Třeboň tem um ar de refúgio. Estamos no interior do interior da República Tcheca, num daqueles lugares aonde você só chega em trem regional “pinga-pinga” ou fazendo conexão desde Praga em alguma cidade maior. Um lugarejo recatado, e talvez por isso mesmo tão singelo.
Třeboň é miúda, 8 mil pessoas apenas, e a cidade parece preservar seu mesmo jeito de outrora: casario barroco colorido em tons pasteis em torno de uma praça renascentista, ruelas, e um castelo de época ainda com parte do que eram as muralhas da cidade.
Apesar do tamanho pequeno, eu diria que vale a pena se hospedar aqui uma noite (ou duas), embora seja perfeitamente possível vê-la num bate-e-volta desde České Budějovice. Isso porque a cidade tem um ar gostosinho, legal de sentir também naquelas horas do fim ou do começo do dia, quando os visitantes ocasionais ainda não chegaram ou já foram embora. Ficam só você e os 8 mil moradores.
Antes de eu prosseguir, não me perguntem sobre o som que faz esse R acentuado (ř). Ele me tirava o sono quando eu estava estudando tcheco há uns anos atrás. (Não sou fluente, mas me quebra o galho às vezes. Definitivamente, não é pré-requisito para se visitar Třeboň, embora você talvez precise se virar com mímica se não souber.) O ř soa como um combo de R e J, um R rolado (como em laranja) seguido imediatamente de um som de J (como em Juliana). Já o ň equivalente ao nosso nh em português.
Dê as boas-vindas ao ř na sua vida e vejamos Třeboň, a cidade mais linda com R acentuado que você já terá visto.

Um pouquinho sobre a cidade
Třeboň fica a 20 minutos de estrada de České Budějovice, na Boêmia do Sul — uma das unidades administrativas da Tchéquia hoje, e parte da histórica região da Boêmia.
Esta região já foi do Reino da Boêmia, com sede em Praga, como também já foi da Áustria, sede em Viena. É uma região de fronteira, no miolo cultural da Europa Central. Hoje, as pessoas aqui são, essencialmente, tchecas, mas nos séculos passados havia uma mistura de tchecos (eslavos) e germânicos (sobretudo das vizinhas Baviera e Áustria).
Quem mandava por aqui era a família Rosenberg. Lembre-se das suas aulas sobre feudalismo, e imagine-os como os senhores desta área, com cidade com tudo. Třeboň aparece em registros escritos já em 1366, mas é de mais tarde o aspecto que você encontra hoje. Foi sobretudo no Renascimento (1450-1600) e no período barroco (1600-1750) que a cidade ganhou a aparência atual.

Há um castelo renascentista aqui (Zámek Třeboň), de quando estes deixaram de ser aquelas coisas nuas de pedra e passaram a prezar por certo conforto e decoração. Veem-se retratos pintados, enfeites, e também sua forma muda: de fortalezas de rocha, passamos a residências fortificadas com ares mais atuais. (Eu já lhes mostrei castelo renascentista aqui antes).
O Castelo de Třeboň foi da família Rosenberg como também da Schwarzenberg, que os sucederia. É um mito a ideia de que os senhores feudais estavam atrelados à terra — pelo contrário, eles trocavam e vendiam, e por vezes nem punham os pés nas suas várias posses, prática medieval comum que viria a se repetir depois com os capitães donatários no Brasil.

Com a extinção da família Rosenberg em 1611, Třeboň decaiu, até ser resgatada pelos Schwarzenberg décadas depois.
Os elementos renascentistas da cidade datam do tempo da primeira família e os elementos barrocos, da segunda.
Os Schwarzenberg ainda existem, e vivem sobretudo no sul da Alemanha, embora haja deles envolvidos também na política tcheca. Todavia, com a criação da Checoslováquia em 1918 e, sobretudo, após o fim da Segunda Guerra Mundial, as suas dezenas de castelos tornaram-se públicos, e são hoje administrados pelo Estado.
Chega de curiosidades; vamos agora à cidade em si.

Visitando Třeboň
Eu cheguei a Třeboň de ônibus, num FlixBus. Eles têm rotas que passam por aqui, e que você pode pesquisar no site da empresa. Os custos são irrisórios: paguei menos de R$ 10 por uma viagem aqui dentro da Tchéquia.
Você pode vir também de trem, e há trens diretos de Praga (regionais pinga-pinga, 1h20 de viagem, que o Google Mapas não lhe mostra, mas que você localiza no site da empresa ferroviária tcheca). Entretanto, as estações de trem aqui de Třeboň são um tanto distantes — você caminha até 2 Km até o centro histórico. O ônibus já lhe deixa mais perto.
Chegamos no que era uma tarde de inverno, fim de dezembro. Por sorte, não chovia, nem fazia muito frio. Uns 4-6ºC, que são módicos aqui para a época. O céu nublado parecia ainda indeciso, se haveria entardecer ou não.
Aproximando-nos do centro, passamos por todo o parque que rodeia muito da cidade. Quem gosta de quietude há de se deleitar aqui.



O centro de Třeboň se apresenta a você tendo a muralha como aviso. Avista-se aquele branco por detrás dos pinheiros, um divisor de mundos. Do lado de fora, este ermo campestre: bucólico, mas quieto. Dentro, embora também quieta neste período, a cidade.
“Quieta” em termos relativos, isto é. Havia pessoas, só não se comparava às cidades grandes. Gentes passavam com os seus copos de vinho quente ou fumando (os europeus em geral ainda fumam bastante). Havia música vindo do pátio do castelo, e um animador em trajes de época — à là meio Pero Vaz de Caminha — chamava (em tcheco) pessoas a entrar, à porta de uma farmácia histórica.



As arcadas renascentistas de Třeboň se apresentavam elegantes como as suas contemporâneas que eu já havia visto em Telc ou em Zamosc, esta última na Polônia. São um estilo que surgiu na Itália do século XV e difundiu-se pela Europa Central décadas mais tarde.


O deleite de passear em Třeboň é contemplar sua arquitetura, os detalhes de cada uma das casas, os enfeites desta e daquela, o alternar das cores e a elegância secreta desta joia escondida.



Eu, entretanto, não me hospedei aí, nem na praça principal, mas numa curvas das ruazinhas “de trás” que há aqui, repletas de pensões familiares no estilo antigo.



Eu cogitei visitar o Castelo de Třeboň, que reserva interiores tanto do tempo renascentista dos Rosenberg quanto do tempo barroco dos Schwarzenberg. Porém, estas visitas — como muito dos interiores nesta parte da República Tcheca — só estão disponíveis durante a alta estação, nos meses mais quentes do ano, de abril a outubro. Você pode ver os detalhes no site oficial. (Advirto que, pelo que li, os tours são apenas em tcheco, mas são a forma de você ver certos interiores.)
Limitei-me assim ao pátio do castelo, e fui ver a Igreja de São Gilesm, que era também mosteiro agostiniano ator 1785. Uma igreja bastante bonita, se você considerar o tamanhico da cidade.






A igreja é esplendorosa, considerando-se os 8 mil habitantes daqui. Coisas de outros tempos.
Abra — sem timidez — uma porta à esquerda dentro da igreja e terá acesso ao claustro do antigo mosteiro agostiniano que aqui havia. Ele data também de 1367, e funcionou até 1785. Embora simples, você ainda encontra afrescos medievais ali.



Havia ainda resquícios do período de Natal. Assim sendo, demos por sorte encontrar ainda funcionando as barraquinhas que vendem quentão por aqui. (Na República Tcheca, elas tendem a ficar pelo menos até a virada do ano.) Ao que o sol finalmente apareceu para se despedir de nós naquela tarde, fui tomar um.


Tudo escurece depressa em Třeboň e, escurecendo, as ruas ficam completamente desertas ainda antes das 8h da noite — pelo menos neste tempo do inverno. Fica linda também.

Eu, querendo diversificar meu paladar depois de muita batata com maionese e empanados aqui na República Tcheca, acabei por achar um restaurante indiano de um nepalês (The Curry House) que recomendo.
Quando saí, a cidade já estava entregue aos espíritos da noite. Dormi, numa das pousadas rústicas que aqui há, onde quase ninguém fala inglês nenhum, e na manhã seguinte eu tomaria rumo, ainda antes de a cidade acordar.


