(Este será um post longo.)
Esse na foto não é o Teatro Amazonas, é o Palácio Rio Negro, a antiga sede do governo amazonense. É que Manaus tem coisas que nós, meros mortais de fora da Amazônia, nem sempre imaginamos. Há mais entre o céu e o rio do que supõe a nossa vã filosofia.
Que prazer é descobrir das comidas típicas, lugares, belezas e história desta capital do Amazonas — subestimada demais e conhecida de menos por nós outros brasileiros. Estando aqui pela primeira vez, tantas foram as coisas novas que eu quase me senti (deliciosamente) num outro país, num outro Brasil. De que muito gostei, diga-se de passagem.
Manaus é quente, pois. Ora, estamos praticamente à linha do equador, (ainda) circundados por floresta equatorial, embora de dentro da cidade não se veja. Hoje, seus filhos se misturam — os naturais e os adotados. Indígenas têm aqui o primeiro restaurante brasileiro de comida nativa, em soma aos outros tantos de comida cabocla. Adotados europeus fizeram das suas, heranças muitas que permanecem do tempo da borracha. E refugiados venezuelanos, hoje, marcam as ruas.
Eu não posso dizer que vi tudo de Manaus, mas senti seu gosto. Divido com vocês aqui os cheiros, sensações e sabores, além do que eu vi — e, meninos, eu vi. Vim, vi, e aprendi.

O Aeroporto: Chegando a Manaus
Passei por aquela coisa odiosa do ar condicionado de frigorífico do Aeroporto de Brasília, e vim desembarcar no verão amazônico. Sim, a Região Norte funciona em grande medida como o hemisfério norte, e tem o seu verão entre junho e novembro. Época seca e quente, enquanto que de dezembro a maio caem as chuvas. Vale planejar-se de acordo.
Desembarquei e logo me vi circundado de coisas típicas — camisas coloridas, bibelôs exaltando a fauna amazônica, artesanato indígena, e tantas guloseimas a provar. Doce de cupuaçu era a ponta do iceberg.
O Aeroporto de Manaus é arrumadinho, ainda que exale certa aura dos anos 90 na sua construção. Fica a 15 Km do centro da capital, o que não é muito distante.
Tomei um veículo com a típica figura do tio motorista que se informa pelo WhatsApp — peça comum Brasil afora. Foi me contando divertido sobre como aqui “teeeeem” carapanã e “tem também pium, maruim, e mutuca preta“.
A quem não reconhece os nomes, todos esses são bichos pequenos que mordem. “Mas aqui dentro da cidade não“, foi ele logo tergiversando, dizendo ter se referido ao interior do Amazonas.
De fato, as paranoias típicas sobre precisar de repelente por medo das doenças amazônicas se mostraram infundadas aqui (já se você for fazer passeios na selva, aí é outra história). Manaus é uma cidade bastante urbanizada e com mais de 2,3 milhões de habitantes, afinal.
Eu logo estaria entregue à minha pousada no centro da cidade num ensolarado meio-dia de domingo.

Contatos imediatos
Chegar à hora do almoço oferece a vantagem de começar a visita já pela boa-mesa. Porém, todo domingo de manhã ocorre em Manaus uma feira de artesanato na Av. Eduardo Ribeiro, e eu não quis perder a oportunidade.
Fui lá pelas ruas vazias, aquele jeitão que quase toda cidade brasileira tem aos domingos no centro, a solina no céu, o asfalto quente, e você a olhar para ver se não vem ladrão. Manaus não foi diferente, seu calor tropical volumoso que me faria entrar um pouco numa C&A — sólita loja aberta — apenas pelo ar condicionado, e barracas já fechando na Eduardo Ribeiro.
Eles costumam ir embora entre as 13 e 14h, mas foi o suficiente para alcançar ainda vários vendedores que toleravam o sol de meio-dia do Amazonas.

Viam-se prédios feios, como os de tantos centros de cidade do Brasil, mas se viam também prédios bonitos, de arquitetura colonial portuguesa.
Chamou-me a atenção um grafite num alto prédio mostrando os profissionais de saúde que estavam na linha de frente no suplício que a cidade viveu. Eu me perguntava o que eu sabia mais de Manaus, além dessa história recente e de uma coisa ou outra sobre o seu passado, além de generalidades amazônicas. Não muito, mas isso seria reflexão para mais tarde.
Agora, após dar com uma catedral fechada e desabrigados à praça, era hora de comer — comer coisa típica, assim logo um tambaqui de banda, que é para começar Manaus em tom maior.




O tambaqui de banda é o prato e o restaurante também (@tambaquidebanda). Não é onde se comer todo dia, mas vale esbanjar pelo menos uma refeição aqui durante a estadia.
Tomei um suco de cupuaçu que me avivou o espírito naquele calor, antes de lavar a égua. Havia música ao vivo, daquelas de domingo de tarde Brasil afora, que talvez eu dispensaria, mas que não deixou de dar autenticidade à atmosfera.
Aquele lugar onde eu estava, a praça do imponente Teatro Amazonas — formalmente conhecida como o Largo de São Sebastião — logo se revelaria o coração turístico manauara.

Manaus, uma cidade europeia no equador?
Essa foi ao menos a pretensão de alguns. Permitam-me uma breve pausa para dar um pano de fundo sobre Manaus.
O nome “Manaus” advem dos indígenas Manaós, que habitavam esta região antes da vinda dos portugueses nos idos de 1700. Sim, note que a instalação portuguesa aqui foi quase dois séculos mais tardia que aquela na costa do Brasil. A Capitania de São José do Rio Negro só viria a ser criada em 1755, mais de 200 anos depois das capitanias costeiras.
Claro, ibéricos outros já haviam passado por aqui antes, o mais famoso deles o castelhano Francisco de Orellana (1511-1546), primeiro branco a navegar todo o curso do rio Amazonas de cabo a rabo, em 1542. Foi ele, inclusive, quem batizou o rio com esse nome. Após lutar contra uma tribo indígena onde as mulheres guerreavam lado a lado com os homens, evocou o mito grego das amazonas no seu relato.

Aquelas pessoas não desapareceram, e se acredita ser o povo Waikana (também chamado Pira-Tapuia) lá no Alto Rio Negro, na região conhecida como Cabeça do Cachorro (pelo seu formato no mapa, ver abaixo), onde o Estado do Amazonas encontra a Colômbia.
Rio Negro, por sinal, também foi nome dado por Orellana, pelas óbvias águas escuras desse curso. É ele quem banha Manaus, não o rio Amazonas.
Aliás, eu me dei conta de que a grande maioria das pessoas não sabe muito bem como se forma o maior rio do país — e, de acordo com certas medidas, também do mundo.
As águas do rio Amazonas surgem nos Andes, mas ele só ganha propriamente esse nome depois de Manaus, quando o rio Negro (que aqui passa) encontra o rio Solimões. Juntos, eles formam o imenso Amazonas. As águas percorrem um total de quase 7.000 Km até desembocar no Atlântico.


Mas voltemos ao pano de fundo com a “europeização” de Manaus…
Em 1659, funda-se aqui um centro de missionários carmelitas para ter com os índios, e a 1669 se constrói o Forte de São José da Barrra do Rio Negro — “Barra do Rio Negro” sendo um nome que Manaus levou até o século XIX.
A presença europeia aqui à época era minúscula, entretanto. As margens de rios na Amazônia eram densamente povoadas por índios, como atestam os escritos do frade dominicano Gaspar de Carvajal (1500-1584), que viajou rio abaixo com Orellana.
Até os idos de 1700, havia milhões de índios na Amazônia, mas eles foram dizimados por doenças até então ausentes das Américas, como varíola, febre amarela, malária e sarampo. Sem qualquer imunidade adquirida a essas moléstias que lhes eram desconhecidas, os índios padecem mais que os outros.
Em 1723, dá-se a Guerra dos Manaus, quando o cacique Ajuricaba obtém armas de fogo dos holandeses no Suriname e lidera os Manaós em revolta contra as missões portuguesas na Amazônia. O problema era menos as missões e mais o fato de os portugueses capturarem milhares de índios como escravos, eles que foram “carne vermelha” da máquina econômica colonial portuguesa antes de a “carne negra” ganhar preponderância depois de 1700.
A norma era de que os índios deveriam ser convertidos, não escravizados — exceto se fosse em “guerra justa”, então os colonos sempre arrumavam pretexto.

Note como é relativamente recente tudo isso. Figuras do Brasil Colônia, como o poeta Gregório de Matos e o Padre Antônio Vieira, há muito já haviam morrido quando esse confronto se deu.
Dona Maria, a louca (1734-1816), mãe de D. João VI, que o acompanhou na vinda da família real ao Brasil em 1808, já era nascida quando os portugueses conseguiram ganhar o controle do que é hoje Manaus, e ela já era mulher feita quando a Capitania de São José do Rio Negro foi finalmente criada (1755).
Dizem que Ajuricaba se suicidou no rio quando os Manaós foram derrotados, recusando-se a servir de escravo. Sucederia-se aí a conhecida miscigenação brasileira sob a égide portuguesa.
Eu não vou entrar nos pormenores do Ciclo da Borracha, mas tampouco é possível entender Manaus sem falar dele.
Século XIX, a Europa e América do Norte se industrializando. Todo mundo pensa na locomotiva, nos navios a vapor, nas máquinas movidas a carvão e depois petróleo — tudo com muito aço e combustível fóssil —, mas poucos se dão conta de que é impossível a sociedade urbana atual funcionar sem borracha.
Já imaginou os fios elétricos da cidade todos desencapados?
Já imaginou os automóveis — e aviões — sem pneu de borracha?
Os indígenas já usavam o látex, produto nativo amazônico, desde aqui até o atual México, onde os mayas já tinham seu “jogo de bola” com bola de borracha. Os europeus ficaram fascinados — e intrigados — como aquilo quicava.

Breve haveria uma corrida pelo extrativismo dessa matéria-prima, fazendo de Manaus uma metrópole dos negócios. A demanda mundial por borracha a partir dos idos de 1870 só crescia.
Os estrangeiros é que controlavam o grande capital, sobretudo ingleses e germânicos. Dizem que esses “barões da borracha” ficaram tão ricos que suas mulheres aqui tomavam banho em banheiras cheias de champanhe.
A elite local, mui inspirada pela França naquela virada do século XIX para o XX, quis então fazer Manaus uma “Paris dos trópicos”. Daí vieram as obras, sendo o Teatro Amazonas a principal.



As vacas gordas por aqui acabaram por obra de um inglês, Henry Wickam (1846-1928), que traficou sementes de seringueira para a Inglaterra e, de lá, às colônias britânicas na Ásia. Eles não queriam ficar dependendo do Brasil para aquele recurso que de repente havia se tornado essencial.
Foi uma biopirataria avant la lettre. Tentaram implantar a borracha no atual Sri Lanka (Ceilão), mas os srilanqueses haviam acabado de plantar chá (também por obra britânica, depois que o café lá deu praga), então foi na Malásia, à época colônia britânica, que a borracha viria a ser produzida em massa — logo espalhando-se também à vizinha Indonésia. Seria só o tempo de esperar as seringueiras crescerem para começar a produzir.
Manaus — e Belém — perderiam preponderância já a partir da década de 1910, sofrendo também descaso do governo brasileiro pela chamada “política do café com leite”, que privilegiaria os interesses das elites agrárias do Sudeste até o fim da República Velha em 1930.
Em 1945, criou-se a borracha sintética — para os países ricos diminuírem ainda mais a sua dependência de recursos dos países periféricos. O setor tomaria um baque ainda maior.
Porém, vale dizer a vossas senhorias que a borracha natural segue sendo insubstituível em certas aplicações. Instrumentos hospitalares e pneu de avião, por exemplo. Só a borracha natural aguenta aquela pancada do pouso. Hoje, segue havendo produção no Brasil como na Ásia, um mercado valioso, mas não mais aquela febre.
O Teatro Amazonas permanece aqui como legado de uma época outra, e acaba funcionando como centro espiritual turístico de Manaus. Vamos agora dar umas voltas, começando por ele.



Visitando o Teatro Amazonas
Não há como vir a Manaus e não fazer o tour guiado pelo interior do Teatro Amazonas. Afora a possibilidade de assistir a alguma peça, já que ele segue funcionando, a visita guiada de 40-45 minutos é a maneira de visitá-lo por R$ 20 (a inteira).
O teatro abre para visitas de terça a domingo das 9-17h, e os tours saem a cada 45 minutos. O ideal é chegar à portaria um pouco antes e já garantir seu ingresso, pois às vezes fecha um grupo e você descobre que só terá vaga para dali a duas horas. Os horários exatos você só consegue na portaria, e que me conste não é possível reservar pela internet.
O monumental teatro é um amálgama de produtos europeus e símbolos brasileiros. As escamas da cúpula foram trazidas de Estrasburgo, na Alsácia, mas exibem coloridos tipicamente tupiniquins, com a imagem da bandeira.
O mármore no interior é de Carrara, e a armação de ferro escocesa foi desenhada por ninguém menos que Gustave Eiffel, o qual havia acabado de inaugurar sua torre em 1889 em Paris. Em 1896, terminava-se o Teatro Amazonas nesta visionária Paris dos Trópicos.



Todo o projeto foi inspirado na Ópera Garnier em Paris. Cabem 701 espectadores, e o teatro hoje conta com amenidades modernas tipo ar condicionado, que não havia na época da inauguração.

Ao visitar, fomos logo acolhidos por um dos universitários estudantes de turismo que trabalham aqui como guias. Ele foi nos contando da história do teatro e sua construção com o dinheiro da borracha sob o bem-quisto governador Eduardo Ribeiro — que hoje se convencionou chamar de “primeiro governador negro”, mas que era um maranhense mestiço.
Vieram não só materiais da Europa como também artistas europeus a pintar obras com motivos brasileiros. O principal dele foi o italiano Domenico de Angelis (1852-1904), que cuidou da decoração interna junto com o brasileiro Crispim do Amaral.



Afora o salão principal de espetáculos, você visita um camarim, os corredores, e o belo salão nobre do Teatro Amazonas, onde a elite da época se reunia para fazer a social e se sentir na Europa.

A Europa, então em plena belle-époque de inspiração francesa, relatava com requintes tal presença de riqueza e estirpe em pleno coração amazônico. Falavam seus jornais à época sobre Manaos, que é como se escrevia — herança dos Manaós. Daí ainda hoje a cidade ser abreviada como MAO (que é, inclusive, o código do seu aeroporto).



A Manaus indígena nas suas raízes
Houve uma capa europeia que é indelével no DNA histórico de Manaus, mas não resta dúvida de que o sangue que corre em suas veias é predominantemente indígena. Tanto o biológico quanto o cultural.
Você circula e vê tantas daquelas lindas moças de madeixas negras, o predomínio das feições indígenas. Caminha até o Mercado Municipal Adolpho Lisboa — feito, segundo dizem, inspirado na Galleria Vittorio Emanuele II em Milão — e sob a (bela) casca arquitetônica de inspiração europeia encontra um mundo gastronômico amazonense que é essencialmente autóctone.
Aliás, comer bem aqui em Manaus é fácil, e há um mundo de coisas a descobrir e experimentar.

Sob o calor amazonense, você circula no que é um mercado bem organizado. As duas laterais são uma ala de peixes e outra de carnes, ambas com lanchonetes perto. No centro do mercado, dezenas de bancas com souvenirs, artesanato, e guloseimas amazônicas. Ao fundo do mercado, a saída para a rua à margem do rio Negro, onde estão as balsas.
Entrei e vi enormes pirarucus secos, várias garrafadas de medicina natural, e a ampla área de artesanatos onde turistas passeavam.
Não há como tomar pé de tudo, mas com 1-2h você se sentirá satisfeito. Evite as horas de maior calor, e aproveite para lanchar uma típica tapioca caboquinho — que leva queijo coalho, banana pacovã (banana-da-terra) frita, e tucumã cortadinho, este que é um fruto de palmeira amazônica.
Eu perguntei a uma manauara que gosto tucumã tinha, e repito a resposta que ouvi: “Não é nem doce nem salgado“, acompanhada daquele olhar de quem diz “só provando”.
Explicar gosto é complicado, mas ele lembra um coquinho, aquela textura e oleosidade de outros frutos de palmeira como o licuri ou a pupunha. A vendedora, nesse dia, chegou a comentar comigo que “o nosso tucumã hoje tá ótimo, bem docinho“.


Tudo isso foi acompanhado de um bom suco de taperebá, que é praticamente o mesmo que cajá, só que com uma brevíssima diferença, equivalente à que há entre tipo diferentes de manga. Se bobear, você nem nota.




Há de tudo, desde mel de qualidade e maravilhosos doces de cupuaçu até produtos engana-trouxa. Não são do Paraguai, mas do Peru. Nada contra, contanto que seja verídico, o que nem sempre é o caso.
Vi por exemplo uma garrafeta que falava no “sangue do dragão”, com uma foto daquela árvore endêmica lááá da ilha de Socotra no Iêmen. Perguntei ao tio onde acharam disso aqui na Amazônia. “Vem lá do Peru“, respondeu ele com ar cabreiro, “lá eles têm“. Tá certo. Eu também tenho uma no quintal de casa.




Todo mundo no Brasil a esta altura já ouviu dizer que o açaí que se toma por aí é um sorvete, um massa gelada batida com banana, açúcar e às vezes extrato de guaraná (outro produto amazônico), e que não é exatamente o açaí de verdade.
Não quer dizer que eles aqui não tomem nem sirvam do chamam de açaí frozen, mas você encontra também do açaí puro e autêntico assim — sem açúcar — para tomar na cuia.
Eu não vou lhe dizer que me maravilhei, mas vale experimentar. O gosto de açaí é igual, só que mais apurado e sem doce. Aquele roxo sabor de terra na sua boca. Adoro.


Eu acho fascinante como a gastronomia sempre é dos elementos culturais mais persistentes. Séculos de colonização estrangeira — morticínio, genocídio cultural, tentativa de se impor uma estética europeia — e ainda assim vinga a tradição amazônida à mesa, com muita farinha de mandioca, peixes, açaí e outras frutas.
Tudo aqui carrega o elemento indígena, mas se você quiser algo mais “de raiz” ainda, visite o Biatuwi (@casadecomidaindigenamanaus), o primeiro restaurante de comida indígena do Brasil. É organizado pelos próprios indígenas de acordo com suas tradições.
O restaurante fica anexo ao Bahserikowi (@centrodemedicinaindigena), um centro de medicina indígena com atendimento por pajés e tudo o mais. (Aí você vai saber quais ervas tomar e o quanto, em vez de sair comprando na doida.)
As pessoas — todos indígenas — são de uma simpatia incrível.


Aliás, conversando com os manauaras eu muito descobri de coisas de que pouco fazia ideia.
Aprendi, até recentemente, não se ia daqui à praia no Nordeste mas na Venezuela, chegando de carro até o Caribe.
Aprendi que cachorro-quente aqui é kikão, e que geladinho ou sacolé é din-din.
Aprendi também que futebol e Carnaval aqui são café pequeno, talvez símbolos de um outro Brasil, e que neste lado do país as emoções, festas e lealdades afetivas estão mesmo é com o Festival Folclórico de Parintins, onde o bumbódromo (adorei esse nome) recebe a nação vermelha do boi garantido e a nação azul do boi caprichoso frente a frente todo fim de junho. (Eu já pus na minha agenda.)


Umas voltas pelo centro de Manaus: Entre o sagrado e o profano, as pessoas
A menos que você seja do tipo que passa o dia no hotel ou esteja disposto a depender de Uber para tudo, o centro é minha recomendação para onde se hospedar em Manaus. Há pousadinhas aconchegantes e hoteis-boutique.
Agora, tomai nota de que há dois ambientes distintos no centro de Manaus. Há o centro mais arrumadinho, das imediações do Teatro, e o centro mais baixaria, no entorno da catedral e ladeira abaixo rumo ao rio.
Aí foi engraçado que, na viagem de barco quando parti aqui de Manaus, conheci um paulista que também havia ficado no centro, só que teve uma experiência bastante diversa da minha.
Eu fiquei perto do Teatro, onde no seu Largo de São Sebastião eu passeava diariamente. O nome acompanha uma igreja ali de mesmo nome, ou quase: é a Igreja de São Sebastião e São Francisco, uma combinação que eu não havia visto antes. Pouco atraente por fora, mas magnífica no seu interior.
Todas as quartas à noite, há música no largo.




É lindo; o único porém fica por conta do abafamento dentro dessas edificações projetadas ao modo europeu e nada compatíveis com o clima equatorial amazônico. Você logo pede arrego com a falta de ventilação e retorna às ruas.
Descendo às praças do centrão propriamente dito, rumo à margem do rio, encontrei a Catedral de Nossa Senhora da Conceição e todo o seu entorno mais “povão”, semelhante a tantas outras cidades brasileiras. Ali você tem o comércio, uma abundância de mendigos, e também as mulheres da vida fazendo ponto. Foi onde o paulista se hospedou.
“Tu ficou foi nas praças das putas“, vaticinou — muito mais direta — uma jovem amazonense de feições indígenas que eu e ele encontramos no barco.
Num bordejo por lá, em alcovas antigas e decrépitas que pareciam não ver restauro desde o tempo da borracha, homens dançavam alegremente com companheiras de hora ao adequado som alto de Leviana, Reginaldo Rossi. Parecia cenário de algum romance de Gabriel García Márquez.



Deus chaven soy
Você entra numa padaria de esquina, ou que não seja de esquina, e pede um x-caboquinho — a versão no pão daquela tapioca manauara que lhes mostrei, com banana, queijo, e tucumã.
Deparei-me com inúmeros venezuelanos, seja atendendo nessas lanchonetes ou fazendo as vezes em agências de turismo na rua. Ou ainda mendigando, juntos aos irmãos brasileiros na infelicidade. Não acho que vou esquecer a mulher de ar desolado que, sob o sol manauara no semáforo, carregava um papel Deus chaven soy, acompanhada de um homem excepcional que a seguia.
Manaus tem dessas vicissitudes.



Passando por ruas nem sempre muito limpas, eu acabava por retornar à imediações do Teatro Amazonas, onde há bons lugares onde comer.
Num deles, Delícias da Marlene, surpreendi-me de ver um tanto de pratos comuns à Bahia — caruru, vatapá, e até acarajé. Baianos como eu terão um certo choque anafilático ao se deparar com o vatapá fino daqui, de farinha de trigo e feito um mingau cremogema, mas respeito às diferenças é fundamental. Como é que está a tônica mesmo? “Unir-se aos divergentes para enfrentar os antagônicos”, que são as pseudo-comidas industriais.
À porta, Marlene ela própria — com ar de ser daquelas mulheres que não levam desaforo e, pelo contrário, disparam desaforos quando necessário — dava uma baixa num homem que falava alto ao celular numa mesa à porta, acompanhado de um rádio tocando música do boi garantido. “Fala baixo aí, rapaz! Parecendo que tá na feira. Já basta essa música aí.”
Vão me perguntar por que é que não fui em vez disso almoçar no Manauara Shopping, belo, higiênico, e com fragmento de floresta nativa no seu interior, mas é que eu gosto de conhecer a autenticidade dos ambientes públicos.
Fiquei devendo também a Ponta Negra, uma praia artificial de rio que fizeram (e que “fecha” às 17h, quando dá lugar à folia do calçadão). Fica um pouco longe, 11 Km do centro, e ao fim da tarde os motoristas de Uber não quiseram me levar.
Acabei por retornar ao Largo do teatro e conhecer uma pastelaria portuguesa onde tocava fado no interior, e que logo percebi ser autenticamente portuguesa quando comentei em voz alta que seria talvez Amália Rodrigues e fui prontamente corrigido pela senhora detrás do balcão: “Não é ela que está a cantar; esta é a Marisa.” Era uma casa portuguesa, com certeza! Nenhum brasileiro faz retificações tão rápidas. E, de fato, acho que os lanches não desapontariam nenhum lisboeta.
Para não dizer que não falei do tacacá, digo que já tomei dele em abundância no Acre, vocês podem ver lá na postagem, e eu não sei assim se virei muito fã. É um gosto que se adquire com o tempo, talvez. Ou não.
Tranquedo (escrito assim mesmo) no último dia me levaria às balsas. O famoso encontro das águas entre os rios Negro e Solimões, um dos programas turísticos principais aqui de Manaus, eu veria no meu barco até Santarém. Escolhi viajar de rede, e teria tempo com o rio. (Quem não o quiser, pode contratar n’alguma agência o passeio só para ir ver o encontro das águas 20 Km rio abaixo e voltar.) Eu escolhi esperar, e logo veria o rio Amazonas formado em toda a sua pujança.
Até a próxima, Manaus.



Ihhhhh que maravilha, meu jovem amigo viajante brasileiro. Que beleza essa equatorial e e fluvial capital amazonense. Não a conhecia. Cheia de belos artísticos e históricos edifícios, primorosamente conservados.
Que espetáculo!….
Encantei-me pelo Teatro Amazonas, que ja conhecia através dos livros. Nada como apreciá-lo através das lentes, olhar e fotos do viajante brasileiro, que, como sempre, posta as belezas com o coração.
Maravilha.
Amei os estilos arquitetônicos, a graciosidade das formas cores tons dos diversos edificios e monumentos.
O Teatro Amazonas é soberbo, magnífico, requintado, luxuoso nas suas manifestações artísticas , e culturais, sobretudo nos seus interiores. Ao que parece não deixa a dever para seus congêneres europeus.
Fiquei feliz com a homenagem prestada ao grande e pouco conhecido Maestro Carlos Gomes, em particular pela sua ópera o Guarani, levando através dos seus brilhantes acordes, até o grande público, a significativa obra de outro grande nome, dessa vez da Literatura Indigenista brasileira: o conceituado escritor cearense, José de Alencar, poeta escrevendo em prosa, sobre o amor de Pery, Chefe dos Goitacazes e Cecy , fila dileta de um conquistador branco, português, D. Antonio de Mariz.
A História da bravura do jovem chefe Goitacáz se passa às margens do Rio Paquequer, um pequeno afluente do Rio Paraiba , nas vizinhanças do Estado do Rio de Janeiro.
Hoje onde se situaria a aldeia da tribo de Pery, filho de Araré, 1º de sua tribo, como ele se apresentava, se encontra a cidade de Campos dos Goitacazes, às margens do imponente Rio Paraíba , no estado do Rio de Janeiro.
Maravilha esse teatro. Amei
Nota: o rio hoje se chama Paraiba do Sul. Alencar o chama de rio Paraiba, na sua obra.