Eis Luxemburgo, pitoresca cidade medieval capital do país de mesmo nome — um pequenino país europeu que muitos no mundo nem sabem que existe.
Mal sabem que é um lugar podre de rico, um paraíso fiscal no seio da Europa, mas que preserva bem o seu legado histórico. Neste caso, um legado sobretudo medievalesco, nesta interface entre as culturas francesa e germânica.
Fazia já quase uma década desde a minha vinda anterior, a qual havia sido algo meio deprê, em pleno outono nas vésperas de Natal e com o tempo todo nublado e chuvoso. Eu tampouco estava nos meus melhores dias, mas me diverti tomando feuerzangenbowle (como não, com um nome assim?) e encontrando brasileiros à época do Ciência sem Fronteiras no albergue. As histórias todas você lê lá naquela postagem.
Eu agora vinha noutro tempo, noutro universo. O rio já não era o mesmo, nem o homem. De quebra, agora era verão — fim de verão, é verdade, em pleno setembro, mas um luminoso e caloroso, que dava a Luxemburgo um astral muito diverso daquele que eu vira quase 10 anos atrás.



Luxemburgo, o condado medieval
Luxemburgo não é uma entidade nova; pelo contrário, sua história remonta a mais de mil anos, quando em 963 o Conde Siegfried (933-998) adquiriu estas terras.
Ele era um dos muitos descendentes do imperador Carlos Magno (747-814), que uniu estas terras bárbaras do que são hoje França, Bélgica, Holanda, Alemanha e norte da Itália sob uma só coroa.
Poucas gerações depois, as terras voltariam a se dividir, em tempo com um Reino de França de um lado e um vasto — e descentralizado — Sacro-Império Romano Germânico do outro. Formava-se aquilo que tanto aprendemos sobre a Europa medieval: que era uma colcha de retalhos de senhores feudais (condes, barões, duques) com potentados locais praticamente autônomos.
Assim foi o Condado de Luxemburgo, estabelecido lá no século X em torno do que se dizia ser uma velha fortificação romana que os germânicos chamaram Lucilinburhuc.

O condado viria a ser elevado a ducado em 1353, sempre como parte do Sacro-Império Romano Germânico — que Voltaire depois diria que não era um império, nem germânico, nem de maneira alguma sacro.
Não se tratou de mera elevação de status, mas também de uma ampliação destas terras de Luxemburgo, que passaram a abarcar condados vizinhos (como Vianden, que nós depois iremos conhecer).
A grande diferença de Luxemburgo para os tantos outros feudos é que ele permaneceu independente. Claro, Napoleão tentou tomá-lo para a França, como depois tentaria Hitler anexá-lo à Alemanha. Quando se formou a Bélgica em 1830, parte das terras foram para aquele reino, mas parte ficou aqui como o atual Grão-Ducado de Luxemburgo, uma espécie de tampão para aliviar as tensões de fronteira entre franceses e alemães.
Hoje, como franceses e alemães após a Segunda Guerra resolveram se dar as mãos para guinar uma Europa unida, Luxemburgo veio uma luva, um lugar neutro onde puseram a Corte Europeia de Justiça e o secretariado do Parlamento Europeu. Com a indústria financeira, tornaria-se também fabulosamente rico.




Luxemburgo num domingo de verão
Era domingo quando aqui chegamos eu, Jeanne e Max (meus amigos, um casal loreno respectivamente de Nancy e Metz). Vir a Luxemburgo a partir de Metz é aquele bate-e-volta típico para eles, mera 1h de estrada ou de trem, perto o suficiente para as pessoas utilizarem o aeroporto internacional de Luxemburgo em lugar de ir a Paris.
A cidade estava quieta, como é de praxe no mundo europeu, sobretudo pela manhã. Às vezes eu tenho a impressão de que as cidades europeias só acordam às 10h e só começam a funcionar ao meio-dia.
Chegamos já perto da hora do almoço, quando começava a haver um breve burburinho nas praças do centro moderno e os residentes católicos participavam da missa na Catedral de Notre-Dame de Luxemburgo.
Há uma beleza mundana típica europeia neste centro de Luxemburgo, um certo lugar-comum do que se encontra também por dezenas (se não centenas) de cidades Alemanha afora como na Bélgica, Suíça, e demais países próximos.




É um tanto como se, realmente, Luxemburgo sintetizasse o espírito europeu deste tempo de União Europeia.
Tudo isso é a chamada Cidade Alta, que se contrasta com a Cidade Baixa lá às margens do rio.
A Catedral de Notre-Dame veremos depois, quando a missa acabar, mas você já pode passar a vista no Palácio do Grão-Duque (Palais Grand-Ducal). Como o grão-duque segue sendo o chefe de estado de Luxemburgo, ainda que haja um parlamento democraticamente eleito, sua morada não é museu, mas residência oficial.
Já não era mais aqui o caso, mas durante algumas semanas entre o fim de julho e o fim de agosto, é possível fazer uma visita guiada pelo interior do palácio por €15. (Você pode ler os detalhes aqui.)

O charme de Luxemburgo realmente está no seu precipício, naquele ponto onde essa Cidade Alta termina e você tem diante de si o entorno, a vista para as estruturas medievais remanescentes, as árvores ao longe, e o Grund (Cidade Baixa) lá ao chão.



Grund
Custamos a achar um restaurante aberto para almoçar, pois Luxemburgo parece seguir um tanto essa tônica germânica de tudo-fechado-exceto-as-igrejas no domingo. Tão diferente do refrão que eu escuto dos garçons no Brasil (“Sábado, domingo e feriado, trabalho dobrado.”) Vai da joie de vivre sociável latino-americana, talvez, ou do tradicionalismo europeu. (Lembro que, quando me mudei à Europa em 2008, os supermercados na Holanda ainda não abriam aos domingos.)
Mas por fim achamos algo, uma dessas lanchonetes meio “saúde” de franquia, e então tomamos rumo para o Grund, a parte baixa. É talvez a área mais charmosa da cidade de Luxemburgo.





Notre-Dame de Luxemburgo
Luxemburgo é uma cidade sobretudo para ser aproveitada nestas áreas externas, bebendo-se da paisagem.
Daí a beleza de se vir cá no verão — época que achei bastante superior ao outono/inverno para a visita.
Jeanne, Max e eu circulamos ali um tempinho, e logo subimos outra vez até a Cidade Alta, onde desta vez veríamos a Catedral de Notre-Dame de Luxemburgo acessível.




Fazíamos uma viagem curta aqui a Luxemburgo. Não é uma cidade onde se deter muito tempo — um dia inteiro bem passado é o suficiente.
Tínhamos destino certo esta tarde no interior do país. Sim, no interior de Luxemburgo, que é mais que apenas a sua capital homônima. Nos revemos lá.