Este na foto é um AirBus 330 da Air Senegal, o mesmo modelo que voa na Europa. Os receios com as aerolinhas africanas são exagerados, fruto ainda de um preconceito residual, e que está ficando demodê conforme expoentes como a Ethiopian Airlines, a Air Senegal e outras aparecem.
Sim, há aquelas aerolinhas obscuras que nem sempre têm os melhores pilotos ou a melhor manutenção, mas não se deve pô-las no mesmo cesto destas companhias maiores e que operam centenas de voos diários sem problemas.
Voar na África ainda é caro, mas eu descobri que empresas como a Air Senegal frequentemente têm as melhores rotas diretas e ofertas. Costuma sair bem mais barato que com suas concorrentes europeias — que às vezes fazem ser mais barato voar entre a África e a Europa que entre dois países africanos vizinhos.
Há peculiaridades e diferenças, todavia, algumas que vêm para bem e outras que vêm para mal.
Neste meu périplo pela África Ocidental, que já me levou até Togo e Benim, eu usaria a Air Senegal pela primeira vez — e aprovei. Era hora agora de chegar ao Senegal, e nada como utilizar a sua companhia nacional para isso.
Aqui eu descrevo minha experiência de voar do Benim até Dakar, minha avaliação (e aprendizados!) com a Air Senegal, e também o que encontrei — e o que esperar — do Aeroporto Internacional Blaise Diagne na capital senegalesa, que tem se tornado um certo centro nodal nesta região da África.

Voando na Air Senegal
A logística, alguns benefícios, e uns alertas
Comecemos pelo começo. Não há mistério para comprar voos pela Air Senegal — basta você aceder ao site oficial da companhia, https://flyairsenegal.com (não é airsenegal.com), e procurar voos como em qualquer outro site de empresa aérea. Você verá que ela opera destinos europeus (Barcelona, Milão, Lyon, Paris e Marselha) além de Nova York e uma dúzia de destinos africanos, todos eles aqui na África Ocidental. Ela é a melhor opção — certamente a mais barata — se você quiser evitar as mal-afamadas fronteiras terrestres e optar por ir de avião entre um país desta vizinhança e o outro.
O sistema de busca deles é melhor que o de muitas cias aéreas europeias, e se aceitam cartões de crédito internacionais sem problemas. Como outras empresas africanas, ela é inclusive (bem) mais generosa em termos de serviço de bordo (ex. há refeição digna incluída no preço) e de bagagem despachada, pela qual eles não cobram a mais.
Dito isso, há que ficar de olho em algumas coisas. Duas em especial me chamaram a atenção:
- Eles não mandam muita notificação por e-mail. Legal, né? Sim, só que comigo ocorreu de alterarem a data do meu voo sem me informar. Coisa que ocorre (e boa sorte tentando reclamar ou obter algum tipo de compensação), mas eu fiquei no escuro e só descobri porque aconteci de ir em “Administrar minha reserva” e vi que a data havia sido alterada por motivos de logística etc. (Eu acabei ficando uns dias a mais no Benim, em Ouadadá em Porto-Novo, do que havia originalmente planejado.). Portanto, é prudente consultar o Manage my booking de quando em vez.
- O voo pode sair antes do horário. Voos atrasados há em todo lugar, e não achei a Air Senegal melhor nem pior nisso. Mas voo decolar uns bons 30 minutos antes do horário, eu achei pitoresco. Aconteceu comigo. Se estava já todo mundo a bordo, não sei. Moral da história: não deixe para chegar ao aeroporto de última hora. Venha com umas boas 2-3h de antecedência.
Eu preciso ser justo em dizer que isso tampouco ocorre o tempo todo. Eu já voei 4 vezes com a Air Senegal a esta altura, e essas coisas aí acima só me ocorreram uma vez cada, mas é bom ficar de olho.


A experiência do voo
Decolamos com uns bons 30 minutos de antecedência do Aeroporto Internacional Cadjehoun (COO) em Cotonu, no Benim, eu a olhar para baixo e me indagar se havia passageiros deixados para trás.
O aeroporto, a propósito, é bastante bom — novo. Os funcionários são corteses e profissionais. Encantam-se quando veem um passaporte brasileiro, e você faz bem em lhes ser cortês. Aos que acompanharam o périplo pelo Benim, lembrar que eles também aqui na saída pedem para (re)ver sua página impressa do e-visa (visto eletrônico). Então não a jogue fora antes de terminar a viagem só porque já entrou no país.
Meu avião não ia cheio (daí também minha indagação sobre os ausentes). Eu ia na poltrona C, ao corredor, e não muito perto nem muito longe de mim, na poltrona A à janela, ia um árabe magro e um tanto esquisito, todo de camisa e calças brancas, mas que infelizmente parecia pouco afeito a água e sabão. Aliás, havia no ar condicionado um infeliz cheiro de pessoas que não haviam tomado banho.
Ao que nos afastamos do Benim e ganhamos velocidade de cruzeiro, uma comissária negra alta e de ar sério — com a minha altura e quiçá perto do meu peso, além de voz encorpada — parecia ser a própria rainha Nzinga que estava ali a me perguntar se eu iria querer galinha ou peixe.

Aquilo que você viu acima com banana-da-terra, portanto, continha peixe ali escondido no molho de tomate. Estava uma delícia. (Revolto-me profundamente hoje em dia que sejamos, nós de outros continentes, tão ignorantes acerca do belo cozinhar africano. Não só só os pratos típicos, mas que quase tudo que eles fazem fica gostoso.)
Após a refeição, chegamos a dar um pinote daqueles de parque de diversão, de sentir frio na barriga. O piloto em breve nos falaria que se tratava de uma curiosa “turbulência de céu limpo” por culpa dos ventos. Depois de aprender sobre o harmattan naquele dia, o vento sazonal que cobre o Benim de poeira do Saara em dezembro e janeiro, eu fiquei a me perguntar se deveria me preocupar ou não.
Eu não vou negar que, nestas aerolinhas africanas, as turbulências geram um cagaço extra. Deve ter uma dose indevida de preconceito aí, mas é também pela manutenção. Há companhias proibidas de voar à Europa por causa disso, embora não seja esse o caso da Air Senegal. Seguiríamos plácidos naquele começo de tarde até aterrisar no Aeroporto Internacional Blaise Diagne nos arredores de Dakar, Senegal.



No Aeroporto Blaise Diagne no Senegal
O Senegal não exige vistos para brasileiros ou portugueses. O aeroporto Blaise Diagne (DSS), inaugurado em 2017, é bastante amplo e moderno. É também bastante longe da cidade, a mais de 50 Km do centro de Dakar. Esse trajeto, entretanto, é praticamente uma autopista onde meu motorista — um coroa escuro chamado Mamadou — punha 120 Km/h quase desimpedido.
Ali, uma paisagem seca de vegetação surrada pelo sol e pela poeira se fazia presente de um lado e do outro do longo asfalto feito pelos franceses em regime de concessão. O Senegal foi colônia francesa até 1960, a quem não sabe, e um tema sempre vigente aqui é o quanto de dependência ou relações econômicas desiguais ainda há. Algumas casas, também elas secas, depois apareceriam no horizonte junto com algo que deixava a visibilidade baixa e que eu não sabia dizer se era poluição ou poeira. Talvez um misto de ambas.
Mas voltemos um pouco, pois de Dakar eu vos falarei em detalhes no post seguinte.
Fazendo imigração no aeroporto de Dakar
À fila da imigração, pouco disposto a muitos papos, minha intuição me levou a fazer que eu não falava francês — para encurtar qualquer conversa. Se quisessem me fazer perguntas, teriam que fazê-lo em inglês. Como o inglês deles é meia-boca, costumam ficar desestimulados.
Sempre me lembro de um amigo armênio, que me contava das tramoias dos policiais russos, comentando que era bem melhor se você não falasse russo. E me recordo, inocentemente, de que ao chegar à Rússia pela primeira vez na vida, a primeira pergunta (em inglês) do oficial foi se eu falava russo. “Não.”

A imigração em si passou-se sem contratempos aqui. Pedem que você pose para a câmera ali no próprio guichê diante do oficial e ponha os dedos sobre o leitor digital — nada fora do que muitos países fazem. Carimbou meu passaporte e, em menos de 5 minutos ao todo, passei. Mal teve fila, e a coisa era organizada.
Quem incomoda é apenas aquele guardinha às vezes posto imediatamente após a imigração para ver se você recebeu mesmo o carimbo, e que começa a fazer perguntas. Viu um passaporte algo exótico, já que a maioria dos transeuntes eram africanos, e viu naquilo também uma oportunidade. Perguntou se era a minha primeira vez no Senegal, minha profissão, e endereço no país.
Forneci tudo, e não sabia aonde ele queria chegar. Um e outro de passaporte mais ordinário por aqui ia passando, ao que ele olhava e dizia que seguisse, sem contudo me largar. Acho que perguntou umas 3 ou 4 vezes se eu era brasileiro, e aonde eu iria depois daqui. Talvez tenha se interessado pela minha história de que eu não tinha uma passagem de saída, pois tinha a meta de cruzar por terra para o país vizinho, e de lá tinha um voo já comprado.
Ele me pediu que eu o acompanhasse, o que nunca costumo gostar. Entramos numa sala dessas burocráticas de aeroporto que estava vazia. Ele, um indivíduo com sobrepeso e seus quase 40 anos dentro do uniforme policial, se sentou atrás de uma mesa dessas de delegado. Tornou a perguntar aonde eu iria, sem ser muito objetivo. Sorria malandramente, mostrando dentes meio manchados como os de quem masca tabaco. Não achei que ele seria tão objetivo a ponto de dizer, abertamente, que eu deveria lhe dar um trocado para o cafezinho. Achei tão escancarado aquilo que foi uma agressão quase estética por falta de refinamento.
Fiz-me de desentendido, e o idioma veio a calhar, pois ele tropeçava para se exprimir em inglês. Ele falava em café, e eu respondia “Sim, café, muito bom o café do Brasil.”
Foi ficando mais explícito, falando se eu não tinha dólares, euros, ou mesmo francos — ao que puxou do bolso casualmente duas notas amassadas de 10.000 francos CFA (uns 15 euros cada) para me mostrar. Eu realmente não estava disposto a torrar 10.000 francos CFA nesse filho duma p***, já passado o suficiente pelos 2.000 que sumiram no trânsito em Cotonou. Tudo tem limite, ainda que aqui eu estivesse numa sala, e ele com o meu passaporte em cima da mesa.
Ele chegou ao ponto de pegar o próprio celular para pôr no tradutor e me mostrar por escrito o que queria dizer. Algo sobre dar-lhe “um presente”. Eu, em vez disso, segui dizendo que se ele queria ir tomar um café comigo, que fôssemos.
Segui-me fazendo de desentendido a ponto de ficar até parecendo que eu era retardado. Ele, em tempo, viu que eu não era, mas foi também o tempo em que dois outros policiais chegaram com uns papeis à sala. Hora de sairmos. Ele pareceu se cansar do esforço. Recuperei meu passaporte, saímos, e ele não puxaria mais conversa comigo. Indicou meio azedo que eu seguisse. Adieu, monsieur. (Deu quase vontade de dizer.)

O que fazer se ocorrer com você? Depende da situação, mas via de regra, você pode recusar dar qualquer coisa, contanto que não perca o estribilho. Fique calmo, seja respeitoso, e mantenha a compostura. Acaba sendo aquele jogo de ver quem pisca primeiro; neste caso, quem cansa primeiro.
Fazendo conexão internacional no aeroporto de Dakar
Aqui vai um bônus a quem porventura quer apenas fazer conexão internacional no Senegal, sem de fato imigrar ou desembarcar no país. Há rotas assim, com conexão em Dakar, e eu viria a fazer uma delas.
Sendo esta a única via (ou se for de longe a mais barata), venha, mas saiba que este é um lugar bastante burocrático onde fazer conexão. Deus queira que você tenha tempo o bastante entre um voo e o outro.
Não pense que Dakar é como a Cidade do Panamá ou tantos outros lugares onde você, basicamente, fica no saguão internacional e passa lépido e faceiro de um portão a outro. Aqui, é preciso não apenas passar por um detector de metais, mas há pelo menos dois outros balcões — uma espécie de Balcão de Conexões, onde será preciso mostrar o seu cartão de embarque do voo seguinte, e outro onde um policial vistoriará seu passaporte.
Tudo isso fica junto um do outro, não é difícil achar, mas é quase uma corrida com obstáculos em série se você tiver pressa. No meu caso, a pessoa nem lá estava, e ficou aquela coisa de alguém chamar pelo telefone e dizer “espere aí um pouquinho que ele foi ali mas já está vindo“. Tenha tudo impresso no papel, pois eles aqui não confiam em coisas em tela de celular.
Bem-vindos ao Senegal. Aventuras nos esperam.
Muito interessante. E que abusado o tal guardinha, heimmm. foi ótimo o senhor se fazer de desentendido…. Carinha de pau.
Uau… teria ficado assustada com o movimento brusco no ar, Ainda bem que nao se repetiu.
Gostei tanto da aeronave quanto da visao do país… E do aeroporto.
Vamos que vamos
Comilança com cara ótima…