Kiss my Turku, diz o lema turístico da cidade. Nada tem a ver com “beije o meu turco”, mas sim com a minha Turku. A sua, a nossa. Trata-se da cidade mais antiga e mais histórica da Finlândia, e que já foi a capital do país.
Em Helsinki, eu havia encontrado um turco de Trabzon — cidade da costa do Mar Negro, aquela parte da Turquia aonde nenhum turista brasileiro vai, onde faz frio e os turcos comem manteiga em vez de azeite — que estava lisonjeado e interessado achando que era uma cidade fundada pelos turcos (?), até descobrir que não.
Turku provavelmente vem de Trg, a palavra eslava para “mercado” (às vezes escrita historicamente como tǔrgǔ, embora se saiba que as vogais são decorativas, pois os eslavos gostam mesmo é de consoantes). Eles andavam por aqui — ou melhor, navegavam. Pensa-se sempre nos Vikings nesta parte do mundo, e se esquece que os russos, bálticos e poloneses também estão aqui próximo. Hoje todo mundo lembra que os russos estão próximo, mas já era assim antes.
Turku é reconhecida numa bula papal de 1229, então se sabe que a cidade data de antes disso. Ela era a principal cidade do Reino na Suécia nestas terras, durante o longo período em que Estocolmo governou também este lado de cá do Mar Báltico (1300-1800). Deixaram castelo, catedral medieval, e depois se fez mais.
Venham beijar nossa Turku aqui às margens do rio Aura, na Finlândia.




Chegando à cidade
Turku é melhor acessada de trem, pela companhia ferroviária finlandesa VR. Em menos de duas horas, cheguei de Helsinki até cá. Foi quando desembarquei com a moça da sacola acima.
A minha zarpada, posteriormente, seria por navio, pois ainda há um popular sistema de ferries diários para Estocolmo e outros destinos. (É muito utilizado pelo duty free, já que cruza águas internacionais, mas esta é uma outra conversa.)
Por ora, eu encontrava uma Turku ainda algo frio e cinzenta, ainda que já estivéssemos em junho, no fim da primavera. É que as coisas aqui demoram a esquentar — e eu sugiro realmente que você opte por julho ou agosto se puder escolher. No dia seguinte, o sol abriria, e tudo aqui fica mais mágico com um pouco de calor. (Ou venha logo no inverno e se esbanje com a escuridão e a neve.)
Hoje, eu estava contente de pelo menos chegar seco ao meu hotel, tendo em vista a visita a Porvoo um dia antes. Eu tinha uma quieta cidade diante de mim, bem mais sossegada que Helsinki, e aparentemente com menos estrangeiros.


Atrações de Turku: Impressões pela cidade
O grosso de Turku não é de aspecto histórico — eu preciso lhes ser franco, para que ninguém pense navegar por uma cidade à antiga. Turku é relativamente moderna na sua apresentação, com avenidas, shoppings pequenos de centro de cidade (onde as pessoas se abrigam do frio no inverno), e muitos jovens a circular de patinete elétrico.
Porém, há uma pequena área histórica mais pitoresca nas vizinhanças da catedral, além do seu castelo medieval na outra ponta da cidade. (Calma que chegaremos lá.) Entre um e o outro, o modesto rio Aura desliza sem qualquer ruído, passando pela área da catedral e indo desembocar lá perto do castelo 3 Km depois.
Como noutras partes deste mundo nórdico, há bastante verde. Árvores abundam na cidade, misturando-se ao casario dos idos dos séculos XVIII e XIX, quando imperava nesta Europa aquela estética de tons pasteis típicos da Europa Central.
Eu saí, no primeiro dia ainda de casaco, rumo à catedral.







Alguns podem, porventura, estar a se perguntar sobre as edificações mais antigas da cidade, já que se trata de um lugar medieval.
Vale lembrar duas coisas. Primeiro, tudo ou quase tudo nesta Europa medieval do centro-norte era feito de madeira. Pedra é caro, e estas não eram regiões ricas. De pedra, quase que sempre só as igrejas (que tinham dinheiro) e os castelos dos nobres e da realeza.
Segundo, as cidades volta e meia pegavam fogo. É algo que — ainda bem — sumiu da nossa realidade moderna, mas quase todas as grandes cidades europeias (inclusas aí Lisboa e Londres) pegaram fogo em algum momento, queimando tudo. Turku ardeu em chamas em 1681 e novamente em 1827, daí essas edificações históricas terem sido quase todas feitas ou reformadas no século XIX.
A catedral tampouco escapou do fogo, mas pedra resiste, e você ainda encontra aqui estas bases rochosas dos séculos XIV e XV. Vamos entrar.




Caso estejam a se perguntar, a igreja é luterana, da Igreja Finlandesa. Todos estes países nórdicos têm Igrejas autocéfalas (isto é, com cabeça própria, administrativamente autônomas, e que não respondem ao Vaticano nem a ninguém de fora — como a Igreja Brasileira).
Todas são de denominação luterana, pois era a obrigação a partir do século XVI. Como já me viram realçar de outras vezes, imperava na Europa à época o lema cuius regio, eius religio. Cujo rei, a sua religião. Nenhuma outra era permitida. Foi uma fórmula encontrada para dirimir as guerras entre católicos e protestantes.
Não se espante, todavia, se as achar aqui muito semelhantes a igrejas católicas. Não houve nenhum rompimento tão grande na estética nem na veneração aos santos, embora costumem ser mais simples. Esta de Turku — talvez pela vetustez — é uma certa exceção à regra.


Era fim de tarde. Um finlandesa loura de longos cabelos em trança descia o corredor da igreja a passos seguros. Estávamos quase no fechar da igreja às 18h.
Eu notava com certa curiosamente os penteados e tranças ambiciosas que há por aqui. Os cabeleireiros estão sempre cheios; as mulheres — e em certa menor medida também os homens — adoram fazer uns arranjos quase élficos nos cabelos, dando voltas e fazendo coques complexos. Não era o caso da moça da igreja, mas é comum também que haja piercings no nariz e toda aquela estética comumente associada ao metal.
Talvez por isso me vejam com o cabelo amarrado e se dirijam a mim em finlandês. Achei engraçado, daquelas coisas que não imaginei que experimentaria na vida. (A melhor de todas foi um britânico me abordando na rua para pedir informação, e depois tentando me agradecer dizendo kiitos, “obrigado” em finlandês. Ele saiu crendo. Eu não gosto de criar desapontamento em ninguém.)
Vida que segue. No próximo dia, um novo dia de um novo tempo que começou, as alegrias foram de todos quando o sol abriu, e eu fui ao castelo.


O Castelo de Turku: Seu medievo e renascença
Ninguém está autorizado a ir embora sem visitar o Castelo de Turku, sua principal atração. Ele fica bem distante do centro, a uns 3 Km, ao lado do porto. Você pode caminhar, mas se preferir pode tomar o ônibus n. 1 — ou pode fazer como os finlandeses jovens e montar num patinete elétrico. Aqui não é necessário comprar bilhetes de ônibus; você o faz por aplicativo, mas se tiver cartão bancário por aproximação, pode pagar direto com o cartão no ônibus.
Nem sempre Turku foi essa tecnologia toda, naturalmente. Se voltarmos aos idos de 1280, quando este castelo foi estabelecido, teremos uma realidade bem diferente. A visita ao castelo é um pouco essa viagem pelo tempo.
Os suecos recém-convertidos ao cristianismo, mas ainda na mesma pegada expansionista Viking, começaram a ocupar e colonizar este pedaço de terra deste lado de cá do Mar Báltico que chamavam Terra do Leste (Österland). A Finlândia — que bem mais tarde daria o nome do país inteiro — era esta região específica onde fica Turku.
Os suecos, porém, chamavam — e ainda chamam — a cidade de Åbo. Eles é que davam as cartas; a gente finlandesa, que eram várias etnias distintas falando idiomas próximos, foi sendo subjugada. Em tempo, elas estariam espremidas entre os suecos e os russos; mas até muitos séculos mais tarde, os suecos é que davam as cartas.

A visita a este castelo mostra tanto o período medieval inicial quanto a época renascentista posterior, quando nos idos de 1550-1600 este lugar ganhou maior glamour e chegou a abrigar duques e gente da família real sueca responsável por administrar estes seus domínios.
Os russos de Novgorod chegaram a atacar e destruir Turku em 1318, mas depois disso por meio milênio o poderio sueco ficou bem consolidado.
Você hoje pode preparar as pernas para subir e descer escadas estreitas, caminhar pela pedra e sentir o cheiro de mofo dos vãos antigos neste castelo que foi sendo expandido gradualmente no decorrer dos séculos.


Aqui vai uma dica: venha na hora do almoço (11:00-14:30), e antes de entrar no castelo propriamente dito entre no restaurante Adega do Duque João, que fica aqui no próprio castelo, e onde eles servem comida típica por um preço razoável de 12 euros. É também uma ótima forma de não passar fome durante a visita.


Esse Duque João a quem o restaurante faz referência é João III da Suécia (1537-1592), o segundo filho do rei Gustavo Vasa.
Eu já lhes falei do rei sueco Gustavo Vasa em várias ocasiões, mais recentemente em Helsinki, mas também no Castelo de Gripsholm e no Palácio de Drottningholm na Suécia, além do seu navio afundado, resgatado, e exposto hoje no Museu Vasa em Estocolmo. Ele é o rei mais famoso da História sueca, pois libertou o país dos dinamarqueses (que o governavam na União de Kalmar) e abraçou a Reforma Protestante para poder confiscar as propriedades da Igreja Católica e melhorar as finanças do reino.

Seu filho herdeiro era Eric XIV, e ao segundo filho — João III — ele entregou o Ducado da Finlândia, toda esta área então conhecida como Terra do Leste.
João (Johan no original) viveu aqui, casou-se com a católica princesa polonesa Catarina de Jagelão (1526-1583), nascida em Cracóvia, e aqui eles transformaram um árido e militar castelo medieval de pedra num adequado castelo renascentista.
Os castelos renascentistas — típicos do século XVI, como a grande maioria daqueles castelos franceses no Vale do Loire — foram a transição entre os espartanos castelos medievais e os palácios barrocos dos idos de Luís XIV. Nota-se que começa a haver decoração e conforto, embora continuem a manter guardas defensivas (muralhas, torres etc.) que desapareciam dos palácios do séculos XVII e XVIII.




Entre 1556 e 1563, João III governou daqui de modo praticamente autônomo. Embora respondesse a seu pai em Estocolmo, governava esta região da futura Finlândia quase como um duque soberano. (O que os pais não fazem para agradar os filhos.)
Mudaram as estações, porém, e tudo mudou quando Gustavo Vasa morreu em 1560. Seu herdeiro Eric XIV, irmão mais velho de João III, não se dava tão bem com este, nem com a nobreza sueca. Tinha ganas de expansão territorial, e se ressentia de o irmão João ter se casado com a família real polonesa. Tampouco gostava de João III, por influência da esposa católica, ter começado a ficar buscando meios-termos entre o protestantismo luterano e o catolicismo.
João III acabaria sendo detido e preso em 1563 a mando do irmão Eric XIV, acusado de alta traição. Foram ele e sua mulher polonesa levados presos e enclausurados no Castelo de Gripsholm, na Suécia.
O jogo, porém, viraria. Como você sabe, aquelas disputas intestinas de família naquela época sempre acabavam bem. Eric XIV se indispôs com a nobreza sueca (ainda mais depois de decidir tomar uma mulher do povo, sem berço, como esposa), e acabaria ele sendo morto a mando de João III, que passou de duque a prisioneiro e então a rei de tudo.



Cuidado para não sair do castelo sem terminar a visita.
De modo sui generis, aqui a lojinha de lembranças não fica no final do percurso, mas no meio. Você dali por ir embora, mas ainda há mais coisa se você seguir.
A prisão da torre redonda e as laterais da muralha (o bailey do castelo) reservam ainda uma linha do tempo com os acontecimentos daqui e muitos interiores de época, além de dioramas.
Guarde bem umas 2-3h ou ficará perdido cá dentro sem saber sair. Você de início achará que estou exagerando, mas depois vai se dar conta. Daí a sugestão de almoçar antes de fazer a visita.



Voltas finais por Turku
Era hora de o sol beijar minha Turku. Tomei o ônibus n.1, que passa em frente ao castelo, para retornar ao centro e testar afinal o que os finlandeses dizem do Hesburger.
A Finlândia é dos poucos países onde a hamburgueria líder não é nenhuma das cadeias internacionais (como McDonald´s ou Burger King), mas uma do próprio país — fundada aqui em Turku — e que você verá por todo lugar.


Os finlandeses costumam dizer — patrioticamente — que ela é melhor que as demais. Há opções vegetarianas, como todas aqui nos países nórdicos habitualmente têm. Achei os sanduíches meio pequenos, mas vá lá. As batatas foram boas.

Eu sempre achei os finlandeses meio distantes, voltados para dentro, muitos como se vivessem dentro da própria cabeça. Acho-os bem possivelmente a nação mais introspectiva de todo o planeta, e fico a pensar até que ponto a realidade de quase ausência de grandes ligações histórico-culturais com outros povos (exceto pelos suecos e russos aqui ao lado) não os fizeram um tanto assim.
Fica a indagação — na minha cabeça, já que ando passado por finlandês estes dias.

Como cheguei a comentar em Helsinki, só quando os russos se engrandecem nos idos de 1800 e tomam toda esta terra a leste do Báltico dos suecos em 1809 é que os finlandeses passam a conhecer autonomia.
O czar lhes permitiu viver a sua cultura, falar o seu idioma finlandês, e fazer o que bem entendessem — contanto que não quisessem se separar. Criou-se até um parlamento finlandês para resolver questões domésticas.
Muito do que se vê na cidade é desse período, do século XIX.



Quando os russos mudaram de política para tentar russificar os finlandeses a partir dos idos de 1900, já era tarde. Os finlandeses não o aceitariam. O império russo ficou cada vez mais instável, e em 1917, caiu. A Finlândia surgia como país independente pela primeira vez na História. Sua capital em Helsinki, mas Turku a sua cidade mais tradicional.
Por ora, eu vou deixando vocês em Turku sob o sol. Volto a seguir para irmos daqui até Rauma, mais uma cidade histórica finlandesa, esta tombada pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade. Por vir.



Quem tiver interesse em ver o site promocional Kiss my Turku, https://kissmyturku.com
Muito bonitinha a cidade. Adorei as edificações. O centro é uma graça.
O Mercado elegante salta aos olhos. Que charme. Lindo estilo.
Graciosa, alegre, com boas áreas verdes, belos boulevares, uma bela riviera, prédios bonitos, elegantes, de belos tons, e de arquitetura arrojada. Amei o colorido das casas. O promenade é uma graça.
A catedral é bastante vistosa no seu estilo de época. Simples e elegante. As decorações em dourado no seu interior ressaltam a beleza do estilo.
Destaque para o maravilhoso órgão.
Meu jovem, que beleza!… Certamente eram divinos os acordes dos grandes compositores que ganhavam ares angelicais naqueles ambientes religiosos. Gostaria de ter vivido para ouvi-los ao som dos magníficos órgãos.
O museu é interessante. Horríveis as prisões e o calabouço . Imagino o horror delas. Belas joias.
Lindos os amplos salões e a capela. Simples, elegantes e bonitos.
Ao meu ver, meu jovem amigo, tem razão a vossa amiga. A vida subjugada das mulheres na idade média sempre a serviço, desvalorizadas , reprimidas e escondidas, são um acinte aos direitos humanos e ao feminino. Hoje se faz uma análise sócio-psicológica de tudo isso.
Bom que ao longo dos séculos e após muitas batalhas essa situação vem se revertendo e as mulheres hoje tem alcançado lugares que lhes cabem por direito e competência.
No momento, no Brasil parece que voltamos à I. Média em relação à mulher pois há uma onda de machismo do ar. Esperemos que passe logo, hahaha
Muito estiloso o Castelo.
A Catedral tem semelhanças com a de Tallinn, capital da Estônia, no Báltico.
Muito bonitinhas a cidade e a região.
Nossa!…. Que delícia˜… Adoraria tomar essa saborosa sopa de salmão. Não gosto como se prepara o salmao aqui pelo NE. Mas essas dai dos paises nórdicos, parecem ser maravilhosas.
Valeu, meu jovem amigo. Obrigada pelo passeio. Gostei.
O centro de Turku é bem movimentado, não tanto como Helsínquia, mas tem muito movimento.
No centro da cidade existe um edifício com marcas de um bombardeamento aéreo durante a guerra de inverno onde foram mortas 29 pessoas, é estranho ver isso.
No incêndio houve uma parte da cidade que não ficou queimada e é linda.
Se tiver oportunidade de voltar, recomendo a visita.