Lá estou eu tomando chuva outra vez, mas pelo menos foi num Patrimônio Mundial da Humanidade tombado pela UNESCO. Eles são poucos aqui na Finlândia, e Rauma é um deles — o maior centro histórico de madeira de toda a Europa Nórdica.
Não vale confundir com o lugar homônimo na Noruega, sobre o qual já lhes falei. Esta Rauma finlandesa fica 90 Km ao norte de Turku, no leste do país. Em ambos os casos, se supõe que os nomes derivem de strauma (da mesma etimologia de stream em inglês), do alemão usado pela Liga Hanseática que navegava estas partes e dominava os negócios marítimos nesta região da Europa durante a Idade Média. (Lufthansa, ou “Hansa do ar”, faz referência àquela liga naval.)
Rauma prosperou com o comércio marítimo ao longo dos séculos, chegou a tomar bomba dos franceses e ingleses (já explico), mas segue tendo mais de 600 casas tradicionais de madeira no centro histórico. É como caminhar por um presépio ou cidade do Velho Oeste ou lugar cenográfico — a depender do seu espírito.
Seja ele qual for, as casinhas coloridas estão por toda parte. Juntam-se a elas a igreja e a prefeitura que são de pedra, esta última abrigando hoje muito do rendado que caracteriza a cidade. Sim, eles por alguma razão aqui são famosos por sua renda em tecido, e fazem até uma Semana da Renda anualmente todo fim de julho. Cheguem mais.


Voltas por Rauma
Um desavisado no tempo não saberia dizer se o verão já foi ou já veio. Folhosas árvores naquele tempo molhado e 10 graus de temperatura; pássaros a cantar no quieto depois da chuva. A cidade parecia a paz eterna num recanto fora das partes do planeta habitadas pelo homem, como se eu houvesse me afastado da civilização.
O ônibus da Onnibus me deixou ali perto da igreja numa parada de beira de rua que é como um ponto de ônibus comum, ainda que ele venha de outra cidade. Nada como desembarcar assim ao léu, na chuva.
O chuvisco não era tão forte, e havia aquele romantismo meio arcadiano da impressão de estar no vazio social por entre as árvores, mas mesmo assim busquei me abrigar. A igreja é a primeira obra que você encontra aqui, e uma que me ofereceu teto.


A Igreja da Santa Cruz data de 1512, portanto antes do período barroco, mas ela foi sendo incrementada com o tempo.
Seus fundadores são os franciscanos, que cá vieram pregar e viver em retiro já desde os idos da fundação de Rauma em 1442. Eles chegariam quase até o círculo polar ártico nestas expedições, tal qual o fariam cem anos depois pelos interiores desconhecidos do México.
(Eu sei que a Igreja por lá fez muito do que não deveria, mas os franciscanos foram os principais a denunciar os crimes contra os índios, enquanto que os não-religiosos interessados puramente no dinheiro eram os principais a perpetrá-los. Leia mais sobre aquele contexto na minha visita a Querétaro, México.)

A igreja era originalmente católica, e estas terras faziam parte do Reino da Suécia, como já lhes falei em Helsinki, Porvoo, e Turku. Quando o rei sueco Gustavo Vasa se converte ao protestantismo para melhorar as contas do reino, confiscando todas as propriedades da Igreja, o mosteiro franciscano que aqui havia acaba sendo fechado.
A partir de 1640, esta Igreja da Santa Cruz seria reaberta, desta vez como uma igreja luterana, que segue misturando elementos. O luteranismo destas igrejas nórdicas lembra muito o catolicismo no aspecto estético, pois bebeu das mesmas influências artísticas.







Quando saí, o chuvisco havia cedido o bastante para eu rumar ao centro da cidade.

Rauma hoje tem ruas pavimentadas, quase toda ela um pavimento antigo que lembra aquele das cidades históricas brasileiras. Mas nem sempre foi assim. O tradicional aqui eram ruas de chão por onde passavam animais e gente.



Estas casas originalmente são quase todas elas dos séculos XVIII e XIX. Como Turku, Rauma também padeceu de incêndios e teve tudo queimado mais de uma vez. O último desses grandes incêndios foi em 1682.
Porém, como em 1809 toda a Finlândia sai do Reino da Suécia para ir integrar o Império Russo, Rauma seria atacada por franceses e britânicos no contexto da Guerra da Crimeia em 1853. (Na ocasião, ambos se juntaram aos turcos contra os russos — e não havia distinção que esta parte do império fosse habitada por finlandeses.)
A cidade segue aqui, todavia. Entre algumas poucas ruas retas que se cruzam, o casario colorido em tons diversos, hoje molhados pela chuva. Contrastavam ainda assim com o cinzento do céu.



Eu não demorei a alcançar a praça principal (a Praça do Mercado), onde as mesas postas ao lado de fora estavam fechadas, sem ninguém. Alguns poucos se viam nos interiores, a cidade plenamente quieta. Se isso totalmente se explicava apenas por ser sábado, eu não sei. Não havia embalos neste sábado de Rauma, exceto o som da chuva.
Almas, entretanto, havia umas poucas. Como era a hora do almoço, detive-me na pizzaria Jubi (que recomendo), onde um baixinho finlandês camarada tratava com outros clientes no seu idioma quando eu cheguei.
Eu acho engraçado que a língua finlandesa faz parecer que a pessoa tem alguma dificuldade respiratória — o que obviamente não é o caso, já que basta mudar para o inglês e a pessoa (na maior parte das vezes) vem ao “normal”.

O cheiro de endro subia ao que a minha pizza assava. Como os seus vizinhos russos, eles põem endro aqui em praticamente tudo — sobretudo se for sopa ou se for com peixe.


Hoje, esta prefeitura é um museu da cidade, onde você pode conhecer mais da sua principal paixão: o rendado.
Ali dentro, uma jovem finlandesa simpática de maçã saliente no rosto me contou sobre a Pitsivikko — a Semana do Rendado, ou Lace Week caso você precise se comunicar aqui em inglês. É quando a cidade ganha mais vida no fim de julho. Um boa época para se programar e vir. (O site oficial com as datas do evento que ocorre todos os anos desde 1971.)
Este interior da antiga prefeitura acaba assim por ser mais sobre o rendado desta cidade que qualquer outra coisa.


Quem está a se perguntar o porquê disso, se trata de uma moda que cresceu aqui nos idos do século XVIII de as mulheres ricas usarem chapeuzinhos rendados. Formou uma grande demanda pelos mais elaborados, e assim floresceu esta arte.
Com a industrialização na segunda metade do século XIX e o fim da moda, a técnica quase desapareceu. Contudo, sendo inteligentes, mobilizando-se, e investindo na manutenção da sua cultura, eles em meados do século XX conseguiram organizar os saberes que ainda existiam. Hoje, faz parte da característica cultural e da economia tradicional de Rauma.
Vamos um café com bolo.



O interior estava cheio. Quase não achei mesa. As pessoas estavam mesmo refugiadas.
Duas finlandesas louras me atenderam, falando-me das guloseimas que ali havia.


Rauma se revelou um passeinho curto, despretensioso. Vê-se um casario de época e se senta para tomar algo.
Os ônibus de e para Turku saem a cada duas horas (1h20 de viagem), então já era hora de eu partir. Dá para fazer bate-e-volta tranquilamente. Rauma é bastante pequena, basicamente um centrinho histórico pitoresco onde passear — de preferência entre junho e setembro, com dias mais luminosos e temperaturas maiores. Quem sabe você vê a Semana do Rendado ou, pelo menos, dá mais sorte com a meteorologia.
Há atualizações cotidianas no site oficial de promoção da cidade, https://www.visitrauma.fi/en
Eu tinha de seguir para casa por ora. Um ferry até Estocolmo, e outras paragens mais além.




Ihhhh…Que cidadezinha fofa!… Parece de brinquedo infantil. Daquele com pedacinhos de madeira colorida que formava casinhas lindas e cidades.
Lindinha a cidade com suas casinhas de madeira coloridas, com seu belo museu e sua formosa Igreja de pedras coloridas. Uma graça. Interior charmoso e elegante.
Meu jovem, que ricas rendas. Uau. Adorei. Adoro peças rendadas, sobretudo feitas à mão. Belíssimas!… E associadas ao que parece ser linho, então mais elegantes e finas devem ser. Um achado.
E essas madeirinhas? São bilros? Ora ora. Se assim for se parecem com aqueles usados aqui no NE do Brasil para fazer o que se chama, aqui de renda de Bilros. Belas.
Curiosa e singular a cidade de casinhas de madeira.
Belo passeio. Adorei.
A Finlândia é uma grata surpresa. Belos recantos. E o Báltico sempre majestoso com suas águas claras, azuladas e mansas. Amo esses mares. São belíssimos.
Obrigada, jovem viajante pelo belo passeio. Valeu.