Saint-Louis é a capital colonial do tempo francês no Senegal, e como viajar entre Dakar e ela é talvez a indagação logística mais comum a quem visita o país.
Antes da pandemia, havia empresas de transfer atuando com certa presença, como a Dakar Shuttle, mas a coisa parece ter desandado um pouco. Hoje em dia, o grosso dos turistas fica dependente de motoristas particulares (ou carros alugados) para se deslocar. Não recomendo aluguel de carros aqui exceto aos mais aventureiros (tanto pelo trânsito quanto pela corrupção dos policiais na estrada), e motoristas podem cobrar na casa das centenas de euros para ir e vir.
Eis que a solução é um bom transporte coletivo, novo e confortável, que ainda poucos estrangeiros utilizam: Senegal Dem Dikk. Dem Dikk é uma expressão na língua wolof (a predominante no Senegal) que quer dizer “vai e vem”. Há um tempo é uma empresa que já opera transporte coletivo em Dakar, como Dakar Dem Dikk, e que mais recentemente lançou seu serviço interurbano país afora, o Senegal Dem Dikk.
Como faz, como funciona e a experiência é o que vamos mostrar.

A logística: Tempo, distância e preço
São cerca de 300 Km de estrada da capital Dakar até a segunda cidade mais famosa do país, Saint-Louis. Isso leva 4h30 de tempo de viagem. Digo isso com base na experiência concreta, não nessas estimativas vãs de portais de internet.
Aliás, internet é algo pouco confiável por aqui, então peça a alguém na sua acomodação que ligue por telefone para o escritório da Senegal Dem Dikk para perguntar quais os horários de saída. Eles têm um site oficial, mas não confie cegamente nos horários ali.
Inclusive, um tanto como ocorreu com muita gente da classe trabalhadora no Brasil, as pessoas aqui saltaram do dinheiro em espécie direto para as transferências virtuais, sem passar pelo cartão de crédito. Legal, mas uma das virtudes dos cartões sempre foi sua interoperabilidade internacional. No caso desses sistemas de pagamento, eles seguem nacionais, o que põe o turista estrangeiro em certa saia justa.

Aqui, eles vendem passagens usando um tal Orange Money, que é como crédito de celular que você recarrega na rua com alguém, e que aqui é usado também para certas compras (semelhante ao Apple Pay ou ao chinês WeChat pay).
Então o melhor é ficar numa boa acomodação e pedir a um senegalês prestativo ali que compre por você usando o tal Orange Money. Aicha, do hotel onde eu fiquei em Dakar, foi minha tábua de salvação.
Chamamos um tiozinho na rua habilitado a pôr crédito para os outros e eu lhe dei os 11.000 francos CFA para ele pôr de crédito no celular de Aicha. Ela então fez a compra das minhas passagens por telefone, com alguém da Senegal Dem Dikk na linha.
Cada passagem entre Dakar e Saint-Louis custa 5.500 francos CFA, o equivalente a pouco mais de 8 euros (e um décimo do que um motorista te cobraria). Paguei logo 11.000 porque, diante da dificuldade para eu comprar essas passagens diretamente, quis garantir já a volta.
Os horários deles não são lá os melhores, quase sempre zarpam ou de manhã bem cedinho ou de tarde, de tal maneira que você chega no seu destino já à noite. Não dava para evitar as duas coisas, c’est la vie, então vamos partir para Saint-Louis de tarde, chegando lá à noitinha, e retornar a Dakar de manhã bem cedo — ainda que eu terminasse nunca tomando esse ônibus de volta, mas aí são cenas dos próximos capítulos.

Uma nota final sobre a logística. Dakar não tem uma rodoviária centralizada, e estes ônibus saem do Liberté Terminal 5, não do 6. Caso você não consiga alguém a comprar as passagens via Orange Money por você, você pode vir cá pessoalmente e comprá-las no guichê.
Basta fazer essa compra de véspera ou até mesmo no próprio dia da viagem — mas não em cima da hora, pois como vocês verão a seguir, eles aqui dão providência da partida já 1h antes do horário.
Aicha me passou por WhatsApp a mensagem de confirmação que recebeu com o código da compra (como numa reserva aérea), e com aquilo eu vim no dia ao guichê e troquei por um bilhete físico com cara de nota de supermercado com meu nome escrito errado (Mairone, certamente pela pronúncia em francês), coisas da vida. Na prática, vi várias pessoas mostrando direto do celular, mas quis me prevenir com a passagem física por segurança.
A experiência da viagem
Para o ônibus das 15h, às 14h boa parte dos passageiros já estava lá, e às 14:10 eles já estavam chamando para nós pormos os volumes no bagageiro.
Cada pessoa tem direito a um volume de até 33 Kg, e eles vêm com aquelas balanças de chão de mercearia para pesar caso a coisa ameace passar disso.
Munido que eu já estava das minhas passagens físicas, sentado a esperar atento pelos anúncios, fui entregar minha mochila e, acredite você, 40 minutos antes da hora da partida, nós já estávamos dentro do ônibus no ar condicionado aguardando.

Moças negras e altas ao estilo Naomi Campbell se organizavam para entrar no ônibus, cada qual com seu smartphone em mãos. Havia tanto senhoras de vestido quanto jovens de calças compridas de tecido, às vezes no mesmo tom das blusas, marcando as suas pernas longilíneas — elas facilmente tem mais de 1,70m — em cores que belamente contrastam com sua pele bem escura. Gostam de argolões também. Às vezes, coroa-se tudo com um turbante ou coisa parecida na cabeça, que parece parte da indumentária feminina a rigor aqui.
Achei notável que houvesse moças jovens com leve ar de classe média viajando sozinhas, inclusive sentadas do lado de homens estranhos sem problemas, para os que pudessem pensar o contrário sabendo o Senegal ser conservador e muçulmano.
Eu era o único branco a bordo, por assim dizer — já que, para nós mestiços, cor é algo relativo. O mesmo eu que sou “de cor” na Suécia era “branco” hoje aqui.


Cerca de 40 minutos antes da hora de saída, nós já estávamos dentro do ônibus no ar condicionado aguardando. (O ar certamente veio a calhar, mas não sei se quase 1h de motor ligado antes de partir é lá muito eficiente, e numa viagem de quase 5h eu não sei se me atraía demais assim ficar 40min a mais no assento, mas não há muito o que fazer.) O ônibus não possui wifi, mas tem tomadinha USB de carregar celular. Como disse antes, não tem banheiro, mas faríamos uma parada no caminho.
Cerca de 15 minutos antes da hora da saída, passaria um cara com jeito de Polícia Federal checando os bilhetes de todo mundo — no papel ou no telefone. Curiosamente, ele não verificava as identidades. Outra pessoa teria facilmente viajado com a minha passagem.
Às 14:55, já tinha sido fechado o bagageiro, estávamos todos a postos, e sairíamos no horário, em ponto às 15h. (Cheguei até a pensar que o ônibus partiria antes da hora, como meu voo do Benim.)
A estrada é asfaltada, mas é de mão dupla. Com isso, nem sempre se vai tão rápido quanto poderia, mas via de regra é uma viagem sem grandes dramas. O ônibus tem uma suspensão e tanto, volta e meia dá uns arroubos, então só olhe o que põe lá em cima naqueles compartimentos. Caiu uma tangerina quase na cabeça de um, e ao fim ninguém sabia quem era o dono.

Com uma 1h de viagem, chega-se a Thiès, uma das maiores cidades interioranas do Senegal. Com 2h, estávamos próximos a Mekhe.
Pela janela, eu via uma vegetação agreste sob o sol que me lembrava Feira de Santana, de arbustos algo secos e capim amarelado debaixo. Às vezes uma carroça de burro e as pessoas nos trajes coloridos a caminhar. Não faltava lixo acumulado naquelas beiras de estrada.

Às 18h, com 3h de viagem, estávamos quase em Louga — com quatro caminhões enfileirados à nossa frente segurando todo mundo. Às 18:15, faltando 63 Km para chegar, paramos num posto de gasolina com um mercadinho e uma lanchonete. O motorista não se dignou a dizer quanto tempo ficaríamos parados, ao menos não que nós cá do fundão ouvíssemos.
A esta altura do campeonato, eu não estava muito interessado em lanchar, embora tenha dado boas-vindas à oportunidades de ir ao banheiro. Aproveitei e me dirigi ao que se revelou um paredão urinário sem água corrente, ao que outros molhavam os pés e as mãos antes de ir rezar numa pequenina mesquita que ali havia. Ficamos ali 15 min.
Às 19h, com 4h da partida, estávamos a 29 Km de Saint Louis. O sol terminava de se pôr belamente por detrás daquela vegetação de savana — uma savana menos selvagem que as que eu havia já visto na África Oriental, algo peri-urbanizada e sem aquela fauna típica do Serengeti.
Após 4h30 de viagem, entrávamos em Saint-Louis. Os assentos são menos confortáveis que os do Brasil, mas quebram o galho. De repente, já era noite, aquela noite das 19:30 ainda com bastante movimento de carros na rua.

Eu não cheguei a fotografar o afã da descida do ônibus, então vamos com minhas palavras.
Paramos no que era uma beira-de-estrada movimentada fora da cidade histórica. Não faltavam crianças a pedir, antes mesmo de esperar eu descer, e pediam também aos próprios outros Senegaleses embora eu fosse mais promissor.
As nossas bagagens estavam ao chão, feito ovos de tartaruga na areia, esperando ser coletadas aleatoriamente pelas pessoas que em torno procurávamos cada qual a sua no escuro da noite, só com a breve luz dos veículos que passavam. Quase não havia iluminação pública.
Peguei minha mochila, caminhei até a beira da rua onde passavam táxis e outros veículos, novos e velhos, que é quem iluminavam a noite naquele “fechar de comércio” do término do expediente, crianças pretas na rua sem eu saber se tinham propriamente casa aonde retornar — sobretudo meninos. As meninas deviam estar já em casa ajudando a mãe, os meninos aprendendo a vadiar na sua à deriva feito suas versões adultas, que se não dirigem táxi — o Uber do Brasil — não têm mais o que saibam fazer.
Eu tinha que me aproximar bem dos táxis para saber se estavam livres ou se havia gente dentro. Cheguei a ver a reação de uma senhora assombrada me olhando pela janela do banco de trás, vai ver com medo que eu fosse algum árabe salteador.
O preço normal do táxi daqui até o centro antigo são 500 francos CFA. Já o preço de turista é o dobro, 1000 francos CFA. Ainda assim, menos de 2 euros. Negociei com um chapa por 500 que foi primeiro levar uma outra mulher não sei aonde, e pronto, eu estava entregue na noite em Saint-Louis.
Interessante. Pelo menos ha um bom transporte e o asfalto parece bom.
Quanto aos trajes e seus coloridos, concordo com o amigo viajante que são vistosos e bonitos.
Essas aventuras são ótimas.
É isso aí.
Conhecer é preciso. Até para contar…