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Benim

Visitando Ganvié, a “Veneza da África” no Benim

Eu preciso dizer desde já que “Veneza da África” é uma forçação de barra feita pelos propagandistas — ninguém espere encontrar, em pleno Benim, o glamour e a estirpe de Veneza. Afinal, este lugar nunca foi rico, ao contrário da sereníssima com seus cristais, comércio, doges e bailes mascarados.

Ganvié [lê-se Ganviê], entretanto, tem seu quê de pitoresco, um tanto como as comunidades de palafitas da Amazônia. Oh yes, nós temos canais, mas aqui se trata mais de uma cidade dentro de um lago do que qualquer outra coisa.

Ela se estabeleceu nos idos de 1717-1727, quando este povo de língua tafé estava sendo perseguido pelo rei Agadjá de Daomé — o principal reino destas bandas, dos falantes da língua fon, e colaboracionista com os europeus traficantes de escravos. Ele adquiria utensílios ordinários que lhe davam status, além de tabaco (brasileiro!) e rum de cana, em troca de carne humana. Fazia expedições para ampliar o seu reino, e nisso capturava pessoas para vendê-las aos europeus ansiosos por mais braços pretos para as suas plantações e minas.

As pessoas que fundaram Ganvié escaparam no lombo de crocodilos, diz a lenda. Vieram para este Lago Nokuê transformando-se alguns deles também em crocodilo, o que resultou numa sacralidade desse animal entre eles. (Um tanto como as cobras píton em Ajudá; mas, normalmente, não há mais crocodilos neste lago.) Sejam bem-vindos agora entre este povo, senhoras e senhores. 

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Ganvié, apelidada no Benim de “a Veneza da África”, é pobre, mas não deixa de ter seu charme e seu elemento de curiosidade.
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Há lojas, restaurantes… mas, ao contrário de Veneza, Ganvié ainda preserva bastante do que é a vida comum aqui do dia-dia. É dos lugares mais turísticos do Benim, mas você pouco verá dos outros turistas aqui; verá bem mais os próprios moradores tocando a vida.

Vindo até Ganvié

A estrutura do passeio

Eu estava em Cotonu, no sossego dos meus anos, a procurar ver a melhor forma de vir a Ganvié, que fica a não mais que 15 Km. Entretanto, apesar da curta distância, a coisa se provou uma verdadeira novela — ainda bem que com final feliz. Divido com vocês as opções e minha sugestão.

A coisa funciona da seguinte forma: você precisa primeiro ir de carro até Calavi, a menos de 15 Km de Cotonu, onde há um embarcadouro. Ali, você contrata um serviço regulamentado pelo governo — com preço fixo e recibo carimbado — para fazer o passeio de barco até Ganvié com um guia licenciado. Entretanto, quase ninguém quer se dar ao trabalho de organizar esta vinda por conta própria, e acaba dando gordas margens de lucro aos operadores e agências. 

Algumas agências, em especial uma operada pelo Hotel Germain lá mesmo em Ganvié, costumam oferecer um pacote com tudo incluído por 35 mil francos por pessoa (cerca de 55 euros), bem mais caro do que precisa ser. Eles o levam a três comunidades que aquele povo que escapou do rei escravagista criou no lago. Ganvié é apenas a mais famosa delas.

Eu pedi ao hospitaleiro beninês dono da pousada, meu contemporâneo, que me instruísse como chegar lá e visse se não havia um motorista disposto a me levar até o embarcadouro.

Ganvie no mapa do Benim
Note onde ficam Cotonu, o embarcadouro de Calavi, e Ganvié à beira do lago — a mais famosa de vários povoados estabelecidos no século XVIII pelo povo de língua tafé. (Observe também que esta é uma viagem melhor feita a partir de Cotonu que da capital Porto-Novo, pois de lá você precisa de todo jeito passar por Cotonu para chegar a Ganvié.)

O segredo para vir de modo independente é como chegar a Calavi — e depois voltar de lá a Cotonu quando seu passeio de barco terminar. Ele dura cerca de 1h30-2h.

Cári, o motorista com quem eu havia ido a Ajudá no dia anterior, quis me cobrar 25 mil francos (quase 40 euros!) só para me levar ao embarcadouro, esperar 2h, e voltar os 15 Km. Nem os taxistas de Feira de Santana são tão gananciosos assim.

Eu acho que ele estava se sentindo em dívida consigo mesmo diante de uma perda de oportunidade, vendo este cara-pálida endinheirado (Deus benza!) e querendo se aproveitar. Já no dia anterior, no caminho de volta, veio tentando me seduzir a fazer com ele — por 150 mil francos ou 240 euros — um passeio “completo” a Ganvié e depois, mais ao norte, a Abomé, a antiga capital do Reino de Daomé.

— “Lá, você vai conhecer, a História!“, disse ele assim pausado, com espírito de vendedor e a voz de quem conta história infantil e se demora nos sons para a criança se impressionar.

A solução: Gozem

Ao fim, o melhor que fiz — e que altamente recomendo — foi utilizar o aplicativo Gozem, que não é o que você está pensando. Não se trata de aplicativo pornô. Zem é o apelido que eles aqui dão aos mototáxis, e Gozem (de Go Zem em inglês) é um aplicativo tipo Uber, que lhe permite fazer corridas até para fora da cidade e escolher o modo de transporte (moto, carro sem ar condicionado, ou carro com ar condicionado). Portanto, Gozem. É o melhor que há.

Pelo aplicativo, a corrida de Cotonu até o embarcadouro de Calavi saiu por meros 4 mil francos (€6 ou R$32). O melhor é negociar que a mesma pessoa espere e o traga de volta por outros 4 mil, com 2 mil extra pela espera. Ou seja, tudo pela pechincha de 10 mil francos (€15 ou R$80). O passeio de barco propriamente dito e com guia incluso custou-me 7.500, então 17.500 mil o meu dia — exatamente a metade do que a agência cobra. Bela margem de lucro. 

(“Ah, Mairon, você deveria fazer isso e ganhar dinheiro!” Tenho um amiga que brinca que eu só não sou rico porque não quero. Generosidade dela, mas, francamente, algo nessa usura toda me incomoda. Eu prefiro fazer o estilo Mister M — que já foi meu apelido, por sinal — e desvendar os truques.)

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Você pode ir também de moto (estes de amarelo são todos mototáxi). É ainda mais barato, mas você vai tomando fumaça na cara, e o trânsito é assim. Só agora estavam introduzindo a obrigatoriedade do capacete também para o passageiro. Era novidade no Benim.

O trajeto

Foi assim que eu conheci Fernand, um rapaz animado e enrolado, desse tipo de motorista de Uber que você deve conhecer. Teve que parar algumas vezes para repor o óleo do carro, e demorou a chegar porque, segundo ele, foi parado pela polícia quando estava ao telefone com mãe enquanto dirigia. “Eu falei ao policial que era minha mãe e eu não podia deixar de atender. Podia ser alguma coisa em casa”, comentou ele comigo no tom de quem conta um ocorrido, mas de vamos-tocar-o-barco, a-vida-é-assim, esses-policiais-ficam-inventando-treta.

Eu lhe disse que Fernando havia sido o nome do meu avô, e ele se empolgou.

Fiz um pequeníssimo vídeo da nossa saída de Cotonu — embora pareça que você nunca realmente sai da cidade, e basicamente trafega toda uma zona periférica até chegar à muvuca do embarcadouro de Calavi. A música que você ouve de fundo estava no som do carro, não fui eu que pus no vídeo.

Seguíamos ali por aquele subdesenvolvimento peri-urbano que tanto me lembrava o Brasil. Sem a tamanha violência brasileira (que é inflada sobremaneira pelo tráfico de drogas, que aqui não tem nem de longe a mesma proporção), mas com maior pobreza. Você vê bastante gente de rua e gente a pedir ou vender coisas aos carros que param — mais que no Brasil.

Numa dessa é que Fernand para e pergunta a um moleque quanto custa uma maçã das que ele vendia. Trocados vão, maçã vem, e eu achei que Fernand queria um lanche nesta manhã nublada. Não, queria era enfeitar o carro. Pôs a maçã sob o pára-brisas e olhou pra mim com ar de “agora está bonito”. (As coisas que a gente encontra…)   

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Agora sim, estávamos completos.
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Até que, depois de uns 30 minutos saindo da cidade (a depender do tráfego), tomamos este curto ramal até o embarcadouro de Calavi à beira do lago.
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Passa-se por um muvucadíssimo mercado à entrada do embarcadouro, que tem um terreno onde se pode estacionar. Os vestidos, sim, são sempre lindos. As pessoas aqui da África Ocidental têm talvez as vestes mais chamativas do mundo.
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Figura divertidíssima.

Ganvié, o vilarejo sobre o lago

No embarcadouro

Desde 2016, o passeio em Ganvié é regulamentado pelo governo. Ao entrar na área com o carro, logo alguém da segurança lhe perguntará se você tem agendamento com algum guia. Se não, não há problema, é encaminhado ali a um balcão onde os funcionários lhe mostram os preços tabelados. A coisa é mais organizada do que parece.

Custou-me 7.500 francos o passeio de 1h30 num barco motorizado só para mim, com um canoeiro (le piroguer, geralmente um adolescente) e um guia licenciado, que virá usando um crachá no pescoço.

Eles emitem uma via com dois recibos (pois o valor de 7.500 inclui duas partes cujo total dá esse valor) e os nomes do guia e do canoeiro. O guia então vem até você, e tudo ali está incluso. Se quiser dar gorjeta, é por sua conta.

A saída é imediata. Deixei Fernand ali se distraindo com o celular esperando, e segui canoa adentro com meu guia, que se apresentou como Eric Kiki, um rapaz cuja idade eu não consegui precisar, pois tinha cara de menino, mas raízes de cabelo branco desafiando o adágio de que “negro quando pinta, tem três vezes trinta”. Em verdade, o mais notável de tudo nele era a escarificação do rosto — marcas feitas com lâmina quente na tenra idade para identificá-lo como membro do clã. 

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Eis Eric Kiki, senhoras e senhores. Era realmente o seu nome, este companheiro de idade desconhecida e rosto escarificado pela tradição. Disse-me que era útil, pois assim membros do clã se identificam um ao outro quando estão longe daqui, mas que hoje os mais jovens já nem sempre querem saber mais disso. Nas suas longas vestes estampadas, foi me falando sobre Ganvié.
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E vamos nós!
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Woohoo!

Visitando Ganvié

Já ao cais onde tomamos esta canoa motorizada, o aroma de laranja sendo descascada tomava conta do ar. Você que pensa que este lago cheira, na verdade o cheiro era daquilo que uma das senhoras se preparava para vender. São elas que suprem o mercadão muvucado lá no lado de fora do embarcadouro, e vendem também a bordo — como ambulantes sobre as águas.

Curiosamente, todos os ambulantes canoando são mulheres. Aqui, as mulheres se ocupam do comércio e os homens, da pesca. Você, portanto, pouco vê homens aqui, exceto os envolvidos com lojas ou o turismo. São elas que vêm e que passam, mas o doce balanço é das águas a caminho do mar.

Em verdade, elas são é bastante sisudas — algo que já cansadas dos turistas a lhes tirarem fotos. Passam com seus lenços coloridos na cabeça ou, mais frequentemente, com amplos chapéus de palha, as canoas repletas de frutas, verduras, ou até de panelões de comida feita que é vendida ali de pronto como almoço.

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As mulheres de Ganvié, de chapéu sobre as águas, a perambular remando e vendendo nas suas canoas.
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Você as vê descascando laranjas — e mandando os aromas ao ar —, com quantidades grandes de tomates, ou assim, com panelões de comida pronta para vender de uma canoa a outra.
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Mulheres a canoar em Ganvié,

Tivessem as músicas de Dorival Caymmi sido escritas aqui, seus eus-líricos seriam todos femininos destas raçudas mulheres.

Não fazia muito sol, mas mesmo na sombra você se queima. Eu peguei um belo bronze que vocês verão nas próximas fotos.

Aqui no Lago Nokouê, nós circulávamos lá e cá vendo as construções. Levamos 15 minutos desde o embarcadouro até chegar aqui, e levaríamos 1h circulando. Não há “monumentos” nem lugares muito específicos a ver. A atração é mesmo aquela cidadela de casas de madeira feitas sobre paus nas águas.

Embora pitoresco e “diferente”, não deixa de provocar certa aflição pela pobreza em que estas pessoas vivem.

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Assim vivem as pessoas em Ganvié. As casas precisam ser refeitas de tempos em tempos, já que a madeira não dura para sempre.
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A água do lago não é podre, mas não serve para beber. As pessoas hoje contam com estações de água potável onde vão se suprir.
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Centro de promoção à saúde.
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Ambulância de Ganvié.
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Lojinha sobre paus.
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Há banheiros públicos aqui e ali, mas eu não quero pensar muito nessa parte.

Nessa coisa toda, a animação fica mesmo por conta das crianças — extasiadas diante da visão de um raro branco.

“Branco”, que aqui se mistura com o significado de “estrangeiro”, se diz yovô na língua fon, predominante no Benim. Aqui em Ganvié, na língua tafé eles dizem yevô. É impossível passar mais que alguns minutos sem escutar as vozinhas a exclamar “Yevô! Yevô!“. Aí, quando você olha, dão um tchauzinho, ou um pulo, ou fazem alguma graça de criança para o adulto olhar. Os menorzinhos, de seus 3-4 anos, eram os mais fofos a chamar yevô com aquela alegria infantil sincera.

Alguns tomavam banho naquela água de qualidade duvidosa. Aprendi que há centro de água potável onde tirar, e há toaletes públicos com um certo saneamento, mas mesmo assim a vida destas pessoas é em palafitas por sobre aquele lago com baronesas, animais a circular (vi cachorros magrelos e filhotes de porco, além de galinha) e certo lixo jogado.

Você faz algumas pausas, visita casas de artesania, e desce do barco em vendas onde comprar algo. 

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Diante das baronesas do Lago Nokuê em Ganvié, Benim.
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Crianças a navegar.
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Nossa canoa.
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Ganvié, Benim.

Vejam aí uma palhinha.

Detivemos-nos então n’algumas lojas de artesanias. Quase sempre máscaras tribais talhadas em madeira, camisas estampadas e badulaques muitos. Quem não tem balangandãs não vai ao Bonfim, cantava o supracitado Caymmi, e aqui na África todas as mulheres usam balangandãs.

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A gente entra assim nas lojas, deixando as águas de Ganvié lá fora. (Elas, entretanto, estão sempre também embaixo, e dá aquele medo gutural de deixar cair uma chave ou o celular pelas frestas do chão.)
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Lembrancinhas à venda em Ganvié. Os postais são de pontos turísticos do Benim — inclusa a porta de não-retorno de Ajudá.
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Máscaras e artesanias outras em madeira.
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Máscaras tribais são do que há de mais típico aqui.

Kiki me contou que, via de regra, eles aqui seguem a mesma matriz religiosa do vodun praticado por outros beninenses, com suas referências aos equivalentes dos orixás em variações regionais. Há influências islâmicas e cristãs, porém poucas. Os europeus não se meteram muito aqui; o povo segue vivendo quase que da mesma maneira que há 300 anos, quando escaparam de ser capturados e vendidos como escravos pelo rei de Daomé.

Depois de coisa de 1h ali circulando, nós começamos a retornar. Outros 15 minutos. O cais de tábuas seguia pleno de vendedores e, especialmente, vendedoras — os homens eram fulanos vendendo coisa pra turista, não alimento.        

Não é raro que o guia diga que, se você quiser, pode lhe dar uma gorjeta no fim do passeio. Eu daria a Kiki 500 francos, ao que ele fez um certo ar de quem gostaria de ter recebido mais (como sempre ocorre), mas foi cordato, soltando um literal “Tamo junto” (nous sommes ensemble) ao apertar a minha mão e se despedir. Eu nem sabia que se dizia isso também em francês.

Após as mulheres com seus tomates, avistei o terreno enlameado onde estava o carro, e lá avistei Fernand no seu “de boísmo” habitual. Não vi grandes atrações para refeição aqui em Ganvié, então achei mais adequado deixar para fazer um almoço tardio de volta na pousada em Cotonu.   

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O movimento.
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Ganvié vista do alto de uma casa de camisas e lembranças onde entramos.
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O mercado do lado de fora do embarcadouro. Assim caminha a humanidade.

Epílogo: O policial azedo

Eu costumo sempre dizer que, aqui na África, a polícia causa mais dor de cabeça que os ladrões. Além de haver um abuso medieval de autoridade para com as pessoas simples, eles em geral se engraçam para o lado de turistas brancos atrás de um “agrado”. E como são sensíveis, ó senhor. Piram, por exemplo, com fotos e câmeras, então atenção.

Na volta para Cotonu, Fernand estava lá vendo mais uma vez o óleo que precisava repor, e tomamos nosso rumo. Foi quando eu cometi a imprudência de tirar fotos do tráfego louco sendo que havia policiais ali tentando (quase em vão) organizar o trânsito. Crianças, não façam isso em casa.

O policial viu a minha máquina fotográfica e mandou descer do carro. Disse a Fernand que encostasse ali e ordenou que eu lhe entregasse o aparelho. Não sei se eu poderia não ter dado, mas na hora achei por bem não criar resistência. Desci ali e o acompanhei ao que ele, com minha câmera numa mão, ainda administrava apitos ao trânsito antes de se reunir aos demais. Fernand foi estacionar. 

Viemos ao postinho à beira da rua onde outros três policiais também estavam, e ele pegou a passar as fotos recentes que eu havia tirado. Eu, prontamente, falei que não o havia fotografado (a verdade, como ele poderia constatar), e me desculpei pela perturbação. O policial deveria ter uns 30 anos. Perguntou de onde eu era e o que estava fazendo ali. Fernand chegou, ao que o policial lhe falou na língua local — segundo ele depois, dizendo que precisava ver os papeis do carro. É claro que uma coisa leva a outra.

Por razão qualquer, minha adrenalina não subiu. Eu falei que era brasileiro e que tinha vindo ao Benim para visitar. Ele perguntou se eu ficava assim tirando foto assim dos lugares (bem, sim), ao que lhe expliquei que era simplesmente para conhecer. Perguntou se eu tinha o meu documento de identidade comigo (neste caso, o passaporte, que sempre tenho comigo para situações como esta), e lhe mostrei. Ele nem quis ver direito. Havia uma outra conversa paralela, na língua local, com Fernand e também um dos outros. Eu meio que sabia para onde isto estava indo.

Pedi se poderia, por favor, ter de volta a minha câmera. (Pelas fotos aqui, vocês já sabem que eu a obtive.) Ele foi cedendo até que me deu, e Fernand me puxou a dizer que agora seria preciso dar alguma coisa a eles para soltarem o carro. “Dois mil“. Pus a mão no bolso ao que perguntei se era isso mesmo. “Assim na vista não, venha aqui atrás.

Com a minha câmera já em mãos, eu até me perguntei se precisava mesmo, mas não quis abusar da sorte. Dois mil — o equivalente a três euros — era uma pechincha, mais barato que uma passagem de metrô onde moro em Estocolmo, e eu sabia que a coisa poderia ter complicado muito mais se eles quisessem encher. 

— “Pode ser 500, 1000?”, ainda perguntei a Fernand, sovina.

— “Não, 2 mil”. Preço tabelado, pelo visto.

— “Ok”

Fernand visivelmente tinha o know-how. Pôs a nota às costas do celular que segurava com a mão, e voltou ali à janelinha da casinha dos policiais como que a ver se estava tudo certo e podíamos partir. Assim foi. Os 2 mil desapareceriam. Se ele deu mesmo ao policial ou deu um jeito de ficar para ele, fica aí como indagação à là saber se Capitu traiu ou não Bentinho, versão do Benim. O policial nem surgiu mais.

Voltamos no carro conversando, ele a exprimir sua filosofia de que na vida é assim, às vezes a sorte, às vezes a má sorte, mas que se precisa levar as coisas na esportiva e tocar a bola. Disse que outros turistas que ele conheceu teriam ficado destemperados e estressados o resto do dia.

Como me disse certa vez uma amiga canadense quando eu perdi outros 3 euros para umas meninas ciganas na França: vale o investimento para ter a história a contar. Investi mais nesta, pelo visto.

No dia seguinte, Fernand apareceria de novo para me levar até Porto-Novo por menos da metade dos preços que me haviam oferecido. 8 mil francos em vez de 20 mil. Oh la la. Vejo vocês de novo na capital do Benim, finalmente.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Visitando Ganvié, a “Veneza da África” no Benim

  1. Super interessante o Ganvié. Curiosa essa vida e acima de tudo trabalhosa. Batalhadoras essas mulheres.
    E que impasse esse ai… Ainda bem que a grana nao foi tanta… e nao teve a máquina apreendida…
    Acidentes de percurso. Muito bom conhecer essa regiao.
    Valeu, jovem viajante.

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