Meros 5 minutos de trem separam Monopoli de Polignano a Mare na costa da Puglia, extremo sul da Itália. Estamos numa região de grande influência grega desde a Antiguidade, quando os gregos efetivamente governavam isto aqui — antes de a região ser tomada por Roma.
Polignano está aqui desde esse tempo, habitada desde o século IV a.C. Tornou-se romana, mas os vínculos com a Grécia se mantiveram: aqui perto terminavam a famosa Via Ápia (de que lhes falei na visita a Lecce) assim como a Via Trajana, uma extensão da anterior feita posteriormente sob o imperador Trajano em em 109 d.C.
Todos os caminhos levavam de Roma à Grécia — e ao mundo Mediterrâneo, à África, ao Oriente que se conhecia à época.
Hoje, Polignano retém muito das paredes brancas no casario antigo e simples à beira-mar, cercada por rochedos como num produto de outro tempo, ainda que no seu interior circulem turistas.
Dentre eles, são muitos italianos que vêm casualmente conhecer a cidade natal de Domenico Modugno (1928-1994), um dos principais cantores italianos do século XX, autor do clássico “Vooolaaaare ô ô…“.


Um fim de tarde em Polignano
O sol se contorcia para deixar seus raios pintarem o céu azul quando eu desembarquei em Polignano. Não havia, é verdade, lá muito tempo, mas Polignano tampouco requer demais. A cidade, relativamente pequena, é quase um charminho na costa do Adriático.
Eu caminhava pelo fim da tarde com aquele ar latino dos finais de tarde: pessoas nas ruas, homens aposentados sentados a prosear, e aquele certo frisson de energia social com o findar do dia.
Carros passavam, gentes tomavam sorvete, e eu seguia breves quadras desde a estação ferroviária ao centro histórico — a cidadela, ainda com portais se não portões, à beira-mar onde as ondas se quebram às rochas. Há algo de rústico aqui em Polignano.




Eu já lhes falei sobre como, naquele século XVI, o Mediterrâneo estava tenso. Havia uma ameaça em ascensão na forma do Império Turco Otomano, que já havia tomado Constantinopla em 1453, dominava muito dos Bálcãs, e não parecia disposto a parar ali.
No ano anterior à restauração destas muralhas, em 1529, o sultão Suleiman, o magnífico, já havia tentado tomar Viena, na Áustria. Sitiaram-na, falharam, mas voltariam. Todo aquele século XVI seria marcado por receios de assaltos turcos também por mar — ao menos até espanhóis e italianos os derrotarem na crucial batalha naval de Lepanto em 1571.
Vale lembrar que toda esta metade sul da península italiana era à época o Reino de Nápoles, subordinado à época à coroa da Espanha.

Eu, entretanto, não entrei de pronto.
Primeiro, quis “bater ponto” tomando um sorvete na Bella Blu, uma das gelaterias bem-quistas por aqui.
Segundo, eu quis contornar o centro histórico e ir ver seus entornos rochosos antes que o sol se pusesse. É também naquele exterior com vista para o mar que fica a fotografável estátua de Domenico Modugno.
Passa-se uma ponte — a Ponte Bourbônica (não confundir com bubônica), ou Ponte Borbonico em italiano, erigida sob a governança da dinastia de Bourbon lá na Espanha durante a década de 1730 — com vista impagável por sobre a pequeníssima enseada que dantes, no medievo, os árabes usavam como refúgio quando dominaram esta região. Hoje, é uma prainha entre rochas que os italianos chamam de Lama Monachile.





É do outro lado que há uma ampla praça com a estátua de Domenico Modugno e escadarias que descem até os rochedos onde as breves ondas do mar quebram.
Você aí no Brasil talvez nem imaginasse isso, mas os italianos chegam quase a fazer fila para tirar foto com a imagem de Domenico Modugno. Seria como se fosse uma estátua de Roberto Carlos no Brasil. Foi difícil encontrar uma janela de oportunidade com ela sozinha para tirar foto.

Falando nos italianos, era engraçado como as pessoas aqui me tomavam por italiano. E era daquele jeito bem italiano, informal — nada de “com licença” nem “por favor“, mas já ia perguntando “Você sabe de tal coisa?“. Não sei se é só no sul. Na Europa eu me desacostumei a encontrar isso, mas tem um lado de mim que gosta dessa intimidade.
Acho que só aqui em Polignano foram umas três pessoas me pedindo informação. Eu pelo visto tenho cara de pugliês, aqui da região. O detalhe é que eu quebro o galho, mas não sou fluente em italiano. A conversa dura até a segunda ou terceira frase, o que costuma ser o suficiente.
Desci as escadas naquele crepúsculo, desde a praça de Domenico Modugno até as vastas rochas lá embaixo, onde você pode caminhar até bem perto do mar. É uma área rústica, natural, onde algumas pessoas tiravam fotos, aproveitavam para contemplar a paisagem, ou ficavam simplesmente juntinhos ali esperando o sol se pôr (ainda que ele aqui se ponha atrás da cidade, já que o mar é virado para o nascente).




Eu vim, vi, e subi. Circulei a tirar fotos, uma italiana me interpelou com um “Siete di qui?” (Você é daqui?), e diante da negativa ainda comentou em italiano algo que não entendi.
Escurecia, e era hora de eu circular um pouco pelo interior de Polignano em busca de um lugar onde jantar.
Polignano se revelaria uma cidade charmosa também por dentro. Pequena, com algumas pracinhas, vistas para o mar em alguns cantos, e ruelas com calçamento de pedra onde sobretudo turistas italianos circulavam.



Você nota que não é um lugar hiper-movimentado, mas tem alma. Há estes recantos mais badalados, mas bastava virar uma esquina e eu já me encontrava sozinho com as casas. Ou seguia um beco mais adiante e ia parar num mirante diante do mar.


Por essa praça com oliveiras e casas brancas eu passei diversas vezes. Alguns pequenos grupos sentavam-se às mesas, e se ouvia o burburinho junto com o tilintar de copos e de talheres nos pratos.
Eu quis aguardar um restaurante que estava bem avaliado abrir, o Mint Cucina Fresca, mas à hora me informaram que ele já estava previamente todo reservado. Fica entretanto a dica.
Acabei por seguir caminho. Apenas meia-hora de viagem de trem me separavam de Bari, onde eu estava hospedado — e da qual eu finalmente lhes falarei melhor no próximo post.
À saída, ainda me recordo de um homem pouco mais velho que eu — com mulher, carrinho de bebê, e outra criança por perto — perguntando-me de supetão para que lado ficava a estátua de Domenico Modugno. Depois me dei conta de que, sem querer, enviei o homem ao lado contrário de onde ficava a estátua. Ops.


