Cefalù é uma bela cidadezinha siciliana fundada aqui pelos gregos antigos à beira-mar ainda antes de 400 a.C., a 70 Km de Palermo.
Não se trata de um sítio de ruínas da Antiguidade à là Pompeia, mas de uma cidade atual — que foi recebendo adornos ao longo dos anos, fazendo-se Sicília e tornando-se Itália mais tarde.
Hoje, Cefalù é uma cidadezinha fofa e algo pacata aonde vir tomar um sorvete, conhecer uma linda catedral do romanesco siciliano de 1131, e olhar o mar (e, se quiser, nele se banhar). Ela é muito arrumadinha. Vê-se que tem prefeitura que funciona. É bem mais limpa — e também mais turística — que Palermo. Está para Palermo um tanto como Sorrento está para Nápoles.
Eu não vou me surpreender se alguns turistas menos afeitos à muvuca palermina escolherem pernoitar aqui em vez de lá. De toda forma, você pode vir fácil a Cefalù de trem (pela Trenitalia em trens regionais, com bilhetes comprados à estação no mesmo dia) para passar uma manhã, uma tarde ou um dia inteiro, a depender do tempo de que dispuser.
Eu vim passar uma tarde aqui, o que me foi suficiente para o principal.
Venhamos dar umas voltas.

Rumo a uma das cidadezinhas mais fofas da Sicília
A Sicília tem uma coleção e tanto de cidadezinhas fofas. São ricas em História, cultura e gastronomia, mas por qualquer razão ainda recebem bem menos atenção turística dos brasileiros que as suas equivalentes no centro-norte italiano.
Cefalù hoje tem menos 14 mil habitantes — bem menos que Siracusa, menos que Noto, e pouco mais que Taormina. Estando em Palermo e já tendo visto Monreale, eu resolvi vir cá passar uma tarde.
Vim após mais um café da manhã com Mariella, a anfitriã da pousada onde eu estava. Ela hoje tinha aparecido com a sua mais nova obra gastronômica siciliana: o bolo de chocolate de Módica, pelo visto famoso por toda a Itália. Não leva farinha, só ovo, manteiga e chocolate, então quem é celíaco pode comer.
Ela explicava sobre ele pausadamente, com a seriedade que mesmo os italianos mais jocosos conseguem ter quando estão falando de comida.


Vocês já sabem que não se faz relato completo sobre a Itália — muito menos sobre a Sicília — sem pontuar as coisas com comida.
Mariella, a dona da acomodação, e que me apelidava de “Google tradutor” por eu assisti-la no inglês com os outros turistas, logo estaria ali outra vez falando a eles sobre crema di nocciola (avelã), que ela traduzia como noodle cream (creme de macarrão). Eu já a havia corrigido no dia anterior, mas ela não aprendia. Cá estava com aquela gravidade explicando aos novos hóspedes — um jovem casal de alemães de Colônia— sobre o creme de macarrão, ao que eles reagiam com aquela cara de “ahã, não entendi mas beleza”.
Vamos a Cefalù. Os trens partem mais ou menos de hora em hora, e a viagem leva em torno de 40-60 min. No trem regional, custa meros 6 euros a passagem.
Lá estaria eu de novo a Palermo Centrale — a estação que, como a maioria das ferroviárias italianas, parece datar de um lapso quando os italianos tiveram alguma crise e esqueceram a boa arquitetura.


Em 50 minutos estaríamos lá, desembarcando com outros turistas em Cefalù num meado de dia não tão quente. O sol todavia brilhava, o céu estava azul, e o casario creme da Sicília contrastando com as muitas plantas que ali há.


Há praia aqui, mas o conceito de “praia” dos italianos é um tanto diferente do nosso. Eles tratam qualquer litoral pedregoso como “praia”. Eu não diria que vale ninguém sair do Brasil para vir tomar banho de mar aqui.
Ocupei-me, em vez de disso, das suas ruelas antigas, seu centro tão bem-arrumadinho com becos fotogênicos e mirantes. Por toda parte, algumas lojinhas simpáticas, barzinhos, restaurantes, e sorveterias vendendo granita (raspadinha típica siciliana).








Cefalù não é grande a ponto de você se perder, e há sempre o rochedo ali como referência — ele que junto com a geografia quase peninsular da cidade lhe deram o nome: Cephaloedium, de Kephaloídion em grego, lembrando que “cefálo” é cabeça. Virou Cefalù, pois os italianos modernos têm por hábito acarinhar os nomes, seja conscientemente ou não.
Como tantas outras cidadezinhas sicilianas, há um charme pacato — interiorano e mais pacato do que você imaginaria da Sicília — sem o fuzuê de turistas que se vê noutras partes do país.





Estando a cidade à beira-mar, este Mar Tirreno inevitavelmente dá o tom a Cefalù, com a brisa a adentrar seus becos e belas vistas que se têm desde o alto da catedral.
Caminhei na paz, tomando a minha granita de limão e pistache até ir parar na ampla praça do Duomo di Cefalù com suas palmeiras.

A medieval Catedral-Basílica de Cefalù e seu belo claustro
A Catedral-Basílica de Cefalù data de 1131, com a sua construção iniciada logo após a coroação de Rogério II como o Rei da Sicília. Eu falei dele na postagem em Palermo e de como ele foi o segundo rei normando, aqueles franceses do norte que tomaram esta ilha dos árabes.
Como vos disse, a típica arquitetura árabo-normanda amalgamaria elementos de ambas as influências, assim como dos bizantinos. É o caso de várias em Palermo assim como da Catedral de Monreale e desta contemporânea aqui.
Os percursos de visita à catedral são definidos por cores: azul, verde, e vermelho (o mais completo, o que inclui tudo). Impossível não fazer aqui uma viagem no tempo à época medieval neste Mediterrâneo, à era das Cruzadas e séculos seguintes.



Comecemos pela catedral propriamente dita, ela que ficou pronta em 1240.
A Catedral de Cefalù é um espetáculo. Neste período pré-Renascimento, toda a referência europeia de arte cristã vinha de Constantinopla, seguindo portanto o estilo bizantino.
Ela não chega a ser tão repleta de mosaicos por dentro quanto Monreale, mas lá está o característico Cristo Pantocrator novamente sobre o altar, envolto em pastilhas de ouro.




Vamos adentrar?



Se eu tivesse de compará-la às suas catedrais contemporâneas em Monreale e Palermo, eu diria que a presença do mar ali é o grande diferencial do entorno desta Catedral de Cefalù. É como se houvesse certa atmosfera mágica por vê-lo ali e pensar nas grandes navegações — primeiro do Mediterrâneo, depois dos oceanos.




Cefalù tem o mais antigo dos claustros sicilianos neste estilo de dupla coluninha sob capiteis integrados — repare de novo acima no estilo, é um esmero artístico do qual os sicilianos muito se orgulham. Ou repare novamente nas fotos abaixo. Tudo isso data do século XII.




Era um símbolo poderoso, ver aquelas árvores solitárias ali a tanto representar. Faziam o claustro muito pitoresco, e mostrando o que foi a expansão latina pelos mares — e, no devido tempo, pelos oceanos.
É interessante conceber um Mundo Mediterrâneo — como faziam os romanos antigos — sem a distinção excessiva, que fazemos hoje por causa da religião e nos níveis discrepantes de desenvolvimento, entre Europa e África.



Eu hoje tinha uma entrevista de trabalho a dar no fim do dia, e com isso não me demorei demais. Circulei, senti o mar, vi aqueles becos que só amamos na Itália (prova do romance no olhar de quem vê), e tomei o meu rumo de retorno a Palermo.

Epílogo: A Martorana
Breve lá estaria eu de volta à Via Maqueda em Palermo. Eu estava já no meu último dia, prestes a partir a outra parte da Itália no dia seguinte.
Quem viu a minha postagem inicial em Palermo talvez se recorde de eu ter falado na Igreja de Santa Maria do Almirante (Chiesa di Santa Maria dell’Ammiraglio), que não vi porque a encontrei fechada.
Pois bem, na manhã antes de ir embora eu fui lá e a visitei. Deixo vocês e a Sicília desta vez com ela, a esplendorosa e enfeitada igreja do romanesco siciliano do século XII.









