Quase todo mundo já deve ter visto pela internet as fotos deste Lago Rosa, uma das atrações mais fotografadas aqui do Senegal, sobretudo nesta era do Instagram.
O que não dizem, entretanto, é que (1) grande parte das fotos é editada artificialmente para a água parecer mais rosa que na realidade (la vie en rose?), e (2) não é sempre que ela está sequer minimamente rosa. Em verdade, estamos diante de um caso contemporâneo de deterioração ambiental.
Não, não é que ponham corantes artificiais na água. Sua cor rosa é natural, fruto das microalgas da espécie Dunaliella salina, que habita ambientes com altíssima concentração de sal. É o caso aqui, onde os moradores tradicionalmente retiram sal às pás para uso e venda.
Onde está o problema? Não é que eles tenham retirado sal demais, mas que ele agora está ficando por demais diluído. A urbanização desordenada nos arredores de Dakar fez com que o escoamento da cidade viesse parar aqui e o volume de água do lago mais que dobrasse. Assim, a vida aqui já não é mais cor de rosa.



Bem-vindos ao Lago Retba, Senegal
O Lago Retba fica a 35 Km de Dakar, ainda na “haste” do Cabo Verde onde fica a capital senegalesa e que deu nome ao arquipélago do Cabo Verde 600 Km em linha reta a oeste.
Não se trata de um lugar muito grande, mas de meros 3 Km² de superfície. Ficou famoso, entretanto, pelo seu quê pitoresco devido à coloração rósea dada pelas algas, sobretudo na estação seca entre janeiro e março. Aqui também foi por muitos tempo o ponto de chegada do Rally Paris-Dakar, até este ser transferido para a América do Sul em 2009 por ter ficado aventuresco demais — agora com riscos de ataques jihadistas pelas margens do deserto no caminho.
Eu vim ver de perto, coisa de uma manhã ou uma tarde vindo de Dakar (não recomendo para almoço), e pude constatar com os próprios olhos que o Lago Rosa já não é mais rosa.

Chegando ao Lago Rosa
Era uma singela manhã de domingo em Dakar, quando a cidade se aquieta um pouco mais. A única forma de se visitar o Lago Rosa é de carro, seja num tour (se você achar algum) ou de táxi, com um motorista. Acertei então com Mamadou — que já havia ido me buscar no aeroporto — que fizesse um bate e volta comigo lá por 35.000 francos (coisa de €50).
A depender da rota que você pegar, o trajeto leva de 50 a 90 minutos, a depender também do trânsito. Sendo domingo, as ruas na saída de Dakar estavam bem tranquilas e pudemos imprimir velocidade, levando coisa de 50 minutos para lá chegar.
Uma vez fora da cidade, você cruza uma zona rural arenosa, daqueles vilarejos de beira de estrada, onde mesmo no domingo havia mulheres de turbantes coloridos e barracas de madeira com tomates empilhados à venda, crianças pretas descalças, e homens jovens parados aqui e ali, ou caminhando, mas com um ar de pouco ocupados.
Eu me perguntava qual deve ser a taxa de desemprego aqui. As mulheres estão sempre trabalhando, seja na venda de algo ou inevitavelmente em casa. Já os homens, muitos têm ar de desocupação — não muito diferente do que se pode ver pelo Brasil também, aquele tipo que fica só de prosa aqui e ali, vê futebol, acha o almoço pronto, e depois vai pro bar. Aqui eles ficam pela rua zanzando ou conversando uns com os outros.



Cruzamos o distrito de Niaga, uma cidadezinha pobre de interior. Uma mesquita verde e branca de pequeno porte dava as cores, junto com as roupas das pessoas, sobretudo as das mulheres. O chão é bastante arenoso. Você vê alguma vegetação, matagais ralos aqui e ali, uma árvore e outra (algumas delas, belas, como um baobá que vi à beira da estrada), mas se vê a secura deste ambiente. Chove de junho a outubro, e depois meio que fica o restante do ano tudo seco.
Antes mesmo de você chegar lá, parte daqueles desocupados — ao bom estilo “dois homens numa moto” — já começam a lhe acenar, como que esperando lhe prestar serviços por preços inflados. Mamadou no carro já veio dizendo, no seu jeito meio ovo na boca, “Você vai ver que quando a gente chegar lá vai ter um monte de rapazes querendo oferecer isso e aquilo. Você não deve nem parar para escutá-los. Diz ‘Não, obrigado’, e segue.”
De fato. Chegou ao ponto de, quando entramos com o carro na área já de areia do balneário que fizeram do entorno deste Lago Rosa, dois rapazes numa moto já acenando para nós animadamente nos saudavam pela janela ao lado do carro sem que sequer houvéssemos parado.
Fizeram quase como se fossem fechar o carro na frente (por sua própria conta e risco), ao que Mamadou freou e lhes deu um belo esporro em wolof pela janela. Ficaram para trás desculpando-se. (Vale a pena ir com um motorista mais velho, que lhes imponha certo respeito de pai de família.)



No lago que já não é rosa
O Lago Retba continua a existir, e agora é mais pujante que nunca. Já o Lago Rosa, não. Na própria foto acima você vê os telhados de palha inundados, e sequer estávamos aqui na estação chuvosa. O sal permanece, mas o tom se esvaiu.
Há um certo balneário meio baixo-astral aqui hoje, um ermo com parquinho, mato em meio à areia, “casas de praia” com ares de abandonadas, e uma certa estrutura com restaurantes fantasmas, tudo pintado de cor-de-rosa e sem ninguém, só um ambulante e outro a perambular num estilo meio The Last of Us.


Descemos do carro e, mesmo naquele ermo, não demorou às abelhas sentirem o cheiro da flor. Quanto mais branco ou loiro você for, mais chamativo será. Duas senhoras de balaios de souvenirs na cabeça aproximaram-se, caminhando algo destras pelo irregular chão arenoso com algum mato. Vinham lá, sugerindo que eu lhes tirasse a foto. Eu, como não sou menino, sei que nada aqui dessa natureza é sem interesse. Disse que não; elas disseram que é gratuito, mas depois certamente utilizariam isso pra me induzir a comprar algo.
As duas senhoras insistiam em dizer que aquelas bolotas plásticas dos colares que vendiam eram pérolas, não de plástico. (Ave maria, devem pensar que eu sou realmente retardado para acreditar.) Uma chegou até a morder a pérola para dizer que realmente não era plástico. Cheguei a lhes dizer que pérolas negras originais custariam milhares de euros, o que lhes entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Ou, se ficou lá dentro, não deu sinal.
Defini por não levar nada, e com isso me deram um presente, uma pulseira dessas simples com contas de madeira. Aceitei, dizendo que se era um presente, seria um presente. Um pouco depois, ao que me detive tirando fotos, vieram atrás de uma doação. Essa é um pouco a técnica, uma certa venda subreptícia. Ou você aceite o presente e vá embora, ou não aceite.
Acabei comprando algo na mão delas para encerrar aquela novela. Elas não têm vergonha de pôr o preço lá na altura, mas quando daí você oferece um lá no chão, elas se fazem meio que de ofendidas que você tenha oferecido algo tão baixo. Tanto barganhei que nem pedi foto depois. Depois se foram para famílias brancas europeias que iam chegando. Salvo pelo gongo.




O que houve?
Chuvas. Especialmente chuvas torrenciais que houve em setembro de 2022. Depois delas, o lago nunca mais foi o mesmo.
Não é que tenha havido algum dilúvio de proporções bíblicas, mas que chuvas excessivamente fortes foram combinadas com uma transformação ambiental do entorno do lago. Não o entorno imediato, mas as vizinhanças desta região, onde uma urbanização desordenada, junto com desmatamento local, fez com que a água das chuvas passasse a escoar em grande quantidade para cá.

São enchentes e problemas semelhantes aos que ocorrem no Brasil, e que aqui devastaram o turismo. A BBC em francês fez uma reportagem sobre o assunto, e a mídia internacional tem se debruçado sobre o problema para as 3.000 pessoas que se estima dependerem desta economia.
Aqui, eu vi parquinhos com brinquedos pintados de rosa, casas ainda em obras inacabadas, um turista ou outro passeando de quadriciclo naquela várzea arenosa, mas nada além disso.
Dans son nouveau décor Montmartre semble triste et les lilas sont morts, cantou Charles Aznavour sobre o bairro francês em La Bohème, dizendo que ele já não era o mesmo da sua juventude e que, no seu novo aspecto, parecia triste, com os lilases — flores que vão do violeta ao rosado — mortos.
Em Retba, as microalgas é que se foram, e o momento turístico do lugar é triste. Já não há o que ver. Quem sabe no futuro, se trabalharem n’alguma regeneração ambiental. Tenho minhas dúvidas.
Regressemos a Dakar, pois era hora de zarpar a outras bandas deste Senegal.
Nossa… que água rosa… Água cor de chiclete… é ótimo … hahaha Que bonito.. Pena que nao é real… Esse próprio tom rosa claro é muito bonito… Pena que não está mais assim… E quanto sal…
Que pena que está descaracterizado…nao tem mais nada de rosa…só e outras cositas mas…..
Muito triste esse abandono… E muito apropriado o lamento de AZNAVOUR, ao se referir à decadência de Montmartre. Todo abandono traz esse sentimento… nesse caso um drama ambiental , estético e humano, já que hoje deve estar poluído/contaminado, era mais bonito e muitos dele viviam
Muito bonitinho e arrumado esse centro de Dakar…Arborizado, conservado e limpo.
O interior, essa zona rural ,tambem se parece com o interior do N-NE do Brasil, inclusive pelas cidadezinhas e povoados pobres à beira das estradas. Muito comum por aqui.
Horrível essa vagabundagem masculina, comum tambem nas regiões pobres aqui do brasil e da América Latina. Ecertamente não é só porque é Domingo.
Lindo, o baobá… barrigudo…
Esse assédio para compras é visto em vários lugares da Latinoamérica, principalmente em regiões mais carentes.
E um viva para as mulheres tanto africanas quanto latino-americanas e porque nao dizer, asiáticas também, como ja vimos em outras postagens, com sua garra, seu trabalho constante e a sustentação da economia doméstica. Eita gênero trabalhador…parecem formiguinhas…Deus benza.
Deus nos livre de banho ai… com sal e poluição hahaha never haha
Quanto ao lago, mesmo tendo perdido o tom e estando impróprio ao banho, ainda é belo…
Tomara que a França ou quem de direito tome a frente e reverta essa situação.
Muito interessante… Gostei das andanças do viajante e de conhecer essas paragens.
….só sal e outras cositas mas