(Este será um post longo.)
Bem-vindos a Cabo Verde, uma nação singular no Oceano Atlântico. Uma de que tanto ouvimos falar, mas que no Brasil pouco conhecemos. Hora de mudar isso, pois sempre é tempo de reunir a família.
Cabo Verde é aquele filho mestiço de pai português e mãe africana, que ficou com a mãe porque o pai guarda ainda um racismo latente e só o queria sob seu jugo. Cabo Verde no entanto se percebe diferente dos africanos na sua identidade mista, e muito mais parecido é, no fim das contas, com os seus irmãos mais velhos também mestiços — o Brasil e seus primos outros América Latina afora.
O jovem Cabo Verde, independente apenas desde 1975, deveria se aproximar daqueles para estar mais entre os seus, e os irmãos mais velhos deveriam cortejar este mais novo para que venha. Não pode vir fisicamente, mas isso pouco importa: o achego afetivo é quem dá a familiaridade independentemente das distâncias — vide o Canadá e a Austrália na anglosfera, por exemplo.
Não deu para entender tudo? Entenderá sem demoras, não se preocupe. Venhamos mergulhar no Cabo Verde — em mais do que nos seus mares, mas também na sua terra e na sua gente — e vocês logo entenderão tudo.


Abaixo em maiores detalhes.



Chegando a Cabo Verde: Vistos & cia

Não é necessário visto para visitar Cabo Verde se o seu passaporte for brasileiro ou europeu. Porém, é preciso pagar uma tarifa (€30) antecipadamente online ou no aeroporto.
A tarifa exata é cotada em escudos cabo-verdianos, a moeda nacional. Esta foi inspirada nos escudos portugueses, moeda que Portugal usava antes de adotar o euro. Hoje, o escudo cabo-verdiano tem câmbio fixo com o euro (1 euro vale 110 escudos).
Você verá notícias internet afora dizendo que é obrigatório fazer esse pré-registro online como se fosse uma espécie de visto eletrônico (ou Electronic Travel Authorization – ETA), mas isso não é exatamente o caso. É, com o nome diz, apenas um pré-registro.
Talvez uma companhia aérea muito caxias até lhe exija isso no embarque, mas eu próprio esqueci, e pude fazê-lo sem problema nenhum no guichê da imigração já em Cabo Verde, inclusive podendo pagar a tarifa tranquilamente no cartão de crédito.

Verdade seja dita, foi um bálsamo chegar a Cabo Verde depois de várias semanas viajando pela África. O aeroporto de Praia é super organizado, limpo, e um contraste enorme com a Guiné-Bissau, de onde eu acabava de sair. Com franqueza, eu estava já com saudade da modernidade e desta vida fácil — e de não ser mais o único turista branco em vista, já que aqui não faltavam visitantes europeus. Visitar a África é legal, mas tal qual a Índia, é um destino que cansa você depois de um tempo.
“Ah, mas Cabo Verde também é África.” Sim e não. Sim porque os livros de geografia e a ONU têm por hábito pôr cada país forçosamente dentro de um continente. Não dá para não participar de nenhum, porque se desse, Cabo Verde seria um desses coringas que não cabem direito em nenhum dos naipes de cartas. Historicamente, Cabo Verde é tão africano quanto europeu. Culturalmente, talvez seja até mais europeu que africano.
Se aqui é África por proximidade, por História faria parte do Novo Mundo, pois não havia ninguém habitando estas ilhas antes de os portugueses chegarem em 1460. Fazem, portanto, parte da mesma saga que transformou Pindorama em Brasil.

Fundando a Cidade Velha — ou melhor, Ribeira Grande de Santiago
A descoberta
Essa foto acima é em Praia, a capital cabo-verdiana. Ela foi fundada em 1615 como Vila da Praia de Santa Maria. Porém, não foi desde sempre a principal cidade. A primeira de todas foi Ribeira Grande de Santiago, hoje com a alcunha de Cidade Velha.

Essa Cidade Velha é nada menos que o primeiro povoamento de europeus nos trópicos em toda a História. Data de 1462, e hoje é tombada pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade.
Não havia povoamento neste seco arquipélago no meio do Oceano Atlântico. Portanto, tudo que é História humana aqui realmente começa com as navegações portuguesas de 1450-1460.
É controverso se a primeira expedição a descobrir este arquipélago foi liderada pelo veneziano Alvise Cadamosto, pelo genovês Antonio da Noli, ou pelo português Diogo Gomes. A saber, os portugueses (e, mais tarde, os espanhóis) faziam parcerias com os italianos porque aprenderam destes — e depois aperfeiçoaram — as técnicas de navegação dos fins da Idade Média e início do Renascimento.
Tudo foi naquela empreitada fomentada pelo Infante Dom Henrique (1394-1460) de Portugal, e os primeiros registros daquele tempo são curiosos. O veneziano Cadamosto, por exemplo, comenta sobre não ter achado gente aqui, “…não se encontrando nelas senão pombos e aves de estranhas sortes, e grande pescaria de peixe.“
João de Barros (1496-1570), o primeiro grande historiador português, descreveu a descoberta e explicou ainda no século XVI o porquê do nome:
“Neste mesmo tempo (…) se descobriram as ilhas a que agora chamamos de Cabo Verde (…) e do dia que partiram da cidade de Lisboa a dezasseis dias foram ter à ilha de maio à qual puseram este nome por a viram em tal dia. E (…) descobriram as outras (…) que por todas são dez, chamadas por comum nome ilhas de Cabo Verde por estarem ao poente dele por distância de cem léguas.”
O germânico Valentim Fernandes, já à época apelidado de Valentim Fernandes “Alemão”, também confirma que as ilhas se encontravam desabitadas:
“Foram a uma e lançaram gente fora para verem se havia povoação e não acharam. Foram à segunda, não acharam rasto de gente (…). As outras caravelas viram as outras ilhas porém nenhuma delas povoada, senão grande multidão de aves e grande pescaria (…).”
A essa altura do campeonato, os portugueses já haviam chegada à Ilha da Madeira em 1419 (embora haja indícios de essa já ser conhecida dos europeus medievais desde pelo menos 1340), e as Ilhas Canárias — hoje pertencentes à Espanha, onde fica Santa Cruz de Tenerife — já eram conhecidas também desses idos e foram muito provavelmente visitadas pelos romanos.
Cabo Verde é o que ficava mais além. Chegava-se à Ilha da Madeira após uma semana de navegação desde Lisboa, mas era preciso duas semanas — ou “dezasseis” dias, como registrou o historiador da época — até cá. Da perspectiva portuguesa, estas ilhas ficavam para além do Cabo Bojador (sobre o qual versou Fernando Pessoa) e do Cabo Não, para além de onde “se poderia retornar ou não” — e quase ninguém retornava. (Eu tratei mais sobre esses cabos aqui.)

Macaronésia?
Taí um nome que você provavelmente nunca ouviu, e que soa até meio engraçado, mas é a designação biogeográfica para todas estas ilhas do Atlântico que mencionei. Ou seja, dos pontos de vista geológico e ecológico, Açores, Madeira, Canárias e as Ilhas de Cabo Verde não são nem África nem Europa, mas um grupo com características próprias: a Macaronésia.
O nome vem dos gregos antigos, que acreditavam que para além do Estreito de Gibraltar havia ilhas paradisíacas onde não havia inverno (até aí, é verdade) e habitada por seres puros, que em três encarnações — pois os gregos acreditavam em reencarnação e na chamada transmigração das almas — houvessem sido declarados pelos deuses como dignos de entrar nos Campos Elísios. Chamavam-nas então de Ilhas dos Afortunados (makárōn nêsoi).
Sim, daqui eu escuto as pessoas indagarem se é a mesma etimologia de macarrão. Não estou 100% certo, mas me parece que sim.
Os etimólogos da vida falam que a palavra “macarrão” veio mesmo do grego, intermediada pelos sicilianos, e que os gregos já tinham um prato com massa de trigo chamado makària. Terminam aí, infelizmente, deixando de dizer o principal: Makària — que em grego quer dizer “abençoada” ou “afortunada” — é na mitologia uma das filhas de Hércules, que se sacrifica para salvar a cidade de Atenas de uma invasão. Por isso os atenienses ofereciam ritos fúnebres em sua honra com banquetes, sendo essa a razão do nome do prato.
Então, sim, os italianos e portugueses descobriram a Macaronésia, estas ilhas dos afortunados, ainda que não se comesse macarrão aqui.

O começo do Novo Mundo
Como estas ilhas de Cabo Verde eram todas desabitadas, diria-se de um ponto de vista histórico, genético e cultural que o país faz mais parte do Novo Mundo que do Velho. Se fosse uns quilômetros a mais para oeste no mapa, oficialmente seria parte das Américas, e estaria como parte da Comunidade de Países Caribenhos em vez da União Africana — não tenho dúvida.
Já na década de 1460 os portugueses estabeleceram aqui o sistema de administração por capitanias e com mão de obra escrava, sobretudo vinda da Guiné. A donataria foi a solução encontrada por uma monarquia pequena, sem capacidade para gerir diretamente tantas terras tão espalhadas, de pôr seus prepostos cá para administrar em seu nome. Este sistema teve início na Ilha da Madeira, (re)descoberta em 1419, e cujo povoamento Portugal iniciou em 1425. Foram daí aplicadas nos Açores a partir da década de 1440, e aqui a partir dos anos 1460.
Fizeram igrejas, das quais resta a Igreja Nossa Senhora do Rosário (1495), a mais antiga igreja colonial do mundo. O império português despontava, e não demoraria a chamar a atenção de corsários como o inglês Francis Drake e o francês Jacques Cassard.
Um efeito nocivo que os livros tradicionais de História pouco abordam — ainda que tenha consequências severas até os dias atuais — foi que os portugueses desmataram praticamente a ilha toda para fazer navios. Hoje, você verá que em muito desta Ilha de Santiago só crescem arbustos de acácia americana em peladas serras. Isso acabou por secar ainda no século XIX a ribeira grande que deu nome à cidade. Hoje, vê-se apenas um leito de pedras. Chove só três meses por ano, e dessalinização se faz fundamental para que as pessoas daqui tenham água.


Visitando a Cidade Velha, patrimônio histórico
Hora de vermos de perto tudo isto. Eu cheguei com tranquilidade naquela noite, vindo da Guiné-Bissau, e dando graças a Deus pelo conforto de ter um motorista particular com meu nome a me aguardar no aeroporto. Nenhum luxo, mas serviços simples que vêm muito a calhar depois que se passa um tempo sem eles.
Eu me instalei em Praia, e organizei de logo no primeiro dia fazer este tour até a Cidade Velha, que fica a meros 15 Km da capital. Sobre Praia eu tratarei a seguir numa outra postagem. Digo desde já que vir visitar este patrimônio histórico é o que de mais interessante há a se fazer.
É possível vir de lá à Cidade Velha num táxi ou tomando um carro lotação — que os cabo-verdianos engraçadamente chamam de aluguer. Porém, vale muito a pena tentar trazer um(a) guia que vá lhe explicando as coisas, e que num transporte vá parando à sua vontade. O Forte de São Filipe, por exemplo, não é tão próximo assim do centro da Cidade Velha, e essa liberdade de ir e vir vem a calhar.
Foi assim que eu conheci Nilza, uma divertida mulata de seus 45 anos, uma daquelas guias enérgicas do tipo que cantarola músicas durante a explicação para ilustrar o que diz. Acompanhando-me veio um rapaz francês que estava na mesma pousada e com quem dividi o custo do tour.


O Forte Real de São Filipe
O Forte Real de São Filipe (ou Fortaleza de São Filipe) não é a parte mais antiga da Cidade Velha, fica até meio fora da cidade, mas ele foi a nossa primeira parada. O carro veio a calhar.
Este forte, hoje bem restaurado, foi erigido de 1587 a 1593 após dois assaltos do corsário inglês Francis Drake (1540-1596) à Cidade Velha, em 1578 e 1575. A quem não sabe, corsários eram piratas chancelados pelo governo, pela monarquia. Neste caso, pela monarquia inglesa de Elizabeth I, quando no século XVI a Inglaterra era uma potência inferior e corria atrás de Espanha e Portugal.
A propósito, nessa época da construção do forte, Portugal e Espanha estavam unidos na União Ibérica (1580-1640), então há todo um um babado acerca de se seria a Filipe de Espanha ou a Filipe de Portugal a honra do forte. Era a mesma pessoa, rei Filipe II de Espanha, que no trono português era Filipe I. (Eu deixo para eles essa discussão.)

A fortaleza talvez tenha dado aos portugueses uma sensação de segurança — e quem sabe até espantado alguns outros assaltantes —, mas em 1712 ela seria invadida e tomada por corsários franceses. Como a Inglaterra, porém um tanto na frente desta, a França também estava ainda emergindo enquanto potência e procurava tomar de qualquer forma a primazia dos ibéricos.
Foi assim que, em 5 de maio de 1712, o corsário francês Jacques Cassard (1679-1740) chegou com homens em 12 navios e tomou de assalto esta fortaleza. Saquearam tudo o que puderam em Ribeira Grande (a Cidade Velha), num valor que se estima hoje em 3 milhões de libras, e incendiaram o restante.
Quando lhe disserem que Inglaterra e França se desenvolveram mais que Portugal e Espanha porque foram mais industriosos, pode haver seu quê de verdade, mas saiba que houve muito roubo também.





Percebe-se ainda algo da herança medieval portuguesa no ar. O forte, todavia, hoje é bem vazio, já que a grande maioria dos turistas que vêm a Cabo Verde estão quase que apenas interessados em praia ou trilhas. (Mais sobre essas a seguir.)
Passamos coisa de 1h aí, escutando Nilza versar sobre a História deste arquipélago nos seus primeiros séculos e sobre a herança mista de seu povo — portuguesa europeia e africana guineense. Fala-se aqui o português, mas entre eles há também o crioulo, que é um português ajustado com mudanças de pronúncia e termos importados de idiomas africanos. Cada ilha de Cabo Verde tem o seu com variações locais, e o daqui desta ilha principal é muito semelhante àquele falado na Guiné-Bissau, Nilza me contou.
A saber, Cabo Verde e Guiné-Bissau — como as colônias portuguesas nesta região ocidental da África — ficaram independentes juntas em 1973, mas a união não deu certo, e foi cada qual para o seu lado em 1975.
Nós terminamos as voltas pelo Forte de São Filipe, e de carro descemos para afinal conhecer o centrinho histórico da Cidade Velha.


Cidade Velha: A igreja colonial mais antiga do mundo
A Cidade Velha não é grande, mas tem seu charme. Uma horinha ou duas aqui circulando é um tempo bem passado. Os moradores simples, sentados em frente às suas casas, lembram em muito o Norte-Nordeste do Brasil — olham-no curiosos às vezes, outras vezes não lhe fazem caso, e por vezes o saúdam espontaneamente à maneira tradicional do interior, sobretudo os mais velhos.
Não há muitos turistas. Como lhes disse, são relativamente poucos os visitantes estrangeiros que param aqui. O lugar conserva um agradável ar autêntico, o pelourinho de 1534 ali — quando a Cidade do Salvador na Bahia ainda nem sonhava existir — e os descendentes daqueles escravos e portugueses ainda a habitar o lugar, como ocorre no Brasil.
O que há de mais notável a visitar aqui é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário fundada em 1495. Ela é a mais antiga igreja colonial do mundo ainda de pé. Existia uma sé catedral, que queimada pelos franceses no ataque de Jacques Cassard em 1712, jamais foi reconstruída.
Entrar nessa Igreja de Nossa Senhora do Rosário é uma certa viagem no tempo, mas não deixe de também se demorar ali um tanto com os vendedores, as doceiras com suas compotas caseiras, gente simples assim da rua que tanto me lembrou do Brasil.



É um interior simples, lembrando-me de igrejas semelhantes que vi nas Filipinas e pela América Latina, aquela coisa mesmo do século XVI e começo do XVII, de antes de o barroco chegar com seus requintes às colônias.
Pela porta desta igreja teriam passado Fernão de Magalhães, Pedro Álvares Cabral, e Cristóvão Colombo. Todos navegaram saídos da Europa e, Atlântico adentro, se detiveram aqui em Ribeira Grande de Santiago — a Cidade Velha.




Não faltam dessas lápides de época aqui na Cidade Velha, elas que via de regra chegavam já talhadas da Europa, faltando a pessoa inscrever apenas o ano do falecimento quando este viesse a ocorrer. (Taí uma ideia. Imagina você já ter a sua pronta, com o “Aqui jaz fulano”, deixando só o ano por completar?)


Cidade Velha: A Praça do Pelourinho
A esta altura, acho que todo mundo já sabe que “pelourinho” se refere àquela coluna em praça pública onde transgressores eram castigados à vista de todos. Não se trata de algo inventado para punir escravos; em Portugal, há registro deles desde pelo menos o século XII. Nas colônias, porém, acabou se tornando o típico lugar onde escravos negros eram açoitados.
O pelourinho desta Cidade Velha segue aqui, ele que data de 1534, quando Portugal mal havia começado a organizar a sua colônia brasileira. (Salvador da Bahia, a primeira capital do Brasil, só seria fundada em 1549.)
Como Cabo Verde fica em pleno Atlântico no caminho entre a Europa, as Américas e a África, sua economia era movida essencialmente pelo tráfico negreiro e como ponto de parada para reabastecimento das caravelas.
Já no século XVIII, com a construção de naus e embarcações maiores, mais autônomas e que dispensavam esta parada aqui no caminho, a economia de Cabo Verde começou a sofrer. Decairia muito menos com a abolição do tráfico negreiro no século XIX, já que seu principal produto econômico era o comércio de gentes.


Pisávamos naquelas pedras sob um sol quente e algo seco, e entre umas e outras numa destas paradas, a guia fez ressalvas.
“As pessoas só olham o fato da escravatura. Sim, foi horrível, mas não foi só aquilo. Olhe nós aqui hoje, somos crioulos, temos uma cultura, uma riqueza poética, uma gastronomia, uma música que é nossa.”
“Sim!”, meteu-se a concordar com repentina firmeza o rapaz do balcão, que até agora escutava calado.
“Somos essa mistura, que não é nem africana nem europeia, é cabo-verdiana”, completou Nilza com lirismo e energia.

Os vários frutos dessa mistura de Cabo Verde nós conheceremos aos poucos ao longo das postagens.
Qualquer um que venha de olhos, ouvidos e boca aberta — e que conheça um pouco de Europa e África para comparar — verá a razão no que Nilza diz. Eu notaria também nesta viagem que ela não está só, os cabo-verdianos via de regra se referem mesmo a si como crioulos — nem brancos nem pretos, mas misturados.
Objetivamente, esse é também o caso do Brasil, ainda que muitos brasileiros atualmente estejam influenciados pela engenharia verbal dos Estados Unidos e só consigam enxergar preto ou branco.
Eu me divertiria com nostalgia chupando cana aqui na Cidade Velha — coisa que eu já não fazia há muitos anos. Encontrei também muitas outras guloseimas que davam testemunho do parentesco com o Brasil, como doce de goiaba cremoso em compota e pé-de-moleque caseiro.

Conversar com as pessoas e ver estas coisas, num espaço tão semelhante ao Brasil, foi a melhor parte desta visita à Cidade Velha.
Quanto ao lugar em si, ele segue sendo um testemunho de outrora. A Muralha del Mar segue ali no quebra-ondas desde um tempo em que a ortografia do português era diferente, e a antiga sé catedral — um pouco afastada desta praça do pelourinho — segue lá destruída como ficou após o ataque do corsário Jacques Cassard em 1712. Nunca a reconstruíram, pois à época a economia de Cabo Verde já entrava em decadência.





A quem quiser o contato de Nilza, o e-mail dela é tourguidenilzabarros@gmail.com, e seu telefone é +238 926 60 04.
Nós aqui encerraríamos a nossa visita e retornaríamos a Praia ainda para um tardio almoço. Com os ataques recorrentes a esta Cidade Velha, a capital de Cabo Verde foi transferida para Praia ainda em 1770 — nos tempos do famoso Marquês de Pombal.
A Cidade Velha, no entanto, permanece no emocional dos cabo-verdianos como seu lugar de referência histórica. Quando em 1951 Cabo Verde — ainda colônia — se torna província ultramarina de Portugal, um incipiente movimento independentista já se formava. Dentro de alguns anos, ele ganharia o formato de uma luta revolucionária liderada por Amílcar Cabral (1924-1973), que também era poeta.
Amílcar Cabral morreria assassinado por um dos seus próprios companheiros e não chegou a ver nem a Guiné-Bissau nem o Cabo Verde independentes. Sua morte, em verdade, deu o gás necessário para a completude do processo ainda em 1973, consolidado formalmente após a Revolução dos Cravos (1974) que abole a ditadura de Salazar em Portugal e reconhece a independência das colônias do império.
Eu deixo vocês com a canção Regresso, cuja letra foi escrita por Amílcar Cabral acerca da Cidade Velha naquele bojo do movimento independentista, e que chegou a ser cantada até pela nossa Alcione, a marrom. Quem diria que Brasil e Cabo Verde estavam tão próximos.
Mamãe velha vem ouvir comigo
O bater da chuva lá no seu portão
É um bater de amigo
Que vibra dentro do meu coração
Venha mamãe velha, vem ouvir comigo
Recobre as forças e chegue-se ao portão
Que a chuva amiga ja falou mantenha
E bate dentro do meu coração
A chuva amiga mamãe velha
A chuva que há tanto tempo não batia assim
Ouvi dizer que a cidade velha
A ilha toda em poucos dias já virou jardim
Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esperança
Que a terra agora é mesmo o Cabo Verde
É tempestade que virou bonança
Magníficas: história, ilhas ,poeta, poesia.
Encantadora a Cidade Velha.
Lindinha.
Amei