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Cabo Verde

Visitando a Ilha do Sal em Cabo Verde

Bem-vindos à Ilha do Sal, provavelmente a mais popular e visitada de todo o arquipélago cabo-verdiano — vocês logo vão entender o porquê.

Não quero dizer com isso que ela seja a ilha mais bonita. Eu digo de cara que Santo Antão foi minha favorita até o momento em paisagens. Já na Ilha de Santiago — com Praia, a capital cabo-verdiana, e sobretudo a histórica Cidade Velha — eu curti perceber os laços de origem que ainda nos unem na lusofonia. Eu, porém, não tive como ir embora sem conferir a famosa Sal, aonde chegam a maioria dos voos internacionais.

Sal é uma ilha turística, um Balneário Camboriú da vida, uma Itacaré. Ninguém é daqui, e o que temos é uma combinação de cabo-verdianos de outras ilhas que vieram trabalhar, turistas estrangeiros (europeus na sua vasta maioria) a relaxar nos resorts e curtir praia, e imigrantes senegaleses a povoar as ruas vendendo muamba nos horários de maior movimento. Ah, há também os chineses com seus armarinhos, como nas cidades brasileiras. Olha que sopa? 

Eu quis conferir tudo isso de perto, então deixei o Mindelo de avião como lhes narrei no post anterior, voltei a Praia para mais uma noite — pois não havia voo direto ao Sal nesse dia — e então cheguei ao Aeroporto Internacional Amílcar Cabral aqui. Cheguem junto.

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O calçadão principal de Santa Maria, cidade onde se concentra o turismo.
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Sal é uma ilha extremamente seca, mas não é difícil compreender por que os europeus ficam atraídos por estas praias de areias claras.

Do aeroporto até Santa Maria, a cidade turística de Sal

A corrida desde o aeroporto

Sendo uma ilha eminentemente turística, Sal é notadamente mais cara que as demais. Começa já pela corrida de táxi desde o aeroporto. As acomodações também são mais caras que nas outras ilhas, assim como as refeições.

São 17 Km do Aeroporto Amílcar Cabral até a cidade de Santa Maria na outra ponta desta pequena ilha, corrida que a esta altura tem o preço padrão de 2.000 escudos cabo-verdianos (CVE), o que dá cerca de 18 euros ou quase R$ 100. Se você pedir à acomodação que envie alguém para buscá-lo, geralmente cobrarão logo 20 euros — assim cotados em euros mesmo — ou até 25 euros caso seja à noite. (Contrasta-se com os 1.200 CVE padrão em Mindelo ou Praia durante o dia ou 1.500 CVE à noite.) 

Era uma cálida tarde de domingo quando desembarquei em Sal, um taxista logo a me abordar pedindo 20 euros para me levar até Santa Maria. Use das suas habilidades de lusófono, e peça o valor em escudos. Vão dizer 2.000 (o que já são R$ 20 a menos que 20 euros!), e você consegue até por 1.500 CVE durante o dia, que foi o que eu obtive. 

Não demoraríamos atravessar o retão que cruza este árido pedaço de terra sobre o mar. Sal é uma ilha pequena, com 30 Km de extensão norte-sul e 12 Km leste-oeste. Não possui fonte de água potável, então os portugueses a largaram desabitada por séculos até os idos de 1833, quando se começou a extração comercial de sal daqui.

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Na árida paisagem de Sal cortada pela estrada desde o aeroporto até Santa Maria.
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A paisagem do interior de Sal é assim. Como no restante de Cabo Verde, nunca houve nativos. Toda a sua povoação é fruto da colonização, e não é difícil entender por que os portugueses não lhe fizeram caso. Chamavam-na Ilha Plana até o início da extração de sal aqui no século XIX.

Santa Maria

Quando eu cheguei a Santa Maria, parecia ter chegado a algum bairro meio afastado e quieto de alguma das capitais do Nordeste — ou talvez alguma daquelas cidadezinhas costeiras que vivem do turismo, mas sem tanto movimento. 

Se você vê reels e outros videozinhos por aí mostrando Sal e Santa Maria super badalados, saiba que são recortes muito pequenos e que não representam o lugar como um todo. Movimento turístico há — a economia inteira aqui gira em torno disso —, mas mesmo Santa Maria é um lugar onde você escuta o vento bater e pode sentar num banco de praça sem muita competição pelo espaço.

Eu me instalei para esta primeira noite no Ocean Suites, um lugar com área de bistrô moderno — daqueles que servem pratos instagramáveis e têm música ambiente de loja de roupa tocando ao fundo, com aquelas batidas eletrônicas pra você ficar animado e gastar dinheiro. Umas televisões grandes passavam futebol, e as pessoas eram simpáticas.

Os donos, como os de muito do comércio e da infraestrutura turística aqui, eram italianos administrando o lugar à distância lá da Europa. A pessoa que se comunicar via mensagem com você sequer está em Cabo Verde.

No andar de cima, eu tinha minha acomodação um tanto escura, com paredes pintadas de preto e banheiro com um certo ar de boate. Eu não ficaria cá dentro tanto tempo assim mesmo… mas o que há para se fazer em Sal, afinal?

Eu não vou entregar ainda o que foi que eu mais gostei, mas digo que aqui há dois programas principais: curtir a beira-mar (com também o ambiente noturno de cidadezinha de beira-mar) e fazer o chamado Tour da Ilha, programa de um dia, um roteiro padrão onde encaixaram tudo o que há pra ver neste lugar de terra seca onde se plantando, pouco dá.

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O centro de Santa Maria consegue ter a pacatez de algum bairro retirado de cidade do Nordeste do Brasil.
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Mesmo sendo o principal pólo turístico de Sal, a cidade consegue ser bastante quieta durante o dia. Parte dos turistas ficam em resorts afastados com tudo incluído, e a outra parte fica aqui.

Como eu gosto de borboletear por estes lugares, fui ver algumas lojas, tomar sorvete, ver a praia e depois o complexo do porto antigo à beira-mar.

Tal como outros bichos da noite, os turistas aqui só começam mais a emergir dos seus esconderijos quando vai caindo o sol.

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Turista fotografando a arte com a figura da cantora cabo-verdiana Cesária Évora, de quem tratei mais no Mindelo.
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Um ar pacato interiorano em Santa Maria, Ilha do Sal.
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As lojinhas são de encher os olhos, e os cabo-verdianos via de regra são uma simpatia.
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Em Sal você encontra muito coisa típica — café, doces, licores — às vezes de outras ilhas, mas que vêm aqui encontrar mercado entre os turistas praieiros.
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Já para coisas do dia-dia, eis os habituais mercadinhos chineses.
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Curiosidades pela cidade.

Eu tomei um sorvete na Giramondo — a sorveteria mais famosa da Ilha do Sal — e segui para a praia. Advirto já que é um sorvete nível B. Vale se você estiver a fim de sorvete, como eu estava, mas não espere nada top. Boas sorveterias do Brasil a deixam para trás facilmente.

Cuidado também com as ilusões do Google e do Instagram quanto à praia de Santa Maria. Ela é legal, mas não é muito distinta de centenas de praias brasileiras. Aquele azul especial que se vê em algumas fotos é mais efeito que realidade.

O que temos é uma praia que muito me lembrou o Nordeste do Brasil, só que aqui mais quieta, e sem a turma frequentadora de academia. Em vez disso, é frequentada por cabo-verdianos e por aqueles europeus com ar de quem nunca esteve numa praia tropical.

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O sorvete daqui quebra o galho numa tarde de calor, e não é mau (só não espere a oitava maravilha).
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Bem-vindos à praia de Santa Maria, a mais famosa da ilha. Lembra o litoral brasileiro.
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Meninos cabo-verdianos a brincar, e turistas europeus sentados na areia a assistir às ondas no fim de tarde.
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Rapaz a passear com os cachorros diante do esplendoroso pôr de sol.
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A tarde ia caindo, e eu chegando ao histórico porto transformado em complexo turístico.

Com o cair do sol, surgem mais turistas e aparecem também os imigrantes da África continental (sobretudo do Senegal), que mal falam o português, a abordar turistas com artesanato em inglês ou francês.

Eu não vou lhe dizer que não tenho compaixão pela sua situação socioeconômica, mas também não vou mentir negando que eles são chatos pra dedéu. Se os cabo-verdianos têm genuína simpatia à maneira aberta dos latinos-americanos, os senegaleses vêm naquela postura interesseira e de simpatia fingida — não muito diferente dos vendedores egípcios, indianos, e de todo aquele cinturão influenciado pela cultural comercial islâmica. (Não estou dizendo que a religião seja a responsável; a Indonésia é o maior país islâmico do mundo e não é assim. A questão é cultural, não religiosa.)

Dirigi-me ao tal complexo do porto antigo, despistando um senegalês, até que vi uma imagem semelhante a Iemanjá no jardim de um restaurante. O lugar não é um receptivo turístico no estilo brasileiro, mas um conjunto de hotel e restaurantes onde turistas circulam. Circulei eu ali também, pois.

Achei engraçado um rapazote cabo-verdiano de sotaque paulista querendo me vender uma “camisola” oficial de Cabo Verde, segundo ele. Aprendi que aqui — e talvez em Portugal — é o nome que dão a camisa de futebol. Eu disse a ele que camisola no Brasil era outra coisa.

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Figura que me lembrou Iemanjá, num restaurante ao entardecer em Santa Maria. (Não me consta que haja umbanda em Cabo, mas…)
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As praias daqui lembram as brasileiras.
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O forte histórico foi convertido num hotel rodeado de restaurantes. Aqueles números que vocês veem ali são para os quartos.
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Estão servidos?

Eu acabei jantando essa bela tábua de pescado e mariscos, com legumes grelhados e azeite de oliva. Os donos italianos pelo visto não deixaram por menos. Foi preço de cidade turística europeia (mais de €20), mas valeu.

Depois, ainda dei umas voltas e escutei música ao vivo aqui e ali nos bares da rua. Não é todo dia, mas aos fins de semana é praticamente certo. Se você gosta, certifique-se de estar aqui num desses dias. Meu dia seguinte seria uma segunda-feira — bem mais pacata, e dia de prosear um pouco com os cabo-verdianos aqui.

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A alameda principal em Santa Maria. Fora dela, a cidade é um pouco deserta — ainda que isso, aqui, não signifique insegurança.
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Música ao vivo no restaurante pleno de turistas europeus numa noite de fim de semana em Santa Maria, Ilha do Sal.

Prosas no segundo dia

Para minha segunda noite, eu trocaria de hotel. Não que não tenha gostado das Ocean Suites, mas a querida TAP alterou a data da minha passagem e acabou me forçando a esticar a estadia aqui. Como já estavam lotados lá onde eu estava, troquei para o Hotel MiraBela, de uns donos holandeses que estavam in loco. Acabou sendo boa coisa.

Passei por aquela situação curiosa de estar proseando com o casal europeu de meia idade achando que eram também hóspedes, aí perguntam se está gostando do lugar, e depois você descobre que eram os donos. 

Quem me atendeu à recepção do que era um casarão bonito de esquina e dois andares quando eu cheguei de mochila e cuia foi Simone, uma divertida moça de seus 30 anos. Usava óculos, tinha um cabelo cacheado meio pros lados na altura dos ombros, e aquele divertido sorriso nervoso daquela sua colega do trabalho que sempre está por dentro de todas as últimas. Subiu comigo e me mostrou meu quarto no segundo andar, com varanda.

— “Ah que bom! Vou ouvir a música e ver todo o movimento à noite”, disse eu lá do alto, mirando a calçada principal de Santa Maria.

— “Sim, vai ouvir os bêbados”, replicou Simone. “Os conflitos. Nós aqui gostamos mesmo de um barraco. Somos iguais aos brasileiros. É da nossa natureza”, completou ela animada naquele sotaque praticamente idêntico ao português.

Para não ficar por baixo, disse a ela que seu nome era o de uma famosa cantora brasileira, e achei “Então é Natal” para que ela ouvisse na internet, mesmo fora de época.

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Minha vista lá de cima para a alameda de Santa Maria na Ilha do Sal. Vocês veem que eu já estava ficando praticamente em casa na cidade.
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Os senegaleses lá embaixo.

Neste dia eu tive uns trabalhos por fazer, e no mais fiquei um pouco à toa pela cidade. À tardinha, acabei indo curtir um dos meus passatempos favoritos nestes lugares, que é ficar de prosa com os vendedores nas lojinhas.  

Acabei confirmando mesmo que ninguém aqui é de Sal — todos ou quase todos vêm das ilhas de São Vicente ou de Santiago. Tampouco moram aqui em Santa Maria, onde moradia compete com os hotéis e é cara demais. Os salários não chegam nem perto do valor do aluguel.

E a gente trabalha”, declarou-me uma moça com ar de observar que não era pouco. Segundo ela, os cabo-verdianos trabalham até 12h por dia (cozinheiro pega das 5 da manhã até as 5 da tarde), mas ganham pouco, então vão morar lá na Cidade dos Espargos — a capital de Sal — longe das praias no miolo árido da ilha, e vêm trabalhar todos os dias. Os chineses, segundo os cabo-verdianos, dormem nos próprios armazéns. 

No geral, a impressão que tive foi que os cabo-verdianos apreciam o turismo e o dinheiro que entra, mas também percebem que controlam muito pouco. O governo arrenda e privatiza praias, com seguranças a postos, e deixam os cabo-verdianos ficam sem acesso à própria natureza. O mesmo ocorre ao forte histórico, como visto. “Eu costumo dizer que daqui a 40 anos não vai ter mais nada nosso aqui”, respondeu uma vendedora. Não perdia o sorriso nem a simpatia, porém.

Vida que segue. Era hora de eu ver, afinal, o que tinha esse Tour da Ilha a mostrar de Sal.

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O cachorro a observar os turistas entrando na água durante o nosso Tour da Ilha.

Fazendo o Tour da Ilha do Sal

O tour por esta Ilha do Sal é um só, ainda que oferecido por diferentes agências e acomodações. Custou-me em torno de 30 euros por pessoa, excluindo almoço e todas as entradas. No fim das contas, saía coisa de 50-60 euros a depender do que se comer no almoço.

O carro-chefe do Tour da Ilha é a visita às históricas salinas de Pedra de Lume, desenvolvidas aqui pelos portugueses a partir de 1805. No mais, você visita alguns pontos na beira-mar onde ver o mar bravio. (Não espere banho em praia paradisíaca como se fosse o Caribe.)

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Tomando a estrada de manhã rumo ao seco interior de Sal.
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Uma sólita igrejinha colonial feita aqui pelos portugueses.

A nossa primeira parada foi na chamada Murdeira, que eles chamam de vila costeira, mas que na prática me parecia mais um condomínio residencial — à là os do Brasil — perto do mar.

Uma trupe de senegaleses entediados, com suas banquinhas armadas ali naquele vazio, pareciam aguardar pelos fugazes turistas que vinham e iam.

Quem quis pôde alugar sapatos de borracha para adentrar a água na maré baixa, mas eu já fiz isso em casa e me interessei pouco. 

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Vendedora senegalesa indo atrás dos libaneses que vinham no mesmo tour que eu.
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Havia um quê de desolado no local, como cara de filme documentário.
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A Murdeira é esta primeira parada do Tour da Ilha em Sal, uma área residencial que você vê ali.
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A beleza fica por conta do mar, lembrando uma espécie de versão costeira das paisagens do Atacama.
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Belas vistas desta costa.

Não nos demoramos aqui. Breve tomamos a estrada novamente para chegar às históricas salinas Pedra de Lume, em operação desde o século XIX. Lá se vê o que interessou os portugueses a iniciar o povoamento desta ilha — após 400 anos da descoberta. 

Já pela estrada, vêem-se as estruturas de madeira que eram usadas para içar as sacolas de sal que hoje são escoadas em caminhões. Funcionava como um sistema de teleférico.

O sal, por sua vez, provem de águas subterrâneas onde se diluem pedras de sal. Segundo o dia, essas águas têm uma salinidade 26 vezes maior que a do oceano. 

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Bem-vindos às salinas de Pedra do Lume, que continuam em atividade — só que com o sal transportado por caminhão, não mais via corda como um teleférico por estas estruturas de madeira.
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Lá a lagoa de água subterrânea de onde extraem o sal.
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Deixam a água evaporar naqueles retângulos, até que só sobra o branco sal.
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Mais de perto.
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A estéril paisagem desértica parece saída da ficção.
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Note o sal acumulado na beira da água.

Quem quiser entrar, naturalmente pode fazê-lo — é esse o grande chamariz aqui. Você paga 5 euros (não cobertos pelo preço do tour) para acessar este lugar, quer entre na água ou não. Só que depois paga pelo chuveiro, caso porventura queira tirar o sal do corpo. (Achei uma certa ladinagem, mas a vida tem dessas.)

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1 euro por 30s no chuveiro. Olha que mina de ouro. Parecia alguma distopia lusófona à là Mad Max. (A outra opção são 110 escudos cabo-verdianos, não dólares, senão teria que ser de alguma água mágica rejuvenescedora.)
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As pessoas entrando na água hiper salgada.
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Você flutua igualzinho no Mar Morto, e há aquelas mesmas recomendações de não engolir, etc.

Se quiser flutuar, traga toalha. Há banheiros onde se trocar e as duchas com o rapazote ali regulando. Os portugueses negligenciaram esta ilha por quase 400 anos porque não havia água potável, então há que se entender que água doce aqui é um bem precioso.

Tendo já na minha lista o banho no Mar Morto, eu lhes confesso que não fiz questão de me salgar aqui. Ademais, assim já ao fim de uma longa jornada por vários países da África Ocidental, eu já estava com uma certa preguiça e aquele ar “já de estou satisfeito com a viagem”. Eu voaria embora nesta noite, afinal.

Esperei que terminassem os banhos — os três libaneses gordos que nos acompanhavam pareciam querer ficar lá eternamente —, e tocamos a ver uma miragem no centro da ilha.

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Este é o Monte Leste, ponto de orientação em Cabo Verde. E o ônibus que você pensa ver aí é uma miragem.
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Brincadeira, o ônibus existe mesmo, levando e trazendo cabo-verdianos deste a Cidade dos Espargos e outras partes áridas da ilha até seus trabalhos com os turistas lá em Santa Maria.
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A miragem é o que você acredita ser água ali no horizonte, mas que não passa de uma ilusão de ótica. É a chamada fata morgana, nome dado pelas tropas italianas no norte da África no começo do século XX, como se fosse bruxaria da lendária fada Morgana.

Interessados na extração e exportação de sal, os portugueses trouxeram então cabo-verdianos de outras ilhas para trabalhar aqui — até porque não havia muito trabalho arquipélago afora. Após os “tempos áureos” do tráfico negreiro onde Cabo Verde se destacava como entreposto nos idos de 1500-1700, com a construção de navios mais capazes — que já não precisavam parar com frequência — a economia colonial cabo-verdiana decaiu ainda antes do fim da escravatura.

Mais tarde, por a ilha ser plana e com tanta terra barata acessível, fez-se aqui no século XX o aeroporto internacional principal do arquipélago. Era habitual que os primeiros voos entre a Europa e a África do Sul fizessem uma parada técnica aqui. Só depois, e também por consequência desse desenvolvimento prévio, descobriu-se e se começou a explorar o potencial turístico da ilha.

Como não há muito, encontraram as pequenas belezas neste litoral. Saídos das salinas afinal, nós iríamos à Buracona ou Blue eye — popularmente conhecida como “Oy azul”. (É sério.)

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Estamos assim noutro lado, no litoral acidentado da Ilha do Sal. (Aquela adolescente britânica de origem indiana arriscava-se nas pedras para a ira do pai, que do meu lado esbravejava.)
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Há uma filinha para espiar os raios de sol chegarem à água do mar — formando o “oy azul”.
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O olho azul.
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Você paga 3 euros para entrar neste complexo e ver o olho azul. Há também uma breve lanchonete atrás de mim com souvenirs etc.
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Com aquele mar.

Foi somente após esta parada que nos detivemos para um almoço tardio. (Já lhes previno que comam bem de manhã antes de sair, pois não houve parada para lanche, e já passava das 14h quando chegamos ao restaurante.)

O lugar era um restaurante simples de preços turísticos, cachupa a 10 euros e pratos de peixe por 20. É onde eles tiram o couro do turista, após cobrar relativamente pouco (30 euros) pelo tour em si.

Era uma cidadezinha simples de interior, nos arredores da capital Espargos. Nada muito que ver com a Sal que o Instagram me mostrava, de azuis reluzentes e luxo.  Mais me lembrava o interior da Bahia nos anos 80.

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As ruas por onde passamos. Espargos é onde vive o grosso da população de Sal.
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Vendinhas de artesanias, aquele misto de África com Nordeste do Brasil.
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Mercearias nostálgicas que me lembraram a Bahia dos anos 80 — ou até de antes.
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Meu prato de cachupa no almoço, o guisado arquetípico de Cabo Verde: feijão, milho, verduras e carnes — basicamente um misturão de tudo. Se em São Vicente e Santo Antão ela é seca, aqui ela veio no caldo como na Ilha de Santiago. 

De barriga cheia, retornamos todos a Santa Maria ainda de tardinha. O tour acaba durando menos que um dia inteiro. 

A verdade é que eu não vi muito sal na Ilha do Sal. Parece mais balneário com alta oferta de voos baratos onde europeu curtir um clima tropical, num lugar relativamente seguro e contido, durante os meses de frio na Europa. A economia aqui é toda voltada a esse público, e os meses de alta estação são precisamente aqueles quando o caldo entorna na Europa — novembro em diante.

Eu sei que há quem faça isso, e naturalmente respeito a liberdade de cada um, mas confesso não entender por que alguém sairia do Brasil para vir atrás de praia em Cabo Verde. Se querem minha franqueza, achei que qualquer estado do Nordeste do Brasil oferece melhor. O encanto de Cabo Verde, para mim, ficou bem mais com sua parte histórica na Ilha de Santiago, sua música em São Vicente, ou com as lindas paisagens montanhosas em Santo Antão.

Aí foi engraçado quando, no aeroporto à noite, eu encontrei as mesmas senhoras suíças em quem eu esbarrei nas trilhas nos dias anteriores. A que havia me dado chocolate Lindt no voo fez aquela cara de que Sal não tinha tanto sal assim, mas acabava sendo o (aero)porto de conexão principal para os destinos internacionais.

Venham, e fiquem uma noite aqui. Só não achem que Cabo Verde se resume ao Sal. A beleza e os segredos da sua cultura residem sobretudo nas demais ilhas, que é de onde vêm as pessoas que vocês aqui encontrarão. Acabei por visitar quatro delas, e quem sabe um dia eu volto para ver as outras.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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