo. Que espetáculo da natureza, um presente dos Céus.
Lindos esses interiores coloridos e que contam histórias tão belas, sugestivas, singelas, educativas e interessantes. Uma forma especial de se ensinar sobre as coisas da terra e dos Céus. Uma maravilha. Como o Ocidente é carente desses ensinamentos. Certamente seria outro se atentasse para esses aspectos tão importantes da vida na terra.
Um verdadeiro paraíso na terra, quase intocado , um verdadeiro livro de História Antiga, contando de forma extraordinária, cheia de arte, religiosidade e cultura, as peripécias desses desbravadores através do tempo. Uma riqueza. Que país bonito é esse, meu jovem. Maravilha.
Uma preciosa viagem em um encantador país, de gente simples, sem muitos recursos socio-econômicos, mas cheio de espiritualidade, atentos às suas raízes, envoltos todos na magnifica mãe natureza, bela e indomada.
Salve a querida, majestosa e vetusta Ásia, com seus filhos, suas histórias, sua mística, seus mistérios, cultura e religiosidade. Um primor.
Amei.
Obrigada meu jovem por nos mostrar mais um pouco dessa incrível parte do mundo chamada Ásia, onde nasce o sol, como se dizia a um tempo atrás.
Lindas essas Frangipanis, delicadas e belas. Parecem-se com algumas que são vistas aqui no Brasil, inclusive amarelinhas. Aqui tem o nome popular de dedo de fada.
Esqueci de falar no perigo das escadas quase naturais ou feitas a facão haha um risco.
O senhor, como sempre pelo visto, adora essas subidas, hahah, data venia, parece um gato montez haha
As paisagens dos Céus são um espetáculo à parte.
Nossa, Senhora, que alfabeto é esse, meu amigo? arremaria haha ininteligível. Jesus… parece um pergaminho, um alfarrábio. Uau.
Uffa, que aventura haha.
Ora ora, e ainda descobriu um shoppinho , ao que parece muito agradável, e com comilança atraente.
Gostei muito da postagem e das belezas que nela são mostradas.
Adoro viajar com o senhor, meu caro jovem viajante brasileiro.
Precisa escrever um livro ou um atlas hahaha. As pessoas precisam conhecer o mundo.
Valeu.