Eis aqui o lugar onde se crê que Jesus e seus apóstolos realizaram a Última Ceia, em Jerusalém.
Embora não se tenha prova cabal de que aquela confraternização derradeira se deu aqui, desde pelo menos o século IV há registros de peregrinos cristãos vindo aqui ao Monte Sião — logo do lado de fora das muralhas de Jerusalém — a visitar o lugar.
Hoje, ele é um espaço de aparência gótica medieval com registro também do período em que os turcos otomanos o transformaram numa mesquita, a Mesquita do Profeta Davi. Isso porque o lugar que se crê ser a Tumba do Rei Davi está logo aqui embaixo. O Cenáculo, como é conhecido o salão da ceia, fica no andar de cima, como indicam os evangelhos.
A visita aqui é bastante simples e curta, mas rica de significado.



O que a Bíblia diz sobre a Última Ceia
“Última Ceia” não é um termo que aparece no Novo Testamento, faça-se saber. O que se tem é uma referência à “Ceia do Senhor” na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios (11: 23-26) ou, no caso dos quatro evangelhos, uma referência — e descrição — desse encontro derradeiro antes de Jesus ser preso, mas sem chamá-lo como tal.
Os quatro evangelhos não são exatamente iguais nesse respeito. Lucas e Marcos falam no saguão já mobiliado e pronto que Jesus solicita aos apóstolos arranjar. São Jerônimo (347-420 d.C.), tradutor da Bíblia para o latim (ver minha postagem em Belém, onde ele o fez), adotou a palavra latina coenaculum, cenáculo, mas o leitor atual, sem contexto, fica sem saber que o hábito romano era que tais salas de jantar fossem costumeiramente no andar superior. Daí ele ter empregado esse termo para traduzir os originais gregos anagaion (αναγαιον, Marcos 14: 15; Lucas 22: 12) ou hyperōion (ὑπερῷον, Atos dos Apóstolos 1:13).

Institui-se a eucaristia ou comunhão nessa ocasião, como se sabe. Os ditos evangelhos sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas, que compartilham de fontes comuns — todos apontam o discurso de Jesus sobre partir o pão, compartilhar o vinho, o “fazei isto em memória de mim”, o “este é meu corpo” e o “este também é meu sangue”.
João, que é notadamente diferente, não fala de nada disso se não o evento lá atrás na Galileia sobre Jesus ser “o pão da vida” (João 6: 35), já que o nazareno gostava de usar metáforas. Que a Igreja tenha tomado os evangelhos sinóticos na literalidade é o que se sabe ser a doutrina da transubstanciação — que leva Jesus ali ao pé da letra.
João, porém, é o único a descrever o lava-pés, quando Jesus se dispõe a lavar os pés sujos de todos os seus apóstolos e solicitar que tratem assim uns aos outros. Lança então ali o novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei (João 13: 34).

Afora o principal, que é a preparação dos seus apóstolos para sua iminente partida, outras menções de Jesus comuns aos quatro evangelhos nessa ocasião da ceia são o anúncio de que um deles o trairia e a previsão de que Pedro o negaria três vezes.
Só em Mateus (26: 23–25) e João (13: 26–27) Jesus identifica Judas nominalmente como aquele que será o traidor. Os outros evangelhos ficam naquela coisa dos apóstolos se defendendo. “Eu não, senhor.”
Já sobre a negação de Pedro, coitado, todos os evangelistas concordam que Jesus não se privou de dizê-lo abertamente que o pescador o negaria três vezes. O pobre do Pedro relutou, declarando que nunca faria aquilo, ao que Jesus ainda aponta que o galo iria cantar.
Como se sabe, Pedro negou, o galo cantou, e Pedro chorou, arrependido. A negação se dá na noite em que Jesus é preso. Já no evangelho apócrifo Atos de Pedro é que ocorre a famosa cena Quo vadis?, em que Pedro estaria em Roma pregando o cristianismo e, perseguido, foge da cidade com medo. No caminho, tem uma visão de Jesus e lhe pergunta Quo vadis, domine?” [Aonde vais, senhor?]. “Para Roma, a ser crucificado novamente”, teria respondido Cristo. Pedro, então, finalmente aprende a coragem e acaba ele próprio crucificado em Roma — de cabeça para baixo, pois não se viu digno de morrer na mesma posição que Jesus.

O que diz a História sobre o Cenáculo
É preciso saber que esta edificação foi destruída, reconstruída e reformada diversas vezes desde o tempo de Jesus. Não espere encontrar um lugar intacto de 2000 anos atrás.
Pelo contrário, o cenáculo hoje exala um ar meio medieval-moderno, definitivamente do segundo milênio.
Muitos creem que suas arcadas góticas foram aqui postas pelos cruzados no século XII, antes do líder muçulmano Saladino reconquistar Jerusalém para os árabes em 1187. Teria sido uma estruturação por sobre ruínas do que havia aqui anteriormente, sobre o qual se sabe pouco com certeza.
Os turcos otomanos, que conquistaram a Palestina dos árabes em 1516, teriam transformado então este lugar numa mesquita, a Mesquita do Profeta Davi, já que se crê a sua tumba estar aqui embaixo e os muçulmanos não homenagearem Davi como rei, mas sim como um profeta dos vários que antecederam Maomé (Jesus, na visão islâmica, tendo sido outro desses).



A breve visita
O cenáculo da Última Ceia é um daqueles lugares indispensáveis aos cristãos em Jerusalém, mas é uma visita rápida. Não há muito a ver ou fazer aqui neste único cômodo, afinal, a menos que você se ponha em meditação.
Eu havia acabado de sair pelo Portão de Sião (Zion Gate) no sudoeste de Jerusalém velha e vindo cá à breve elevação homônima (o Monte Sião, que contudo — hoje — não é nenhuma montanha). Vi a dita Tumba de Davi no andar de baixo e cá subi, para encontrar o cenáculo vazio. Não havia ninguém; era como se eu estivesse visitando o refeitório deserto de algum mosteiro europeu numa área pouco turística.
Um gato estava ali de bobeira, indiferente às significações humanas deste lugar — ou quem sabe atraído pela força do Espírito Santo, se você quiser uma leitura mais encantada. Sua presença (a do gato) não é nada raro neste Oriente Médio e mundo islâmico afora, já que eles aprovam animais que se limpam (como os gatos se lambem), mas não os que não se limpam, como os cães.
Daqui, via a grande Igreja da Dormição de Maria logo diante de mim. “Dormição” é um nome curioso, mas é o termo técnico teológico para a morte da Virgem Maria. Ela portanto não morre, mas “dorme”, o que as igrejas cristãs ortodoxas orientais celebram dia 15 de agosto. Segundo um teólogo medieval bizantino, isso teria ocorrido no ano 41 d.C.



Vale notar que foi aqui neste cenáculo que, 50 dias após a Páscoa, em Pentecostes (que por isso tem esse nome) o Espírito Santo se manifesta aos seguidores de Jesus aqui reunidos — inclusos os 11 apóstolos que sobraram após o suicídio de Judas.
Quem sabe, portanto, este lugar não preserva algo de abençoado.
Não tenha dúvida. Ao meu ver, apesar das pessoas e suas loucuras, essa terra me parece abençoada e guarda ainda a energia do querido Mestre de Nazareth. Que bom!…
Linda a apresentação/reconstrução da sala de Última Ceia com seus arcos, Pilares e Vitrais arcadas, bem renascentista, à semelhança da pintura de Da Vinci.
Com certeza essa outra representação do pintor alemão Fritz corresponde mais à realidade da época de Jesus , a simplicidade do local e às condições sócio-econômicas dos que o seguiam.
Quanto a quem divide a mesa com Jesus na Santa Ceia de Da Vinci, nào tenho dúvidas sobre que se trata de João, o Evangelista, por várias razoes dentre elas: a juventude dele, a forma física com que era descrito, a proximidade com Jesus e Pedro, um do lado outro do outro, ja que andavam sempre juntos, e porque naquela época as mulheres não dividiam a mesa com os homens.
Posso estar enganada , mas a tradição histórica leva a essa conclusão.
Quanto a Pedro, Caravaggio ( um dos meus pintores preferidos ,pela sua carga dramática e realista) o representa muito bem.
Linda postagem
Obrigada pela viagem.
Em tempo:
Em relaçao ao rumo de Maria, contam as escrituras da época, creio que no proprio Evangelho de João, a referencia que ele, o discípulo amado, a partir dai a tomou sob sua guarda, como Jesus sinalizou antes de morrer. Segundo consta, antes de partir Jesus a entregou a ele
Ao lado disso há referencias históricas da comunidade de Éfeso , na Ásia Menor, onde João era lider e aparece a figura de Maria junto a eles.
Pode ser que depois da partida dela tenham trazido o corpo para essa região ai de Jerusalém.
Grande postagem.
Uma beleza.
Essa série tem sido ímpar.
Grande abraço