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Finlândia

Conhecendo Porvoo, cidade histórica na Finlândia

Casinhas de madeira, ruas simples… tudo evoca humildade neste recanto da Europa Nórdica. Quem vê estes países hoje e o seu alto nível de bem-estar social não imagina que até o começo do século passado eles eram bastante pobres.

Porvoo, a segunda mais antiga cidade da Finlândia, presta até hoje evidência de como esta região era. 

A cidade data de 1347, com uma catedral ainda presente do século XV e casario de madeira dos séculos XVII e XVIII. Relativamente pouco, entretanto, havia mudado até o começo do século passado. Este lugar ainda hoje oferece uma jornada pela História, um passeio pitoresco — ainda que o seja à maneira nórdica, isto é, com seu clima nem sempre amigável e a quietude que tanto caracteriza esta parte do mundo.

Eu vim conhecer Porvoo numa simples viagem de ônibus desde Helsinki. Porvoo é o principal bate-e-volta a se fazer desde a capital, e um que vale a pena. (Se você der mais sorte que eu e vier num dia de sol, melhor ainda.)

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As casas de madeira, as ruas de pedra, e a catedral de Porvoo mais acima. Vamos chegando.

Primavera em Porvoo

Primavera não é garantia de tempo bom aqui na Finlândia, como a foto vos mostra. “Mas é bom para a natureza“, consolou-me (ou não) uma finlandesa atendente de loja quando eu me queixei. 

Era um dia impróprio para passeio, digamos assim, mas eu não quis me furtar a aproveitar a oportunidade. Eu tinha um dia livre em Helsinki, e afinal não é toda hora que se está na Finlândia. Tomei então um Onnibus (assim com dois n) para Porvoo, que é a forma mais simples e objetiva de se chegar aqui. Trata-se de uma companhia de ônibus.

Deixei uma Helsinki molhada para trás — temendo passar o dia encharcado, já que não viajei com guarda-chuva — a adentrei a sua peculiar estação rodoviária dentro de um shopping. Os ônibus de longa distância, como eles aqui chamam ônibus que viajam mais de 1h como se isso fosse grande coisa, partem do subsolo. 

Não há máquinas onde comprar bilhetes. Há, sim, controvérsias sobre ser possível ou não adquirir as passagens direto com o motorista, e a recomendação geral é que você o faça pelo site oficial da Onnibus. Há partidas quase todas as horas. Desçamos.

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Descendo as escalas rolantes do shopping para chegar à área da rodoviária de Helsinki. (Eles aqui na Finlândia, como na Suécia, gostam de um sistema de portas para acessar os ônibus. Descubra qual será a sua.)
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Estes ônibus vermelhos não custam só €1, mas são a forma mais eficaz de se viajar médias distâncias e fazer bate-e-volta na Finlândia. Helsinki-Porvoo sai cerca de €10 por trecho, e você pode comprar a passagem no próprio dia. (Para longas distâncias de verdade, melhor optar pelo trem com a companhia ferroviária oficial VR.)

Desembarquei em Porvoo com aquele misto de “O que é que eu vim fazer aqui num dia destes…” e “não está tão mau assim“. De fato. Chovia um chuvisco daqueles bons de ficar em casa, mas não era nada que impedisse alguém mais aventureiro de desbravar as ruas desta cidade histórica finlandesa.

Por mim passavam os ocasionais moradores (quietos finlandeses) famílias de turistas indianos vestindo capa plástica translúcida, daquela mais barata que há. Os homens de bigode iam à frente, e as esposas conversando entre si uns 10 passos atrás — o suficiente para um grupo não ouvir demais a conversa do outro. 

O ônibus para numa ampla praça aberta (e descoberta) que faz as vezes de terminal, na área moderna de Porvoo. Dali, você caminha uns 5-10 minutinhos até a área mais antiga, pitoresca. Logo próximo, terá também o Porvoonjoki, rio que margeia a cidadezinha. Vale cruzar uma das pontes para ter as vistas deste lado de cá.

Casario vermelho de madeira à beira do rio em Porvoo
O Porvoojoki, o rio que corta Porvoo, e suas históricas casinhas vermelhas de madeira. Lembram-me o que se encontra ainda na China ou pelo Sudeste Asiático, mostrando que também a Finlândia já foi pobre.
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Porvoo e o seu rio vistos da ponte.
Vista de Porvoo sob nuvens
O centro histórico da cidade com sua catedral.

Entrando na Catedral de Porvoo

As catedrais — e todas as igrejas mais antigas — nestes países nórdicos tipicamente começaram católicas na Idade Média e depois foram convertidas ao luteranismo

Não imagine nenhuma mudança de consciência, nem sentido de reflexão profunda que tenha levado a isso. Nada teve a ver com convicção nem fé, mas sim com dinheiro e poder.

Antes mesmo de o famoso Henrique VIII (1509-1547) na Inglaterra romper com o papa porque queria se casar novamente e fundar a Igreja Anglicana, seu contemporâneo sueco o rei Gustavo Vasa (1496-1560) já tinha tido a brilhante ideia de mudar de religião para se apropriar de todas as terras e posses da Igreja e assim enriquecer o seu reino.

Gustav Vasa
O simpático rei sueco Gustavo Vasa (1496-1560), um dos mais famosos por ter recobrado a independência sueca (da Dinamarca) após a União de Kalmar, e enriquecido o reino através, dentre outros, de uma Reforma Protestante. A Suécia entraria na sua Era de Ouro como potência europeia até os idos de 1800.

Vale lembrar que a Finlândia, naquela época, pertencia ao Reino da Suécia. Foi tomada pela Rússia em 1809, e só conheceria soberania a partir de 1918.

Ele deu início a tais reformas em 1527 — e quem sabe até tenha inspirado Henrique VIII a fazer o mesmo na Inglaterra com o seu chamado Ato de Supremacia em 1534.

É, inclusive, Gustavo Vasa quem funda Helsinki (sob o nome sueco de Helsingfors, ainda em uso) em 1550.

Porvoo nada mais era que uma pequena cidade de pescadores, agricultores, e alguns comerciantes.

À época, uma curiosidade, é que Finlandia era um nome utilizado apenas para a parte sudoeste do país — mais perto da Suécia. Cá mais para leste havia a Savônia e a Carélia, com suas versões distintas da língua finlandesa, e que ainda carregam regionalismos até hoje. Nesse século XVI de Henrique VIII e de Gustavo Vasa, esta gente foi sendo cada vez mais incentivada a colonizar o centro-norte da Finlândia, expulsando os nativos Sámi cada vez mais para a região ártica, onde se encontram hoje.

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Os Sámi são uma gente indígena deste norte dos Países Nórdicos, hoje quase que totalmente comprimidos às regiões árticas deles — sobretudo à chamada Lapônia. Tem a sua própria língua, cultura e bandeira, e vivem no norte do que são hoje Suécia, Finlândia e Noruega. Há quem deseje independência, mas principalmente buscam autonomia e garantia de direitos.
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A foto anterior é de época. Os Sámi preservam a sua cultura e língua no que podem, mas estão razoavelmente integrados à vida nórdica moderna. Um dia eu ainda vou à Feira de Inverno de Jokkmokk — o seu mais famoso festival, no norte da Suécia — e conto a vocês.

Mas voltemos a Porvoo por ora…

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Só para não dizer que não falei das guloseimas, esta é uma torta careliana (Carelian pie). É salgada, de massa escura de centeio com um recheio amanteigado de arroz, assada no forno. É gostoso, e você encontra tanto em Helsinki quanto aqui no leste da Finlândia.

Tudo isto foi para dizer que as igrejas luteranas — como esta Catedral de Porvoo — têm tipicamente um ar mais sóbrio que os templos católicos. Em geral, paredes brancas, alguns enfeites pero no muchos, e — aí sim — sempre um grande órgão sobre a porta de entrada, pois a música barroca sacra (do período de Bach, Handel e outros) virou coisa importante nos idos de 1600-1800.

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A catedral, de tão simples, parece até joguete infantil, daqueles de madeira.
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Por dentro, seu interior típico branco com decorações barrocas douradas.

Uma celebração havia acabado de terminar quando entrei. Mulheres circulavam de branco — não sei se sacerdotisas, já que a Igreja Finlandesa, como as demais deste norte europeu, têm muitas mulheres no sacerdócio. Alguns outros terminavam de circular naquele interior antigo cheirando a velas. Era um abrigo do chuvisco que vinha a calhar.

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O belo órgão no fundo.
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Vista pelo lado da entrada.
Campanário de pedra em Porvoo, Finlândia
O campanário, que tipicamente nessa época ficava fisicamente separado da igreja. Há uma catedral aqui desde o século XIII, e estas edificações (em substituição às anteriores de madeira) datam de a partir do século XV.

Voltas pela cidade antiga: o pitoresco das cores e a ponta de estoque dos chocolates

Foi curioso, pois a catedral foi o primeiro lugar aonde eu me dirigi ao chegar — talvez desejoso por me abrigar e na esperança de que o tempo pudesse melhorar enquanto eu visitava o seu interior. Daqui a uns cinco dias para de chover“, disse-me jocosa a finlandesa atendente de loja quando eu me queixei.

Eu de início dei com os burros n’água. A catedral estava trancada para culto e só abriria à visitação dali a algumas horas. As fotos que você viu do interior são de quando eu retornei, após conversar com a tal atendente.

Eu circularia pelas idas e vindas de Porvoo, estas ruas de calçamento de pedra e casas de cores, a madeira recém-pintada revelando que há dinheiro para a manutenção deste patrimônio.

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O centro histórico de Porvoo com o seu casario de madeira.
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As ruas vazias neste dia não-útil, e também pelo tempo.
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As coisas que eu não faço por estes relatos…

As casas são quase todas originais dos séculos XVII e XVIII. Alguns cantos são ordinários, já outros recantos são pitorescos.

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Nas ruas de Porvoo, Finlândia.
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Há recantos que parecem cenográficos.
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Lojinhas e arranjos.

Foi numa dessas que eu entrei, mais para conversar que para comprar algo. Eu sou do tipo que gosta de ficar de prosa com vendedor, e ainda que os nórdicos sejam quietos, nem os finlandeses me escaparam.

A mulher de seus quarenta e tantos costurava por detrás do balcão sob o som de Enya. Como se não bastassem as semelhanças entre o finlandês e o élfico, nem entre a “silvofilia” (ou achego à natureza) entre os dois povos, real e mítico, eles aqui ainda gostam dessas músicas New Age. Eu as conhecia.

Você nunca sabe o que eles têm na cabeça“, soltou-me ela quando lhe perguntei se estavam com medo dos russos. Disse que estavam acompanhando, mas sem se preocupar demais — e voltou a costurar, algo que pelo menos aqui na Finlândia e na Suécia (além de certos outros países da Europa) voltou a ser um hobby entre mulheres de todas as idades. Tenho uma amiga sueca mais jovem que eu que leva a filha ao futebol infantil e, enquanto a espera, costura.

Até que cheguei ao Largo do Pelourinho.

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Brincadeira, não é bem o Largo do Pelourinho, mas até que me lembrou. É a praça central do centro histórico de Porvoo, onde se dava a sua feira — e certamente também castigos públicos.
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Esta é a antiga prefeitura de Porvoo, hoje um museu.
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Eu segui pelas casinhas e ruas, até entrar para finalmente ver chocolates.

Não há graaaandes coisas a ver aqui em Porvoo exceto a cidade em si (e a catedral). Uma dessas poucas outras atrações é uma loja de ponta de estoque da Brunberg, talvez a mais famosa marca de chocolates da Finlândia. (Eu também nunca havia ouvido falar.)

É, todavia, uma marca antiga, do século XIX, e que segue popular. A lojinha deles aqui abre todos os dias, faça chuva ou faça sol, e você pode vir conhecer seu estilo meio vintage — do tempo da sua avó, mas com sabores do tempo da sua neta.

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A Brunberg foi fundada aqui em Porvoo em 1871, e é a marca de chocolates mais tradicional da Finlândia.
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Olhe o design antigo das latas de chocolates e doces que eles vendem aqui. Coisas da virada do século XIX para o XX. Note que, na lata, é uma paisagem aqui de Porvoo com o rio e as casas.
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Sabores mui diversos. Este que comprei é de mirtilos e frutas vermelhas com o chocolate. (O chocolate não éééé assim todo esse ó do borogodó, mas é bom — ainda que um tanto caro.)
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A paisagem que você viu na lata.

Porvoo já não é pobre, pois 100 anos de governos eficazes no bem-estar social transformaram estes países nórdicos de nações atrasadas na periferia da Europa em lugares de ponta.

Entretanto, mantêm este lugar histórico bonitinho e ajeitado.  

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Salt, um dos restaurantes melhor avaliados daqui.
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As casinhas e os seus arranjos de flores nesta primavera chuvosa.

Eu não me demoraria. Chocolate no bolso, eu logo teria meu ônibus de volta para mais 1h de estrada, agora de retorno a Helsinki.

Prazer em conhecê-la, Porvoo. No dia seguinte, eu partiria de mochila e cuia — desta vez de trem — para Turku, a cidade mais antiga do país.

Eu revejo vocês lá. 

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Conhecendo Porvoo, cidade histórica na Finlândia

  1. Ihhh. que fofa, essa cidadezinha!.. Simples e muito bonitinha. Vê-se que faz parte de um passado pobre e simples, perdido no tempo. A Finlândia hoje é considerada um exemplo de bem estar social no mundo.
    Que bom que preserva o seu passado, sua história, sua cultura. E bem curiosa essa História. Pena por esses povos ainda estarem à margem das benesses do mundo moderno.
    No caso do Brasil, a coisa é séria. Nao só seus povos originais são mortos, suas terras tomadas, sua cultura espezinhada, como o rico patrimônio histórico e cultural do pais vem sendo destruído. Ao lado desse descaso, sua preciosa cultura vem sendo substituída por outras alienígenas, como a estadunidense. Uma tristeza.
    A simplicidade da cidadezinha é um charme. suas construções de época bem preservadas são lindas. Adoro esse visual antigo preservado e cuidado.
    As casinhas coloridas , cheiram a bucolismo, a contato com a natureza. Os lampiões, as flores, as ruelinhas, o calçamento rústico, tudo encanta. Uma graça!…
    Bela arquitetura. Esse largo parece mesmo o Pelourinho, em Salvador.
    Esse campanário é lindo. Um charme.
    A beleza singular dessa antiga catedral é impar. Aprecio muito esse clima despojado, embora elegante e gracioso, dos templos. Para mim combina mais com a elevação e o contato com o povo dos Céus. E com esses belos órgãos, então imagino o clima grandioso que reinava.
    E que pena que o povo esqueceu as belas e harmônicas músicas dos grandes compositores. Uma perda irreparável.
    A boa música ( salvo algumas honrosas exceções), como outras artes, vem sendo prejudicada pela invasão de formas ditas musicais, de qualidade duvidosa. Coisas da pós modernidade.
    Gostei da casa do chocolate!…
    Quanto a essas lindas e decoradas latas, eram comuns na infância dessa sua amiga aqui. Eram lindas, de conteúdos saborosos, chocolates e biscoitos finos, cheirosos e enrolados em papel manteiga. Os parentes, quando chegavam presenteavam os jovens e crianças. Uma delícia.
    Nada sabia dessa História da Finlândia. Só da Lapônia e do Papai Noel haha que chegam aqui. Muito interessante.
    Interessante também a constatação desses jogos de poder e ganância, que existem ao longo do tempo, mascarados de intenções ditas muito boas, e que a História nem sempre conta.
    Amo descobrir essas coisas, sobretudo aqui nessas vossas publicações, com direito a pitadas mordazes, por vezes, de críticas, muito procedentes, ao meu ver. haha. São uma delícia. hahaha.
    Parabéns, meu jovem amigo viajante. Belos lugares, ótimas escrituras haha deliciosas publicações. Adoro.

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