Bem-vindos a Qasr el-Yahud (ou o “Castelo dos Judeus” em árabe), o lugar do rio Jordão onde se acredita que Jesus foi batizado. Você às vezes verá grafado al Yahud, mas as línguas semitas não têm vogal, então isso é desimportante. Serve qualquer auxílio para pronunciar o L.
Importante mesmo é que este lugar permaneceu fechado por quase meio século até ser reaberto em 2011. Os detalhes da razão eu conto em instantes.
Qasr el-Yahud fica na Palestina, no território da Cisjordânia, já à fronteira com a Jordânia (antigamente chamada Transjordânia). A fronteira é precisamente o rio Jordão, que se hoje é apenas um filete fraco se comparado ao tempo de Jesus (culpa da degradação ambiental causada pelo homem), segue atraindo pessoas e sendo um símbolo de fé.
A forma mais prática de chegar aqui é com algum tour, que geralmente também inclui Jericó aqui próximo e por Belém — todas estas cidades bíblicas e históricas que ficam hoje no lado palestino, não em Israel.

Qasr el-Yahud através dos tempos
Eis o lugar onde se acredita que os israelitas cruzaram o rio Jordão para chegar à Terra Prometida vindos em fuga do Egito, e onde o profeta Elias teria ascendido aos céus numa carruagem de fogo. Sim, também Jesus teria depois sido batizado aqui.
Por que tanta coisa justo neste ponto do rio Jordão? Porque este era um antigo lugar de travessia conectando Jericó (logo a oeste do rio) às cidades antigas do lado leste, na atual Jordânia, e de Jericó seguia a estrada para Jerusalém. Era um entroncamento viário, portanto.
Nunca houve nenhum castelo de judeu aqui; a alcunha árabe, curiosamente, advém do Mosteiro de São João Batista que os cristãos ortodoxos gregos depois construíram aqui perto e que os árabes apelidaram assim. O castelo do lugar onde os judeus teriam cruzado o rio.
O Batismo de Jesus

O batismo foi o marco do início do ministério de Jesus, um dos eventos mais importantes do Novo Testamento.
Ele é bem narrado por todos os evangelistas, com detalhes sobre como João Batista já pregava e batizava pessoas na água na margem leste do rio Jordão, na Pereia, região que o curso d’água separava da Judeia.
João Evangelista (1: 28) então narra que Jesus foi a “Betabara, do outro lado do Jordão“, onde João Batista o batizou imerso na água e o Espírito Santo teria descido dos céus como pomba, a voz divina a proclamar “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 3: 17).
Os mais atentos já perceberam que, se foi “do outro lado”, então seria onde hoje é a Jordânia, na margem de lá.
Pois bem, a UNESCO diz isso mesmo, e reconhece as edificações históricas de igrejas da Antiguidade e do medievo lá feitas. Os árabes chamam aquele lugar de Al Maghtas (“a imersão”). É a mesma altura do rio, só que do lado de lá.
O ocorrido foi que os cruzados, na Idade Média, tomaram isto aqui e conseguiram assegurar passagem segura aos peregrinos cristãos deste lado de cá, oriundos de Jerusalém, mas não do lado de lá. A lembrar, os árabes dominaram tudo isto desde o século VII, e foi apenas por um breve hiato de 200 anos nos idos de 1100-1291 que os cavaleiros cristãos tiveram um reino na margem de cá (os detalhes todos você lê na minha postagem em Acre).
Daí o lado de cá, a ocidente do rio nas proximidades de Jericó, também ter se tornado lugar de edificações cristãs (como o mosteiro ortodoxo que os árabes apelidariam de “castelo”) e de peregrinos.

Competição pelo turismo
Milhões de peregrinos começaram a vir aqui a ambos os lados nesta altura do rio Jordão a partir do fim do século XIX. Quem interrompeu esse fluxo não foi sequer a criação do Estado de Israel em 1948, mas a Guerra dos Seis Dias (1967).
Até 1967, a Jordânia controlava ambos os lados do rio Jordão — Cisjordânia e Transjordânia. Com a guerra, de que lhes falei em maior detalhe na postagem em Jerusalém, esta entretanto virou uma zona fronteiriça militarizada. Milhares de minas terrestres foram espalhadas, e os jordanianos rechaçados ao outro lado. O nome Transjordânia cairia portanto em desuso, ficando só “Jordânia”, como conhecemos hoje o país.
A Cisjordânia passaria a ser militarmente ocupada por Israel — como é até hoje. Esta aqui onde estamos, em Qasr el-Yahud, é uma área do tipo C, ou seja, completamente controlada pelos israelenses, sem qualquer administração palestina, ainda que seja o povo palestino que vive aqui. Em Ramalá eu expliquei os detalhes sobre esses tipos de áreas que configuram a Palestina hoje.
Foi aí que em 1971 o Ministério do Turismo israelense criou Yardenit, um lugar alternativo rio acima, que lhes mostrei na viagem à Galileia e onde até hoje a maioria dos turistas ainda vai.

A curiosidade é que, em 2007, os jordanianos decidiram reabrir o lado deles, e muita gente começou a ir. Não querendo ficar para trás, Israel então em 2011 decidiu reabrir este lado também de novo ao turismo.
A parte mais lamentável — afora todas as querelas políticas e militares — é que aqui o rio Jordão está fino e degradado, quase que só o lodo, uma água barrenta que teria feito João Batista ir batizar gente em outro lugar.
Muitos hoje comentam que Yardenit é melhor, porque lá a água é mais limpa. De fato, é — eu vi ambos os lugares com os meus próprios olhos. A tristeza é que o lugar autêntico, Qasr el-Yahud, fica preterido por ser vítima de mais um problema ambiental. Como ele fica rio abaixo e Israel retira volumes imensos de água do rio para seus projetos de irrigação, à altura em que passa aqui ele já está um filete barrento e lamacento — deveras pouco atrativo.
Não são poucos os estudos mostrando como os palestinos são deixados em insegurança hídrica. Como numa perversão do milagre de Jesus em Caná, quando transformou água em vinho, a bacia do rio Jordão hoje é sugada a irrigar vinícolas que enriquecem os abastados e deixam pobres sem água.


Quando desci do ônibus vindo de Jericó com o tour, senti aquele vento do descampado no rosto. O lugar é um ermo onde seus sentidos o acusam “O que há aqui? Não há nada aqui“, nada além de breves arbustos sujos de poeira numa terra seca e um horizonte que não se enxerga.
É a razão e a memória que precisam lembrar-lhe o significado deste lugar.
Caminha-se um pouco pelo ermo ainda com breves edificações apenas (nada do estilo de “duty free religioso” encontrado em Yardenit), e não se demora a ver o barrento riacho com indivíduos de branco mergulhados e as igrejas cá e lá, deste lado palestino como na margem jordaniana logo ali próximo.



Não fosse a Jordânia ter reaberto o seu lado, levando Israel a também querer reabrir este lado de cá ao turismo, a situação em que este lugar se encontra teria passado despercebida, sem ninguém aqui para ver.
Diz a lenda que os jordanianos agora se queixam da competição e estão projetando uma enorme estrutura a ser inaugurada em 2030 do lado de lá — numa espécie de comemoração de dois mil anos do batismo de Jesus. (As coisas que o povo me inventa…)
Não entrei, diga-se de passagem — eu já fui batizado. Quem quiser, naturalmente, está convidado.
Eu seguiria agora para Belém, também ela na Palestina, a ver como anda hoje a cidade onde Jesus nasceu.
Nossa, nem parece aquele mesmo Jordão que aparece na postagem da Galileia. Coitado do rio. Mais parece um riacho pouco caudaloso enlameado, e como o senhor bem diz, precisando de um trato ambiental. Muito mal tratado, coitado.
E como a margem da Jordânia fica perto. A parte da Jordânia é até bonitinha
Curiosíssima essa história da passagem de Josué quando do retorno dos judeus à Palestina.
Interessante tambem saber ser esse local rota costumeira na época, tendo Jericó como ponto de passagem. Para quem como sua amiga aqui gosta de História é surpreendente. Maraavilha. Estou amando essas descobertas. Tenho aprendido muito. Os livros nem sempre contam.
Olhe, essas disputas são um caso sério. Os seres humanos precisam aprender a conviver sem querer dominar um ao outro.
Essas guerrilhas de influência não tem graça nenhuma. Mas ,curioso seria saber se o batismo foi do lado de cá ou mais para o lado da Jordânia haha. Estou suspeitando que foi no meio hahah O Povo dos Céus sabe o que faze hahaha
Uma região histórica e sagrada para muitos, vítima de disputas hegemônicas. Muito triste. Que, pelo menos, revitalize o rio.
É isso ai…
Encantada e surpresa com a Terra Santa, apesar os senões.
Vamos que vamos.