Rouen [lê-se Ruã] é uma cidade medieval francesa repleta de história. Capital da atual região administrativa da Normandia — herdeira do antigo Ducado da Normandia — ela teve um papel importante durante a Guerra dos Cem Anos, em verdade todo o medievo francês, e foi também onde a “Donzela de Orleans”, como ficou conhecida a guerreira Joana D’Arc, encontrou o seu fim.
Bem-vindos a Rouen, bem-vindos à Normandia. Você que já viu fotos ou vídeos do Mont Saint-Michel (aquele castelo-ilha na costa francesa) pela internet, vale saber que a Normandia é mais que ele. (Ainda iremos lá, não se preocupe.)
Não faltam aqui edificações góticas, ruas estreitas que por vezes me lembram a Inglaterra (mostrando mesmo que não estamos longe de lá), torres, igrejas imensas do século XI, e bons museus gratuitos — que mostram desde arte sacra a instrumentos medievais.
Rouen fica a mera 1h30 de trem saindo da Estação São Lázaro (Gare Saint-Lazare) em Paris, então é um excelente bate-e-volta, embora você possa também dormir em Rouen se quiser explorar mais da Normandia. Sintam uma palhinha.

Entendendo a Normandia
Eu certa vez brinquei num podcast que a França é como Minas Gerais: cada lado se parece bastante com o estado ou país vizinho. Deixarei que os mineiros falem de Minas, mas na França você pode reparar como a Alsácia lembra a Alemanha, o sul mais lembra a Itália que a própria França, e assim vai. A Normandia aqui parece um pouco a Inglaterra, e não é sem razão.
O nome Normandia vem dos normandos ou “homens do norte” (normanz no francês medieval), que não eram outros senão os Vikings. A partir do ano 820, aqueles salteadores nórdicos começam a atacar a costa norte do reino francês, e chegam até Paris navegando acima o rio Sena.
Em 911, o rei francês Carlos III faz então um acordo com o líder viking Rollo (que é retratado na série Vikings que fez sucesso entre 2013 e 2020), cedendo-lhe direito sobre a terra e o título de duque se ele ajudasse a proteger aquela costa de outros vikings. Rollo havia sido derrotado em Chartres, então o tratado não lhe pareceu mau, e ele aceitou se converter ao cristianismo.
É, inclusive, um descendente de Rollo, o duque da Normandia Guilherme, o Conquistador (William the Conqueror) quem irá em 1066 invadir a Inglaterra para encerrar o domínio Viking dinamarquês lá naquelas terras. (Você pode ler mais sobre isso na minha postagem na histórica cidade de York, fundada em solo inglês pelos vikings.)


Os normandos tiveram sucesso, e assim se criou uma situação peculiar: eles eram duques na Normandia, formalmente súditos portanto do rei francês, mas ao mesmo tempo reis da Inglaterra.
Se você acha isso estranho, saiba que essa coleção de títulos era hiper comum na Idade Média europeia. A propósito, Guilherme embora se tornasse rei inglês jamais aprendeu a língua inglesa e sequer foi morar lá: ele morreria aqui em Rouen, em 1087, mais de 20 anos depois da conquista.
Foi assim que a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) teria início mais tarde, com essa situação dúbia em que uma família possuía títulos e terras dos dois lados do Canal da Mancha, que separa hoje a França da Inglaterra. É um certo anacronismo — criado pelo nacionalismo muito depois — imaginar essa como uma guerra entre países à là século XX. Não era; era uma guerra entre famílias e nobres por coroas, à là Game of Thrones.
A Guerra dos Cem Anos, portanto, foi essencialmente uma guerra pela coroa da França. Os dois reinos ali eram, inclusive, mais parecidos que nunca.
Os normandos haviam levado a sua própria gente e substituído quase toda a aristocracia inglesa com os amigos de Guilherme — gente que mal aprendeu inglês. O francês medieval normando tornou-se a língua da corte lá também na Inglaterra, criando as semelhanças de vocabulário entre francês e o inglês que encontramos até hoje.
Difundiu-se o gótico de estilo francês pela Inglaterra além de uma série de demais mudanças que não saltam aos olhos mas foram importantes, como o fim da escravidão na Inglaterra — que os vikings praticavam corriqueiramente. (Que eles depois praticassem escravidão contra negros e índios tem a ver com o fato de que esses não eram vistos propriamente como gente. Ou seja, houve um avanço moral, mas limitado por barreiras raciais. Não desapareceram por completo, visto como os europeus tratam os refugiados ucranianos em comparação com os afegãos ou aqueles da África.)

Eis que então aparece Joana D’Arc, dita a Donzela de Orleans, para salvar o rei francês do que parecia uma derrocada iminente depois de um século de lutas. Os ingleses sob os Plantagenet e depois os Lancaster, famílias aristocráticas de origem francesa que se substituíram lá no poder na Inglaterra, faziam avanços graduais aliados aos duques da Borgonha, parte da França, mas que queriam ver o rei pelas costas.
Eu não vou detalhar aqui agora todas as idas e vindas na Guerra dos Cem Anos — deixarei para tratar disso em visita aos lugares correspondentes França afora, sobretudo em Orleans. Por ora, posso dizer que Joana D’Arc (1412-1431) apareceu como uma camponesa supostamente inspirada pelo espírito santo, e que elevou consideravelmente o moral das tropas do rei francês.

Em tempo, ela passou a participar do comando militar também, apesar de ser uma jovem de 17-18 anos.
Os bispos aliados do rei francês concordavam que ela, de fato, era inspirada por Deus, enquanto que os bispos que apoiavam os ingleses diziam-na possuída pelo demônio. Para você ver como religião e política se misturam.
Joana esteve presente na coroação de Carlos VII na cidade de Reims, fazendo-o formalmente Rei de França, e o acompanhou em vitórias subsequentes até 1431.
Ali, acabou desafortunadamente capturada pelos borgonhos, que a entregaram aos ingleses aqui em Rouen. Um bispo partidário destes logo tratou de condená-la por heresia, ao que Joana D’Arc foi queimada viva na estaca a 30 de maio de 1431, crê-se que aos 19 anos de idade.
Décadas mais tarde e após o fim da guerra, o Papa Calixto III anularia aquele veredito, vindo séculos mais tarde (em 1920) a ser canonizada e tornada mártir nacional francesa.


Chegando a Rouen
A hoje chamada Torre de Joana D’Arc é dos primeiros monumentos que você vê ao desembarcar na estação ferroviária de Rouen. Ela data de 1204 e tem 30m de altura, então quase não há como não vê-la. Seu interior é hoje uma sala de fuga (escape room), um museu lúdico para quem não tem claustrofobia e quer brincar de estar lá preso e tentar fugir. (Eis o site oficial.)
Pode ficar certo de que, hoje, não há mais chances de ir parar na estaca.
Fazia um vento frio fora de época aqui em Rouen, o que talvez não fosse de todo impróprio, já que a Normandia tem dos climas mais úmidos, frios e chuvosos da França. (Mais uma semelhança com a Inglaterra.)
Saído da estação e tendo visto de perto a torre, rumei para o centro histórico a ver o que há.

Se você quiser mais detalhes sobre a vida da Donzela de Orleans, o lugar aonde ir é o Historial de Joana d’Arc, uma espécie de museu midiático com projeções, etc., contando o trajeto de vida da campesina mais famosa da França. Só tenha em conta que, embora o horário de funcionamento informado no Google e no próprio site da atração diga que está aberto até as 19h, a última entrada é às 17:15.
Mas nem só de Joana d’Arc é feita Rouen. A cidade, no seu centro, é repleta de ruelas pitorescas, casas antigas de enxaimel (aquelas vigas de madeira), e igrejas góticas do medievo. Uma tarde aqui é bem passada — ou um dia inteiro, se você quiser também entrar para conhecer (gratuitamente) o Museu de Belas Artes com lindos quadros ou o Musée Secq des Tournelles, com quinquilharias medievais de toda sorte.





Eu fiquei positivamente surpreso de ver tanta coisa gratuita aqui em Rouen. Pelo que me disseram, é política da Normandia ter seus museus com entrada franca.
Fiquei também impressionado com a vetustez das edificações — aquele gótico preto chamuscado de séculos e séculos de existência. Mesmo a França, tão atenta à sua herança artística e histórica, parece ter mais igrejas góticas do que consegue conservar.


O Museu de Belas Artes (Musée des Beaux-Arts de Rouen) é outro — também gratuito — que vale muito a pena visitar se você quer quadros com as expressões artísticas dos últimos séculos sob posse dos normandos. Ele, naturalmente, inclui pinturas sobre a vida de Joana D’Arc.


Eu registrei alguns quadros que me chamaram a atenção para mostrar a vocês.



Nem todos os quadros são sobre ela. Há bastante pintura sacra com temáticas bíblicas ou hagiográficas também (se você não considerar a vida de Joana uma hagiografia, agora que ela foi canonizada), além de obras com outros motivos mais mundanos.




Por fim, alguns de temática mais geral, antes de sairmos do museu.



Circulando pelo centro histórico de Rouen
Rouen não tem mais — nem de longe — aquele aspecto medievalesco do quadro acima, exceto por certos lugares, como a catedral. Porém, certas partes ainda guardam uma atmosfera de outros tempos, ainda que hoje mescladas a lojas e restaurantes da contemporaneidade.
Muito belo ali, por exemplo, é o Palácio de Justiça, um ornamentado edifício gótico do século XVI. Fica localizado na Praça Marechal Foch (em homenagem a Ferdinand Foch, o francês comandante dos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial), e que nostalgicamente me lembrou as voltas que dei em Quito, Equador, onde também há uma Praça Foch famosa.



Com um centro pacato, Rouen é o tipo de cidade que conversa com você em silêncio. Dá tempo para você pensar.
“E aí, o que está achando?”, é como se ela dissesse. Não é uma cidade que o soterre com estímulos ou interrompa a sua reflexão a cada momento com algo novo acontecendo. Não. A minha sensação em Rouen foi que, como em outras partes do interior da França, mas talvez ainda mais neste ambiente algo frio e cinzento da Normandia, Você tem um tempo introspectivo ali que é só seu, de contemplação.
Isso não quer dizer que esta seja uma cidade morta — pelo contrário, Rouen tem a sua dose de movimento e vida. O miolo do centro (sobretudo área pedestrizaniada, fechadas a carros) tem os seus bares, lojas, restaurantes e lanchonetes características francesas.
É que as duas coisas, de algum modo, aqui se dão juntas. Você talvez possa notar.




A Catedral de Rouen é um encanto — uma beleza gigante.
São nada menos que 150m de altura, embora ela nem sempre tenha sido assim. Tudo começou com uma catedral mais simples, estabelecida aqui ainda nos idos do ano 300. Em 755, o grande Carlos Martel (o responsável por impedir que os árabes, que haviam dominado a Espanha, conquistassem também a França) ampliou sua área, o que ocorreu uma segunda vez antes de o seu neto Carlos Magno vir cá em 769.
Rollo, o líder viking tornado o primeiro duque da Normandia, foi batizado aqui em 915 e aqui foi enterrado em 932. Seu descendente, Guilherme o Conquistador, presenciaria a consagração de mais uma versão renovada desta catedral em 1063, antes de este imenso edifício gótico ganhar corpo ao longo dos séculos seguintes.
Você não paga nada para entrar. É só chegar e se render à arquitetura divina.



É contornando aqui à esquerda da catedral que você alcança o Historial de Joana d’Arc, um museu midiático com vídeos, etc. Numa outra direção você tem o rio Sena, que passa aqui depois de passar por Paris, rumo ao mar — e por onde os vikings entraram, navegando França adentro. E numa terceira direção você tem a Praça do Velho Mercado (Place du Vieux Marché), onde uma área de bares e casas pitorescas de enxaimel.


Eu cheguei a buscar a margem do rio Sena, tentando resgatar algo daquilo de outrora, mas havia me esquecido de que Rouen foi severamente bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. Já não sobra muito daquela beira-rio pitoresca da gravura assim. Hoje, ela está irreconhecível, mas abaixo eu mostro para vocês verem.
Sendo assim, foi pela via do chamado Grande Relógio (Le Gros Horloge) até a Praça do Velho Mercado ver mais da Rouen antiga que restou.

A Rua do Grande Relógio é provavelmente a mais bela de Rouen, e não pode ser ignorada. Ali fica o cujo dito, acima referido, um relógio astronômico do século XIV com partes douradas numa torre que há de evocar o fantástico em vossas senhorias.


Destas casas com madeira você segue vendo em grande número até chegar à Praça do Velho Mercado (Place du Vieux Marché), que foi de certa forma o centro mundano de Rouen noutros tempos — se desconsiderarmos a centralidade espiritual da catedral.
Eu pra lá segui, a findar esta minha estadia mui breve em Rouen.





Está apresentada a capital da Normandia a vocês, com um pouco da sua arte e história.
Meu Deus que linda essa cidadezinha!… Belíssima capital da Normandia. Um primor!… Estou encantada com ela. Tudo respira beleza, arte história e antiguidade. De uma riqueza arquitetônica ímpar. Encantadora.
Que belíssimo casario, que gostosas e belas ruelas, formosos portais, arcos maravilhosos, pracinhas acolhedoras , recantos deliciosos, belos e bem cuidados jardins, seus vetustos e belos prédios, com seus formosos e históricos tons pasteis, sob o lindo céu da França. Imbatíveis em beleza e graça.
Que deslumbrantes igrejas, que gótico elegante, trabalhado de forma primorosa, pleno de graça e beleza. Um expoente da arte daqueles tempos idos e que são sempre um colírio para os olhos e um afago nos corações que amam a Arte, a História e a Cultura, assim como suas manifestações através dos tempos.
Essa catedral é das mais belas nesse estilo do mundo, ao meu ver, comparada àquela de Milão. Espetacular. Belíssima!… Que interior soberbo.!… Elegante, como o gótico sabe ser. Maravilhoso estilo arquitetônico.
E este relógio astronômico é magnifico. Maravilhoso. Artisticamente trabalhado e ricamente incrustado no ambiente. Uma maravilha do Medievo.
Ela toda é mimosa, linda e encantadora.
E o Sena sempre presente, belo tranquilo e harmonioso.
Essa “cara”, esse astral das cidades francesas conquistou o coração dessa sua amiga aqui há muitos anos, para não dizer séculos. Je suis la France.
By the way, curiosamente, também sua amiga aqui é fã dessa delicatessen , Paul. Tem quitutes memoráveis.
Muito interessante esse museu de ferragens antigas.
E para nao dizer que não expressei minha solidariedade a essa jovem corajosa que através dos tempos se mantem como um ícone, e que foi tão mal tratada, perseguida e queimada viva, pela Igreja naquela época, quero aqui mais uma vez me posicionar contra essa fase nebulosa da instituição citada , que nesta e em inúmeros vezes, através da História provou estar longe da amorosidade pregada pelo Divino Mestre. Lamentável.
Parabéns, meu jovem amigo viajante ,pela escolha do lugar e pela garimpagem da historicidade.
É isso ai, meu jovem. Bela postagem.
Valeu. Que venham mais belezas, artes e História.
Gostaria de ver essas belíssimas viagens transformadas em livros para a posteridade.
Chi lo sa?