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Itália Úmbria

Visitando Orvieto na região da Úmbria, Itália

A Itália tem uma quantidade aparentemente infinita de destinos charmosos. Eis aqui Orvieto, na região da Úmbria, no centro montanhoso do país.

A Úmbria é a mesma região onde ficam as também famosas cidades de Assis e Perugia, sobre as quais um dia eu devo postar aqui. Cada região italiana tem seu próprio tom. É o que a gente descobre após viajar algumas vezes pelo país, e o da Úmbria é aquele de cidades meio recolhidas nas colinas, como medievais refúgios.

Comem-se cogumelos (as famosas trufas!) e chouriços diversos — conservas para o inverno — em meio às muralhas elevadas, por vezes com cara de mosteiro. De hábito, é preciso subir à cidade antiga no alto, e de lá vislumbrar o campo em redor. Você se sente resguardado, recolhido. 

Orvieto, com os seus tesouros dos fins da Idade Média, fica a um breve bate-e-volta desde Roma, mera 1h30 de trem.

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A vista da minha janela em Roma de manhã, a lua ainda no céu.
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Deem um alô à Basílica de Santa Maria Maggiore no nosso caminho para a estação Roma Termini.
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Em Orvieto, Úmbria, ainda antes do fim da manhã.
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Bem-vindos, senhores e senhoras viajantes.
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Cá do alto de Orvieto, sobre suas estruturas medievais feitas sobre aquelas da Antiguidade.

Orvieto: Quem és tu, e com que te pareces?

Os trens tinham suas faixas da Covid ainda no chão, embora não mais usadas. Onde antes haviam portas só de entrada e outras só para saída, as pessoas agora desciam por onde queriam.

Adolescentes italianos irremediavelmente viciados em cigarro faziam das plataformas de trem um espaço proibitivo a quem não fuma. São coisas da Itália de agora que se contrastam com a velha Orvieto, mas que convivem com ela.

Fazia um dia de sol. Uma trupe de norte-americanos conversava alto à frente estação ferroviária, discutindo planos com aquela empolgação característica. Mais adiante, uma mulher de véu sentada à fonte olhava o celular. Orvieto é antiga e retirada, mas você não ache que será o único estrangeiro pisando aqui.

Um funicular logo diante da estação ferroviária dá o acesso à alta cidade histórica a cada 10 minutos. Pode-se comprar o bilhete tanto no guichê à entrada quanto na lanchonete da estação.

Eu optei pela segunda alternativa após tomar um café com pedaço de pizza e admirar a imensa diversidade de chocolates de Modica que eles tinham aqui — com canela, com erva-doce, e com o que você imaginar. Havia também do vinho branco típico de Orvieto.

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Orvieto é famosa pelo seu vinho branco, que você pode tomar no almoço ou comprar para levar. Acha-se dele por toda parte na cidade.
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Chocolates de Modica, cidade siciliana famosa por toda a Itália, cujo produto tem identidade geográfica protegida. Vê-se chocolate com tudo, desde jasmim (gelsomino em italiano, uma excelente ideia de nome para o seu próximo cachorro) a vinho nero d’avola.
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O funicolare, ali bem diante da estação de trens.
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Vamos ao alto. A viagem é curta.

No alto, você tem o ar fresco e, se tiver sorte, a vista ampla para o campo italiano sob o sol.

Logo ali, à saída do funicular, você já se verá de junto da chamada Fortezza Albornoz, de 1450.

Hoje, ela abriga entre as muralhas e portais da fortificação os chamados Jardins Comunais de Orvieto — muito indicados para um primeiro momento de sentir-se na cidade.

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Bem-vindos aos Giardini Comunali di Orvieto. Esta é a chamada Porta Rocca. A estrutura data da primeira metade do século XV, feita sobre uma fortificação anterior.
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O interior da fortificação, hoje, são jardins públicos na cidade. (Não há partes cobertas da fortaleza a visitar, nem ingresso de nenhum tipo.)
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Tem-se a vista para o campo italiano e, cá, as fortificações.
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As vistas desde esta Fortezza Albornoz, Orvieto.
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Este monumento que lhe chama a atenção é pelos mortos na Segunda Guerra.

Orvieto cidade etrusca

A quem está aí já faminto por um pouquinho de História, vamos a um pano de fundo.

Orvieto foi fundada já na Antiguidade pelos etruscos, povo que habitava este centro-norte italiano antes da expansão de Roma. Quando os romanos chegaram, absorvendo-a já no século III a.C., chamaram-na em latim de Urbs Vetus (“cidade velha”), daí Orvieto.

O grosso do que você encontra aqui hoje data de um tempo muito posterior — dos fins da Idade Média e começo da Idade Moderna, quando Orvieto fazia parte dos Estados Papais —, mas há vestígios também da Antiguidade.

Do tempo etrusco, encontram-se aqui ainda passagens subterrâneas e as ruínas de um templo apelidado de Templo do Belvedere, do século V a.C. Ele faz parte do grupo de atrações que você já terá perto de si quando sair do funicular.

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O Templo do Belvedere como se imagina que ele era no século V a.C., dedicado a Tinia, o equivalente etrusco ao Zeus grego e ao Jove dos romanos. Era sua principal divindade, e já se notam também na arquitetura certas características comuns dessa Antiguidade clássica mediterrânea.
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As ruínas do Templo do Belvedere hoje em Orvieto, seu único templo etrusco ainda visível. Foi redescoberto no século XIX.

A Orvieto dos Estados Papais e o Poço de São Patrício

Durante a maior parte da sua História, Orvieto — assim tão perto de Roma — pertenceu aos chamados Estados Papais, que eram uma espécie de versão estendida do Vaticano. O papa governava diretamente um amplo território que ia desde Roma até Bolonha, cobrindo sobretudo o que são hoje as regiões do Lácio (Lazio), Úmbria, Marcas (Le Marche), e Emília-Romanha. 

Esse país, por assim dizer, perdurou de 756 a 1870, extinguindo-se apenas com a Unificação Italiana e a criação do atual arranjo especial para o estado do Vaticano no seio de Roma. Naquele período, Orvieto prosperou como um entreposto importante no caminho entre Roma e Florença. Inclusive, São Tomás de Aquino chegou a lecionar aqui antes de ser convocado para ser teólogo papal em 1265.

Os papas daquele tempo estavam longe de ser apenas líderes espirituais. Sendo também governantes, metiam-se com frequência em imbróglios políticos — como ainda ocorre hoje em bem menor escala, mas que naquela época resultava em guerra. 

Por exemplo, Orvieto foi atacada pelo rei de Nápoles no século XIV, levando à reforma e estruturação atual da Fortezza Albornoz

É também daqueles idos renascentistas o Poço de São Patrício, curiosa obra de 1527 feita quando o Papa Clemente VII se refugiou aqui após o Saque de Roma por tropas do sacro-imperador Carlos V naquele ano.

El papa Clemente VII por Sebastiano del Piombo
Papa Clemente VII, alcunha eclesiástica de Giulio de Medici, político astuto responsável, entre outros, pelo casamento da sua sobrinha Catarina de Medici com o rei da França, François I. Mais sobre isso na postagem em Blois. (Retrato de 1531 pelas mãos do pintor Sebastiano del Piombo).

“Como assim o sacro-imperador atacou o papa??”

Tinha dessas. O resumo da ópera é que havia uma querela política entre eles. Carlos V enviou 20 mil homens a Roma para intimidar o pontífice, e estes acabaram por sair de controle.

Boa parte das tropas eram germânicos já convertidos ao luteranismo e de pouca simpatia pelos católicos. Desceram a sarrafa geral: aniquilaram a guarda suíça e começaram a pilhar a cidade. 

O papa acabou encurralado no Castelo Sant’Angelo, onde ficou seis meses preso antes de escapar disfarçado de comerciante  e se refugiar em Orvieto.

Como ocorre na política, o papa e o sacro-imperador depois se entenderam. Carlos V disse que não teve nada a ver com os ocorridos em Roma, e Clemente VII o perdoou.

Um resultado daquele Saque de Roma em 1527, porém, foi a construção de um poço aqui em Orvieto para que a cidade pudesse ter água para sustentar um cerco, se necessário.

Eis então o Poço de São Patrício, uma referência à lenda medieval de uma caverna na Irlanda sob uma igreja que, de tão profunda, levava até o purgatório. (Daí jogos como Diablo, que exploram essa ideia para levar o jogador até o inferno.)

Quem visitou o chamado poço iniciático na Quinta da Regaleira em Portugal vai reconhecer o estilo de escadaria em dupla hélice. Trata-se de uma ideia arquitetônica do Renascimento, que a simbologia trataria de associar à descida aos nove infernos da Divina Comédia de Dante, etc. 

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Ingresso ao Poço de São Patrício, de 1527 e hoje próximo à saída do funicular no alto de Orvieto. A entrada me custou 5 euros.
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Prepare as pernas. Você desce por uma escadaria helicoidal até o fundo do poço e depois sobe por outra — tipo a figura do DNA.
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A vista para o fundo do Poço de São Patrício no seu estilo renascentista em Orvieto, Itália. Aquilo lá no fundo é água. O poço foi feito para abastecer a cidade em caso de algum cerco.

Rumo ao centro de Orvieto

Destas atrações à saída do funicular até a outra ponta desta cidade alta é coisa de mero 1,5 Km. Mais para lá que para cá, a coisa de 1 Km daqui, fica o Duomo di Orvieto — sua catedral, seu coração, e sua maior atração — acompanhado de muita coisa de época. É para aquela área que iremos.

Se você quiser, há um ônibus que leva da saída do funicular até o Duomo. (Na minha volta, eu o veria lotado de turistas asiáticos. Eles geralmente gostam mais de comodidade, enquanto que bater perna como passeio é mais da cultura ocidental.)

Para mim, andar foi parte essencial da experiência de sentir a cidade. Era outono, e as folhas já tinham começado a cair. Faziam-se presentes por todo o chão ao que cheguei ao alto de Orvieto, por vezes acompanhadas de castanhas-portuguesas caídas das árvores — essa que aqui na Europa é apenas “castanha”.

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Castanha-portuguesa na minha mão, no outono em Orvieto, Região da Úmbria na Itália central.
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Orvieto no outono.
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O ônibus da saída do funicular até o Duomo, se você preferir. Eu optei pela caminhada básica de 15 minutos vendo a rua. (Piazza Cahen, se você quiser voltar nele, é esta cá.)
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Logo as ruas estariam assim…
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… quieta, mas com os primeiros sinais de produtos à venda e pizzerias aos turistas.
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Vamos chegando.

Arte sacra pelas igrejas medievais de Orvieto

Não há apenas igrejas a visitar em Orvieto, mas elas são inevitáveis numa visita aqui — e, há quem diga, em visita a quase qualquer lugar na Itália.

Há lindas igrejas medievais de época em Orvieto afora o Duomo. Já sabendo do típico regime de horários que elas têm aqui na Itália — em geral abertas até o almoço e depois fechadas para uma sesta até o meado da tarde —, eu logo me adiantei a começar por elas já de manhã.

No miolo do centro, você não demora a se deparar com a Igreja de Santo André (Chiesa di Sant’Andrea), construída no século XII com seu campanário decagonal.

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A medieval Igreja de Santo André no centro de Orvieto, formalmente chamada de Collegiata dei Santi Andrea e Bartolomeo. Data do século XII com um notável campanário em forma de decágono.
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Seu interior com arcos romanos, de antes do gótico.
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Enfeites góticos que foram se coadunando. A cor azul no medievo simbolizava a sabedoria divina.
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Vitral sobre a porta com Santo André e sua conspícua cruz em X. (Uma curiosidade é que esta é a origem da bandeira da Escócia, onde ele é o padroeiro. A universidade mais antiga e tradicional daquele país é precisamente a University of St Andrews, de 1413.)

Saiamos dali um pouco daquele miolo de Orvieto, onde a Igreja de Santo André fica lado a lado com o Palazzo Comunale — a sede local de governo.

Rumemos à outra ponta de Orvieto, extremo oposto ao funicular, para conhecer a Igreja de São Juvenal, a meu ver a mais bonita da cidade afora a catedral.

O próprio caminho já o leva a espaços pitorescos e menos movimentados de Orvieto. A igreja fica quase na beira da cidade, de onde você novamente tem vistas para os campos italianos.

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O Palácio Comunal de Orvieto (Palazzo Comunale), sede do governo local. Originalmente feito no século XII, este ar renascentista quase colonial — que lembra lugares do México — data de 1600.
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Vejam estes caminhos, senhoras e senhores.
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Naquele fim de manhã em Orvieto, Úmbria.
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Chega-se a lugares assim retirados e mais humildes da cidade.

Eu acho estes lugares a cara da Itália. Vê-se até a toalha quadriculada de cantina ali estendida.

Prossigamos…

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Chega-se até a outra ponta de Orvieto, onde há novamente uma bela vista para os campos ao redor da cidade.
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A vista para os campos ao redor de Orvieto na Úmbria.
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A Igreja de São Juvenal (Chiesa di San Giovenale), inicialmente construída em 1004 (!), e com afrescos medievais dos séculos XII e XIII. Para além da catedral, ela é a mais bela de Orvieto na minha opinião.
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Para não haver erro.

São Juvenal, a quem não souber (como eu também não sabia), viveu no século V e foi o primeiro patriarca de Jerusalém. Ele data daquele tempo dos concílios (de Éfeso, Calcedônia e outros) que estabeleceram a teologia aceita da Igreja.

O que se encontra neste interior romanesco tem ainda a cara da influência artística bizantina na arte sacra, com suas auréolas e santos sem a expressão emocional que o Renascimento depois lhes conferiria. Data dos séculos XII e XIII, antes de Giotto e outros artistas no século XIV começarem a mudar esse padrão.

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O simples interior romanesco da Igreja de São Juvenal, em Orvieto.
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Afrescos por todo canto.
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Pinturas medievais dos santos com suas típicas auréolas. Vê-se ali diante Maria num trono com o Menino Jesus. O outro à direita eu não sei quem é, e aqui no pilar parece São Francisco.
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São diversos os afrescos medievais que você visita com tranquilidade. A maioria dos visitantes se restringe à catedral e pouco vem aqui.

Almoçando em Orvieto: Sabores da Úmbria

Chegada era a hora mais feliz, a de almoçar. Por sorte, você aqui estará distante de redes de fast food e coisas do gênero — terá que entregar-se à culinária italiana. Ou melhor, umbriana.

A gastronomia na Itália é bastante regionalizada — mais do que nós estrangeiros costumamos supor. Claro que há pontos comuns, como os vinhos e queijos muitos (a Itália é o país com o maior número de tipos de queijo no mundo, mais até que a França).

Como esta é uma região montanhosa e relativamente fria, não há tanto aquela pegada de legumes frescos e abundantes como se vê no sul da Itália, por exemplo. Aqui a ênfase é mais em produtos de origem animal e que durem o inverno, como chouriços, salames (muita coisa de porco), e também as trufas e cogumelos.

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Casa de produtos típicos da Úmbria em Orvieto.

Detive-me para almoçar no bistrô il Malandrino, que me cativou pelo nome (e pelas boas avaliações). Ali me esperava uma boa massa com trufas — destes cogumelos arquetípicos daqui.

Acabei aprendendo, de quebra, que a palavra “malandro” nem é invenção brasileira nem exclusividade da língua portuguesa. Malandrino, em italiano, vem de malo landrino, esta última uma corruptela de landern para “vadio” ou “vagabundo” em alemão — certamente uma importação medieval dos tempos do Sacro Império Romano Germânico, quando as terras das futuras Itália e Alemanha estavam bem próximas.

Malandro por tanto é um vagabundo desonesto, um “mau vagabundo”. Ganharia, com o tempo, seus contornos simpáticos do malandramente como coisa positiva — e não só no Brasil, mas também aqui na Itália.

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A vida mansa na Itália.
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Meu prato de tagliatele com trufas — tanto no molho quando secas assim por cima do prato na hora, para dar sabor — acompanhado de um vinho branco da região no il Malandrino.
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A quem quis mais detalhes. Bastante saboroso, com a massa no ponto e o molho rico de gosto. As trufas postas por cima já não tem o gosto tão forte, mas agregam algo. Têm uma textura crocante tipo um coquinho.

O impressionante Duomo di Orvieto

Terminado o almoço, tentei ainda localizar uma sorveteria digna, mas falhei. (Quem descobrir, informe. A barriga não permite experimentar todas num só dia.) As que encontrei no centro da cidade foram ordinárias, e me bateu uma saudade da Sorveteria da Ribeira lá na Bahia.

Mas cada qual com seu cada qual. Aqui eu estava prestes a ver uma das catedrais mais incríveis de toda a Itália. O Duomo di Orvieto rivaliza facilmente com aqueles de cidades italianas mais famosas. Terminado em 1591, trezentos anos após seu início, ele é um estrondo arquitetônico.

Há elementos tanto góticos, quanto renascentistas, quanto romanescos. Só a fachada dela já pode deixá-lo ali parado um longo tempo admirando as passagens bíblicas esculpidas em alto relevo.

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A imensa catedral de Orvieto, formalmente a Cattedrale di Santa Maria Assunta. Feita de 1290 a 1591.
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A impressionante fachada da catedral. Iluminuras acima dos portais, e cá embaixo nas paredes, esculpidas em alto relevo históricas bíblicas.
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O Gênesis aqui, por exemplo. Estas ilustrações eram fundamentais naquele tempo em que a maioria das pessoas era iletrada — daí tanta decoração nas igrejas de época, para explicar as mensagens.

Vamos entrar.

O acesso à Catedral de Orvieto, fora dos horários de missa, não é gratuito. Paga-se um ingresso de € 5,00 que inclui tanto ela quanto museus adjacentes. Vale a pena. (Os museus são relativamente modestos diante do esplendor do interior do Duomo.) 

Os pontos mais altos da catedral são suas duas capelas laterais, a Cappella di San Brizio e a Cappella del Corporale. (Para esta última você sai e torna a entrar por outra porta lateral — não saia sem ver!!). Ambas são estrondosamente bonitas, do tipo que você pode passar longo tempo só contemplando.

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O interior do Duomo di Orvieto. Note essas colunas com o alternado preto e branco característico das igrejas medievais italianas.
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O altar-mor.
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Esta que vocês têm diante de si, senhoras e senhores, é a mais antiga escultura barroca da história, de Francesco Mochi em 1603, o Arcanjo Gabriel fazendo a Anunciação. A escultura barroca é uma evolução (no mero sentido de desdobramento) das esculturas renascentistas, com mais ênfase em movimento, drama, e emoção.

Vamos agora às duas capelas laterais, a começar pela Capela de São Brício (Cappella di San Brizio). Ela contem os trabalhos mais impressionantes de Luca Signorelli (1441-1523), um dos grandes pintores do Renascimento italiano.

Sua construção data de 1396. Ela foi decorada com pinturas de Fra Angelico e Benozzo Gozzoli em 1447, e posteriormente completada por Luca Signorelli entre 1499 e 1502.

As obras são de um nível de detalhes e beleza impressionante.

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Cristo retirado da cruz, na Capela de São Brício, Catedral de Orvieto.
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Os detalhes da obra de Signorelli na Capela de São Brício.
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O anticristo disfarçado de Jesus — sem chagas — ouvindo cochichos do capeta e enganando os tolos.

Vale a pena nos debruçarmos um pouco sobre os detalhes para perceber certas coisas da genialidade de Signorelli.

Nesse painel acima, tem-se o anticristo disfarçado de messias, ali a pregar. Só uma observação cuidadosa faz perceber que ele não tem chaga alguma.

A lição é que a ressurreição verdadeira passa pelas tribulações, pela via dolorosa de cada um, e que não é possível chegar a Cristo sem experimentar as expiações da Terra.

Veja, no detalhe ao lado, com o pincel maestral de Signorelli faz como se fosse o braço do demônio entrando na veste do falso messias para guiar a sua mão.

No restante da cena há mortes, mercâncias, e prostituição enquanto o falso messias prega. Noutra cena mais adiante, o anticristo cai pela espada de São Miguel Arcanjo. A capela é riquíssima de detalhes, e podia-se passar hora aqui perscrutando seus detalhes.

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O teto da Capela de São Brício na Catedral de Orvieto.

Vamos agora sair da igreja por um momento, dar a volta, e entrar com o mesmo tíquete pela outra porta lateral para ter acesso à Cappella del Corporale.

A quem boiar como eu antes boiei, esse Corporale se refere ao pano do chamado Milagre Eucarístico de Bolsena, o qual está na origem da celebração de Corpus Christi. 

Em 1263 na cidade de Bolsena (aqui pertinho de Orvieto), a hóstia consagrada teria sangrado na mão do padre durante a celebração e manchado o pano.

Eu já explico. Corporal é o nome do pequeno pano que envolve as hóstias consagradas na celebração católica e que representa o Santo Sudário de Turim, o qual teria enrolado o corpo de Cristo ensanguentado.

Pois bem. Em 1263 na cidade de Bolsena (aqui pertinho de Orvieto), a hóstia consagrada teria sangrado na mão do padre durante a celebração e manchado o pano. A Igreja tomou aquilo como uma confirmação da sua doutrina da transubstanciação, que prega que a hóstia e o vinho se transformam no corpo e no sangue de cristo durante a eucaristia.

Sabendo do ocorrido, o caso teria ido à análise de São Tomás de Aquino, e supostamente por sugestão sua o Papa Urbano IV então instituiu a festa de Corpus Christi — sempre na quinta-feira após o domingo da Santíssima Trindade, o qual ocorre em seguida a Pentecostes, tudo isso regido pela data lunar em que cai a Páscoa.

Esse corporal do Milagre de Bolsena está guardado aqui na Catedral de Orvieto, daí o nome desta capela. Ele é exposto todos os anos na festa de Corpus Christi da cidade.

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A Capela do Corporal (Cappella del Corporale), também ricamente decorada, dentro da Catedral de Orvieto.
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Os detalhes da capela. O corporal do milagre fica guardado por detrás daquelas portinholas azuis e douradas ali no meio, que se abrem exclusivamente em Corpus Christi.
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Para não dizer que não falei das flores, o Museu do Duomo di Orvieto contem ainda mais arte sacra aos fãs. Entra-se com o mesmo ingresso de 5 euros.

Encerrando com a Torre do Mouro

Não faltam lugares para ocupá-lo em Orvieto. Afora estas maravilhas dentro da catedral, ainda se teria as catacumbas do Pozzo della Cava por passagens subterrâneas antigas sob a cidade — fechadas ainda em 2022 devido à pandemia — e o Museu Etrusco Claudio Faina, aos interessados.

Eu encerraria este meu dia com uma subida à Torre do Mouro (Torre del Moro), uma provável referência a Rafael Sanzio (o pintor), que era apelidado de “o mouro” pela sua pele morena — com o perdão pelo pleonasmo — e viveu aqui ao lado.

São 47m de altura que você pode subir para ter uma excelente vista de toda Orvieto. 

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Vamos até lá pelos meandros de Orvieto.
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A Torre do Moro, com 47m. Outra hipótese diz que o nome é porque, na Idade Média, ali se pendurava um mouro (talvez de pano, talvez não) a ser golpeado nas justas — aquelas disputas de cavaleiros com lanças — que havia na cidade. Os inputs árabes e as disputas com eles no Mediterrâneo foram formadores também da Itália medieval.

Prontos para subir? Paga-se um preço módico de 3 euros pelo ingresso.

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Vamos lá. A primeira parte se pode fazer de elevador (opção nutella), mas o restante todo, só a pé.
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A vista lá do alto para Orvieto com seu duomo e os campos mais além.
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Orgulhosamente de sangue misturado italiano, mouro e muito mais. (Pavor do IBGE querendo me botar numa caixinha!)
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Orvieto, Itália.

E aqui tivemos Orvieto, um bate-e-volta fácil desde Roma.

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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