Pense numa cidadezinha de contos de fada — daquelas com castelo, pontes, rios que correm, casinhas bonitas, ruas de pedra —, e sem nem saber você terá pensado em Český Krumlov. É que os contos se baseavam naquilo que os seus autores conheciam, e muitos deles eram desta parte da Europa.
Český Krumlov [lê-se TCHÉ-ski Krum-LOV] é tombada pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, e não é sem razão. A cidade medieval do século XIII, com todos os desenvolvimentos renascentistas e barrocos que vieram depois, é um mimo.
Estamos no extremo sul da República Tcheca (ou Tchéquia), na histórica região da Boêmia, em plena Europa Central. Aqui, as influências germânicas (sobretudo da Baviera e da Áustria) se misturam às eslavas dos tchecos. Curiosamente, é alemão o nome original daqui: Krumlov vem de Krumme Aue, algo como “prado torto” no alemão medieval.
Não é que os prados, campinas e matas históricas daqui sejam realmente tortas, mas foi uma forma de se referir às curvas que o rio Vltava (o mesmo que depois corta Praga) faz.
Não enterraram meu coração na curva deste rio, mas é difícil passar por aqui sem ele ser tocado pelo menos um pouco pelo aspecto de época de Český Krumlov.





Sobre o lugar: Český Krumlov em miúdos
Český Krumlov é uma vila antiquíssima. Ela surge já nos primórdios da presença humana na Europa, há dezenas de milhares de anos, conveniência de um lugar cercado pelo rio que dava ao mesmo tempo alimento, transporte e proteção. Os próprios celtas viveram aqui na Antiguidade, e é no século VI que os eslavos aparecem (vindos do leste).
A cidade que você encontra hoje é fruto do século XIII em diante, quando Český Krumlov é citada pela primeira vez em documentos europeus. Faz-se o primeiro castelo da cidade na década de 1240, ele que será depois ampliado até chegar à “masmorra” renascentista que você encontra hoje.
Os senhores daqui a partir do século XIV foram os Rosenberg, família de que já lhes falei em Třeboň. Eles governavam muito do sul da Boêmia, e com eles Český Krumlov prosperou, tornando-se um importante centro de comércio e manufaturas do fim da Idade Média.
Esse período de glórias duraria até o século XVI. Muito do que se vê na cidade — assim como o seu jeitão geral — data dessa época. Sobre o que ocorreu depois, eu falo a seguir. Vamos primeiro dar umas voltas.





Chegando a Český Krumlov após o Natal
Chegar a Český Krumlov não é difícil: há muitas opções baratas com o FlixBus saindo da Áustria, da Alemanha, ou do norte da República Tcheca, assim como trens vindo de Praga, fazendo conexão em České Budějovice. Não se deixe intimidar pelos nomes: são tutti, tutti buona gente.
Só atente que os ônibus o deixam mais perto do centro histórico que os trens, e que há duas paradas de ônibus: uma chamada spicak a norte do centro e o (pequeno) terminal rodoviário propriamente dito. (Veja onde ficará sua acomodação, e desça no lugar mais próximo. A maior parte dos ônibus para em ambos, mas vi muita gente atrapalhada descendo logo na primeira parada por automatismo.)
Quem me acompanha há mais tempo talvez se recorde de que eu já vim aqui — num verão longínquo, mais de 10 anos atrás.
Era chegada agora a hora de retornar e, de quebra, ver Český Krumlov noutra estação.


Qualquer comparativo que dê vantagem ao meu eu jovem, é só porque eu fico melhor de branco que de preto. (Olhando assim, acho até que não mudei tanto, embora eu me lembre de quem eu era.)
Já a cidade, ela em si mudou pouquíssimo — apenas há mais turistas hoje do que antes. Sobretudo asiáticos, que parecem ter descoberto Český Krumlov.
Quando vir?
A grande diferença fica mesmo pela estação. Visitar a cidade no verão ou no inverno implica experiências diferentes.
Se você vem pelo pitoresco, pelo aconchego ou pelo espírito natalino nesta coisa de filme, eu lhe recomendo dezembro. Se você der sorte, pega até a cidade com neve.
Já se o seu espírito é de aventura, de se sentir um sujeito medieval andando pela masmorra — ou simplesmente se você prefere calor ao frio —, aí a recomendação é vir no verão. Afora o óbvio, é que os interiores do Castelo de Český Krumlov só estão abertos entre 1º de abril e 31 de outubro.
Eu já mostrei Český Krumlov no verão com o interior do castelo. Agora, é hora de vê-la e senti-la no natalino inverno.



Voltas pelo centro histórico
Um Natal característico
Chegamos de ônibus de České Budějovice, e logo desceríamos aquela ladeira para ser abrigados por Marcel, um chapa tcheco louro, daqueles homens que andam na cozinha e com os óculos de sol presos atrás da nuca. Era do tipo “nada é problema, tudo aqui a gente resolve”.
Ali estávamos numa das muitas pensões ou pousadas familiares que há aqui. Český Krumlov é pequena, fora ainda dos circuitos mega-turísticos, portanto você não verá aqui nenhuma daquelas grandes redes de hotéis. Melhor mesmo ficar nas pousadas dos tchecos, numa experiência mais autêntica no interior do país e diferente de Praga.
Era inverno (apesar dos óculos de sol de Marcel), e não do tipo com céu azul e neve. Český Krumlov deve ficar linda toda nevada, mas o que tínhamos aqui era um azul discreto que vez aparecia no céu, vez não, em meio a nuvens e a um ar ainda lúgubre de final de outono — as folhas sendo levadas pelo vento, árvores desfolhadas balançando, dias ainda escuros. É por isso que se celebra o Natal nesta época, afinal de contas.
As feirinhas natalinas, contudo, dão vida ao ambiente e um caráter ainda mais tcheco à sua visita, já que lhe permitem conhecer de perto também a gastronomia local e suas tradições.





Você vê que se pode passar só com comida de rua aqui (a depender do seu gosto).
Caso não seja essa a sua praia, não se preocupe. Há uma boa seleção boa de restaurantes italianos na cidade.





As caminhadas por Český Krumlov neste período são passeios vagarosos, verdadeiros promenades por ruelinhas enfeitadas para o Natal e gente a passar agasalhada.
Você se distrai com as casinhas, as vitrines curiosas, entrando aqui ou ali… até avistar os monumentos e decidir vê-los mais de perto.





O Castelo de Český Krumlov
O castelo de Český Krumlov é o ponto mais alto da cidade — em todos os sentidos do termo. De lá a cidade era governada, na sua maior elevação, e ainda hoje ele é visita obrigatória a quem vem aqui.
Vale observar que, no inverno, não é possível visitar seus interiores (coisa que fiz e mostrei na minha visita anterior durante o verão), e que mesmo o acesso ao alto da torre e aos museus do castelo cessa entre 22/12 e 03/01. (Você pode sempre conferir estas informações pelo site oficial quando vier.)
Ainda assim, mesmo neste tempo natalino, é possível cruzar o fosso dos ursos e adentrar os pátios do castelo, chegando até o parque do outro lado, e com vistas impressionantes de Český Krumlov. Vale a pena.

O castelo original data de 1240, mas muito foi feito aqui no período renascentista. No século XVI, a família Rosenberg decidiu reformá-lo nos moldes dessa época.
É dessa reforma a torre cor-de-rosa enfeitada que você avista quase de qualquer lugar da cidade.





O castelo é extenso, e uma visita aos interiores toma umas boas 2h ou mais. Para que você fique sabendo, quando ele está aberto há dois tours: um pelos aposentos mais antigos, dos tempos renascentista e barroco, e outro pelas áreas mais recentes, já que este castelo foi habitado por nobres até 1947.
Diz-se que esta é uma das possíveis origens da lenda da Mulher de Branco, a assombração que aparece até no Brasil.
Quando os Rosenberg desaparecem sem herdeiros no século XVII, o Castelo de Český Krumlov cai nas mãos dos Eggenberg — família austríaca cujo palácio principal eu já mostrei em Graz, na Áustria. Eles dão seguimento à transformação desta fortificação medieval numa residência mais refinada, com os murais que você vê hoje nas paredes dos pátios.


Uma curiosidade é que os tchecos adoram histórias trágicas. Eles têm uma certa inclinação pelos contos medievais sombrios, e curtem demais as versões “raiz” das histórias medievais que os Irmãos Grimm depois adaptaram ao público infantil moderno. (Por exemplo, no original, não é a madrasta da Cinderela quem a explora, mas a própria mãe.)
Assim sendo, é claro que há lendas e rumores sobre este castelo ser mal-assombrado. Inclusive, diz-se que esta é uma das possíveis origens da lenda da Mulher de Branco, a assombração que aparece até no Brasil. Dizem ser o fantasma de Perchta von Rosenberg, mulher que era atormentada pelo marido. (Vale a pena vir aqui à noite para procurá-la.)
Até que os Eggenberg também desapareceram sem deixar herdeiros, em 1717, e a região toda — com castelo e tudo — passou à posse dos Schwarzenberg. Estes, ao contrário dos antecessores, não acabaram. Seguem na política e sendo uma família rica, mas desde 1947 este castelo está sob a posse do Estado tcheco.
Um dos tours que você pode fazer entre abril e outubro é pelos aposentos do século XVIII até o XX, onde os Schwarzenberg viviam. Por ora, no inverno, há de se deliciar é com o vento frio pelos corredores exteriores e com a paisagem.


Outros pontos de interesse
Dois outros lugares de época que as pessoas regularmente visitam em Český Krumlov — e que estão em pleno funcionamento no inverno — são o mosteiro medieval franciscano e a Catedral de São Vito, esta do século XV.
Esta última é de acesso livre, numa colina na parte sul do centro. Você sobe uns degraus e lá está naquela estrutura gótica, seu interior um abrigo bem-vindo do frio e do vento que faz lá fora.


Já o mosteiro medieval fica bem no miolo do centro. Não funciona mais como mosteiro, mas lá ainda é possível sentir aquela atmosfera dos albores de Český Krumlov. Ele data do século XIV, de logo quando os Rosenberg assumem esta região.



Eles não permitem que se tire fotos do interior, então o que posso lhes dizer é que você dá uma volta pelo claustro e visita também a igreja barroca dos franciscanos. É uma visita simples, de coisa de meia hora, mas que vale a pena a quem gosta desses ambientes da Igreja medieval.

E assim eu via Český Krumlov nesta época outra, invernal. Ela é sem dúvida um lugar mais quieto que no verão (embora haja todos os turistas), e talvez também uma visita mais rápida, que você satisfaz com coisa de duas noites (uma se você estiver com pressa e chegar cedo).
Era hora de eu me despedir do ano e rumar a novos destinos. À República Tcheca sempre vale a pena retornar; a gente sempre descobre algo novo. Tenho certeza de que voltarei.

