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Dinamarca

Visitando Kronborg, o castelo de Hamlet na Dinamarca

Ser ou não ser, eis a questão“. “Há algo de podre no Reino da Dinamarca“. E, uma das minhas favoritas, “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa filosofia“, que no original nunca teve a palavra “vã”, invenção do tradutor (traduttore, traditore — tradutor, traidor — como dizem os italianos), pois que a filosofia nunca foi vã, e que se você puser no Google verá que as pessoas procuram achando que é da Bíblia.

Tudo isso são frases tiradas de Hamlet (1603), uma das peças mais famosas do inglês William Shakespeare (1564-1616), um dos maiores poetas de todos os tempos.

Mas por que Shakespeare falava da Dinamarca e não da Inglaterra? Hamlet, o personagem central da peça, era um príncipe dinamarquês, não inglês. Nada da obra se passa na terra da então rainha Elizabeth I (que nada tem de parentesco com a recém-finada Elizabeth II, exceto que esta foi a segunda do seu nome no trono inglês). Tudo de Hamlet se dá em Elsinore, que é como os ingleses chamaram Helsingør, esta cidade da Dinamarca onde estamos hoje e onde fica o Castelo de Kronborg, a inspiração shakespereana da vida real.

Já pensaram em conhecê-lo? Chegou o dia.

Hamlet em preto e branco
Ser ou não ser, eis a questão. Essa frase dá início a um longo solilóquio (um monólogo da pessoa falando para si, como a pensar alto) sobre a morte e se a vida vale a pena. A obra de Hamlet já foi adaptada incontáveis vezes para o teatro e dezenas de vezes para o cinema. Esta imagem é da produção de 1948. A versão recente mais digna provavelmente é o filme de 1996, com Kate Winslet no papel de Ofélia, a noiva de Hamlet.
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Vamos chegando.
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Esta é a estação de trens de Helsingør, a breve cidadezinha costeira onde o Castelo de Kronborg se localiza.

Helsingør, Dinamarca

Helsingør é uma cidade histórica por seu próprio mérito, independentemente do que Shakespeare veio a situar aqui.

Estamos numa ponta da ilha da Zelândia (a maior da Dinamarca), onde fica a capital Copenhague. Aqui diante de nós fica o Estreito de Øresund, que nos separa da Suécia. Logo a norte fica o pequeno mar conhecido como Kattegat, e próxima a Copenhague mais a sul a Ponte de Øresund (8Km) fazendo a estreita conexão por terra com a Suécia. Só que aqui em Helsingør a distância é ainda menor, de apenas 4Km entre Suécia e Dinamarca.

Noutros tempos — nos tempos em que se dá a trama de Hamlet e em que foi construído este castelo —, ambos os lados do mar pertenciam aos dinamarqueses, que tinham fortificações lá e cá, e cobravam impostos de quem passava.

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Ali estamos, no estreito que quase fecha o Mar Báltico. (Este, de tão isolado, tem águas praticamente doces, sem sal.)
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Notem como a Dinamarca é em pedaços e o brevíssimo estreito de 4Km que tem Helsingborg no atual lado sueco e Helsingør (que de pequena nem aparece neste mapa) no lado dinamarquês. Eu já lhes mostrei a cidade sueca de Helsingborg numa outra postagem.

O Reino da Dinamarca já foi muito mais poderoso do que é hoje. No século XV, teve talvez o seu apogeu com a União de Kalmar, quando em 1397 todo o mundo nórdico ficou sob o mando dos dinamarqueses, até a Suécia se libertar 1523. Você pode ler mais sobre esse período na postagem da minha visita à cidade de Kalmar.

Mesmo após o fim da União, a Dinamarca se manteve preponderante na região. Seus domínios no século XVI — quando nasceu Shakespeare e quando este Castelo de Kronborg foi construído — ainda incluía toda a costa ocidental da Suécia (inclusa aí a cidade de Gotemburgo), a Noruega e a Islândia. Aos poucos é que o poder da Dinamarca iria encolhendo, passo a passo.

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Este mapa no chão do Castelo de Kronborg, inspiração para a obra Hamlet, mostra os domínios da coroa dinamarquesa no século XVI. Incluía toda a costa ocidental da Suécia (inclusa a cidade de Gotemburgo), a Noruega e a Islândia.
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Ilustração da passagem dos navios na época, nas ruas de Helsingør. Os navegantes precisavam pagar impostos à coroa dinamarquesa, e sua parada aqui criava esse movimento na cidade. Note o Castelo de Kronborg lá no alto da ilustração, assim como a torre de Helsingborg na outra margem do mar.

Essa luz que você vê na foto acima — cá já na rua, fora da ilustração — era o sol de um domingo de outono aqui na Dinamarca. Tendo já visitado Odense e Aarhus, transferi-me para Copenhague e de lá tomei um trem regional até Helsingør. Esse trem custa menos de 10 euros cada trecho (66 coroas dinamarquesas), e não há a mínima necessidade de reservá-lo com antecipação. 

Tampouco há a necessidade de pernoitar em Helsingør, que é hoje uma cidade bastante pequena. Um bate e volta vindo de Copenhague fica perfeito. O trem zarpa a cada meia hora ou a cada 15 minutos, a depender do horário do dia, e o percurso leva meros 50 minutos.

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Bem-vindos.

Helsingør faz bem o estilo “Mar do Norte” das estações ferroviárias desta parte da Europa. Lembra muito as estações holandesas, que têm essa mesma arquitetura rebuscada, verticalizada, e com base em tijolinhos. Esse estilo você encontra desde a Bélgica (ver Bruges) até a Polônia (ver Gdansk) e a Letônia (ver Riga).

Sendo domingo à tarde, havia algum movimento. Desembarquei e passei por ruas largas e vazias à borda da estação, daquelas onde você nem precisa esperar o sinal para atravessar. Um carro ou outro passava isolado. Passava muito mais intensamente o vento, a brisa ligeiramente fria soprando do mar a contrabalançar o sol. Uma ou outra pessoa passava pelas ruelas que levam ao centrinho histórico, alguns tomando sorvete. Neste interior da Dinamarca, isto é movimento.

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Ruelas de Helsingør, na Dinamarca.

Eu procurei ver o que havia na cidade neste centro antes de rumar para o Castelo de Kronborg e mergulhar nas coisas de Hamlet.

Helsingør hoje não tem exatamente muito. No seu centrinho de seus 500m x 300m e apenas um par de ruas cruzando-se em cada direção, há naturalmente um “Hotel Hamlet”, mas o que há de mais histórico para ver são duas igrejas: a Catedral de São Olavo (atualmente luterana) e a Igreja de Santa Maria com seu antigo mosteiro do século XV.

A Catedral de São Olavo é da mesma elegância renascentista das igrejas que eu lhes mostrei recentemente em Aarhus e Odense. Segue aquele padrão luterano, também encontrado na Alemanha, de interiores brancos com ornamentos barrocos e um órgão. De modo mais geral, é a arquitetura gótica de tijolinhos que também se vê nas igrejas católicas do norte da Polônia.

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A Catedral de São Olavo em Helsingor, Dinamarca. São Olavo, caso você esteja a se perguntar, foi um rei norueguês do século XI, dos albores do cristianismo entre estes vikings. (Falei mais sobre ele em Trondheim, onde viveu.)
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O interior característico desta catedral hoje luterana.
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Seu órgão no fundo.
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Detalhes barrocos. A edificação atual desta igreja foi completada em 1559, mas ornamentos foram sendo adicionados depois.
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Figuretes dourados.
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Um ostensório dourado rodeado por uma iconostasis dos apóstolos.

Logo ali, pertinho desta catedral, eu encontrei na rua o primeiro sinal de Hamlet na cidade.

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Uma espécie de lápide com uma frase da obra: “Sabei, vossa nobre juventude, a serpente que mordeu a vida do teu pai agora usa a sua coroa“. Quem diz isso é o fantasma do finado rei Hamlet — este aí da lápide — ao príncipe Hamlet, o protagonista.

A obra de Hamlet tem um quê dramático, não resta dúvidas. A tônica geral da trama é que o jovem príncipe Hamlet retorna dos seus estudos à corte para descobrir que seu pai (o rei) foi morto, e que sua mãe (a rainha) agora é casada com seu tio, irmão do finado rei, que herdou a coroa. Daí você deduz por que é que o cara se pergunta se a vida vale ou não vale a pena — imagina chegar em casa com uma notícia destas?   

Alguém então lhe sussurra que foi essa uma morte matada para usurpar o trono, e Hamlet ele próprio é o próximo da lista. Tens aí o 

Antes de seguirmos adiante nisso para conhecer também o castelo, deixem-me apenas lhes mostrar o antigo Mosteiro de Santa Maria, que foi o único lugar da cidade onde vi turistas estrangeiros — um grupo de japonesas jovens. Todavia, o lugar era um quieto ermo, suas paredes exalando história para ninguém, como um fóssil de outra era.

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Grafite espectral da famosa cena de Hamlet com a caveira, num prédio do centro de Helsingør.
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O antigo Priorado de Santa Maria, um mosteiro estabelecido aqui em 1430 pelos carmelitas a convite do rei.
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Note a característica arquitetura gótica de tijolinhos.
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O singelo jardim no interior.
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A árvore que nos transporta a uma outra era.
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Uma das japonesas que visitavam os corredores do mosteiro ao mesmo tempo que eu.

Como a igreja em si estava fechada, tomei rumo finalmente para o castelo.

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Ilustração numa esquina em Helsingør. O mosteiro foi desmantelado ainda em 1541 quando da Reforma Protestante na Dinamarca. Depois de certo abandono, foi transformado em hospital. Ali você vê os doentes — e, inclusive, um médico com a curiosa máscara de bico que os franceses do século XVIII inventaram, supostamente para proteger-se dos miasmas que deixavam as pessoas doentes. (Imagina se ainda fosse a moda durante a Covid?). Até ainda o século XVIII houve epidemias de peste bubônica em Helsingør e noutras partes da Europa. Só mesmo com os antibióticos, a partir da descoberta da penicilina em 1928, foi que a história mudou.
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Acompanhem-me agora ao castelo.
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Vamos entrando…
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Kronborg, em Helsingør, Dinamarca.

Hamlet e o Castelo de Kronborg

Bem-vindos de volta ao século XVI, quando este lindo castelo foi erigido. Ele substituiu uma fortificação mais antiga, dos idos de 1420, feita aqui quando o rei dinamarquês Eric da Pomerânia (1381-1459) começou a cobrar pedágio real a quem passava por este estreito.

“Eric da Pomerânia” recebia essa alcunha de forma pejorativa, para destacar que ele não era escandinavo — e que portanto não merecia a coroa. Ele provinha da região polonesa e germânica da Pomerânia na outra costa do Mar do Norte, e acabaria destronado e mandado para lá. Mais sobre ele você lê na nossa visita a Kalmar

À altura de 1574, o então rei dinamarquês Frederico II (não confundir com Frederico II da Prússia de 200 anos depois) dá início à substituição daquela fortaleza medieval por um portentoso castelo renascentista — uma tendência que se difundia Europa afora. Vejam como exemplo os vários castelos franceses no Vale do Loire, que são desse período.

Os castelos agora na Renascença precisavam ser belos, agradáveis de estar, artísticos. Passada estava a época medieval das frias e nuas fortalezas de pedra. Entretanto, tampouco estávamos ainda na época dos palácios como Versailles (1631), já totalmente dedicados ao luxo e sem função defensiva, portanto os castelos renascentistas ainda têm muralhas.

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Vamos chegando. Notem a muralha e o fosso habitual.
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O pátio central do Castelo de Kronborg, erigido de 1574 a 1585.
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Estes pátios centrais com alas para os vários lados são uma característica dos castelos renascentistas. Neste aqui, havia uma ornamentada fonte com a figura de Netuno, a representar o rei dinamarquês como Senhor dos Mares, mas ela foi levada embora pelos suecos no século XVII.
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As figuras que acompanham nós que entramos no castelo.

Shakespeare nunca veio cá a Helsingør (que ele chamou Elsinore), mas conheceu pessoalmente na Inglaterra vários nobres dinamarqueses que viviam aqui e viajavam a Europa. Sua obra Hamlet, na verdade, inspirou-se muitíssimo num conto medieval dinamarquês de um jovem (Amleth) da Jutlândia que procura vingar seu pai. A semelhança de nome não é casual.

Naqueles idos de 1600, a Inglaterra em si não era lá esse balaio todo. Poderosos eram a França, a Espanha (que havia acabado de absorver Portugal na União Ibérica), os turcos otomanos, e mais perto de casa se contavam as lendas da poderosa monarquia danesa neste Mar do Norte. Eram a inspiração perfeita para um drama sobre uma monarquia em decadência.

Na obra, os sentinelas Bernardo e Marcelo começam a avistar um fantasma pelo castelo após a suspeita morte do rei, que é quando Marcelo solta o famoso “há algo de podre no reino da Dinamarca“, ainda no primeiro dos cinco atos da peça.

Eu não vou contar aqui a peça inteira, mas digo que é uma verdadeira tragédia grega situada na Europa renascentista. Não esperem final da Disney nem de novela da Globo.

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Na alta estação, de maio a agosto, há encenações de trechos de Hamlet aqui em Kronborg. Ofélia é, por assim dizer, o par romântico do protagonista. (Pelas próprias expressões você já nota que não há lá tanto romantismo.)

Eu cheguei e me juntei a um Tour do Castelo de Hamlet em inglês, que ocorre várias vezes ao dia e já incluso no preço da entrada. Os horários variam de acordo com a época do ano (e, em algum momento, os preços também vão mudar), então melhor ver isso no site oficial.

O tour não é um recontar da obra — afinal, ele é sobre o castelo de Hamlet —, mas põe você naquele ambiente, e mostra os principais lugares de Kronborg (que você também pode visitar por conta própria, se preferir).

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As camas renascentistas de época.
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A cozinha do castelo, no andar de baixo. Comiam-se peixes e carnes conservados no sal em barris, além de pães. Especiarias vinham de longe e eram muito caras, como se sabe.
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A corte aqui era servida uma refeição de 12 pratos às 10h da manhã e outra às 5h da tarde. Havia um hábito que hoje consideraríamos bizarro, que é servir a ave inteira (e re-penada) à mesa, com o interior recheado.

Após superar a ideia da ave inteira à mesa, note as tapeçarias lá ao fundo. São o que há de mais bonito em Kronborg.

As tapeçarias — a serem usadas na parede, não no chão como tapetes — são peças ornamentais que ganharam imensa popularidade nos fins da Idade Média (1350) e início do Renascimento na Europa.

São uma influência claramente oriental, não do Oriente distante, mas do Oriente médio e próximo, adotada pelos bizantinos e depois abraçada pelas cortes da Europa Ocidental. Só depois é que teremos a ascensão dos quadros pintados como forma preferencial de decoração.

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Salão de tapeçarias no Castelo de Kronborg, Dinamarca.
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Os motivos orientalistas não são raros nas tapeçarias. À época de 1600, o império turco otomano estava no seu auge e, embora adversário, não deixava de ser referência para os europeus.
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O lugar do trono.
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Este em Kronborg é um dos maiores salões de dança de todos os castelos da Europa. Christian IV (1575-1648), filho e sucessor do rei Frederico II, era um verdadeiro pé de valsa.

Esse salão e praticamente o castelo inteiro que vi hoje são fruto de uma reconstrução pós-incêndio ordenada por Christian IV em 1629. O estilo geral, porém, se manteve o mesmo. Apenas a capela escapou do fogo e ainda é a original.

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O interior da capela do Castelo de Kronborg — com o guia ali de vermelho parecendo o próprio Hamlet.
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Os detalhes barrocos desta capela de fins do século XVI.
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Cada banco tem um figurete diferente.

Christian IV (1575-1648) ainda hoje é o rei escandinavo que mais tempo passou no poder: 59 anos e 330 dias. Seu reinado foi o clássico período renascentista dinamarquês, com atenção às artes, às festas e às regalias que caracterizariam as monarquias europeias até eclodir a Revolução Francesa em 1789.

Ele, que tinha a atual Noruega como parte dos seus domínios, chegou até a rebatizar Oslo como Christiania em sua própria honra, nome que a cidade carregou até 1925.

Christian IV, porém, torrou a economia dinamarquesa na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) entre católicos e protestantes — a Dinamarca do lado protestante. Resultado foi que a decadência já apontada em Hamlet (1603) teve seguimento, com a vizinha Suécia agora em ascensão. Em 1658, os suecos cercariam e conquistariam este Castelo de Kronborg.

Foi nessa ocasião que muitas obras de arte — e a fonte no pátio com o Netuno rei dos mares — foram pilhadas e levadas embora pelos suecos. A Dinamarca perderia a região da Scania, que compõe hoje o sul da Suécia, perderia também a Noruega para os suecos (até a independência norueguesa em 1905), e nunca mais seria a potência preponderante na Escandinávia — exceto talvez no futebol com a “dinamáquina” dos anos 80.

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Aquele outro lado do mar costumava também da Dinamarca até 1658, quando foi perdido para os suecos. Hoje, este Estreito de Øresund separa os dois países, com Helsingør do lado dinamarquês e Helsingborg do lado sueco. Øresund nas línguas nórdicas quer dizer algo como “estreito da praia”.

Eu não me banhei — nem ninguém —, pois mesmo no fim do verão esta água é gélida. Mas há dinamarqueses e suecos que o fazem o ano inteiro (“bom pra a saúde”). Nós hoje só olhávamos para aquele mar de azul intenso e ar muito pouco convidativo.

Deixando este perímetro do castelo, eu ainda circulei um pouco pelas antigas instalações militares que construíram aqui no século XIX — umas casinholas coloridas sem muito a dizer —, e desci também ao subterrâneo do castelo, onde se vê uma portentosa imagem de uma figura medieval dinamarquesa, a fazer parecer que você está em alguma cripta saída de Game of Thrones.

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A figura lendária de Holger Danske, ou Holger, o danês. Trata-se de um mítico paladino que teria feito parte da corte de Carlos Magno, e que surge nas canções dos bardos medievais. Reza a lenda que ele abrirá os olhos e retornará à vida quando a Dinamarca estiver em perigo.
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Estes túneis sob o castelo foram usados pelos militares, quando Kronborg deixou de ser residência real em 1785. Em 1923, passada a Primeira Guerra Mundial, o exército também foi embora, e o castelo se tornou bem público — hoje Patrimônio Mundial da Humanidade tombado pela UNESCO.
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O Castelo de Kronborg em Helsingør, Dinamarca.
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As instalações militares feitas aqui no século XIX, onde os soldados viviam.

Eu não posso dizer que um dos países com os melhores índices socioeconômicos do mundo tenha decaído ou “apodrecido” tanto assim — mas já não é mais aquela referência de monarquia que um dia foi, no tempo de Shakespeare. Em tempo, seria a Inglaterra a dar o tom, e as monarquias escandinavas a seguirem-na. 

A obra de Hamlet ficou aí imortalizada — segundo alguns, a peça mais encenada em toda a História da humanidade. Talvez compita com Romeu e Julieta, do próprio Shakespeare.

Suas falas e linhas continuam a infundir a cabeça das pessoas sem elas nem saberem a origem. Um exemplo é a observação agora em voga de que algo não é maluquice, é método. “Embora seja loucura, nela há um certo método” (Hamlet, Ato II). 

Fica aqui esta visita ao local e contexto que inspiraram o ensaísta inglês. Eu agora deixaria a Dinamarca, tomando outros mares. Deixo vocês com o trecho inteiro do “ser ou não ser”, que poucos conhecem, em que Hamlet contempla o suicídio mas pondera que a morte, também ela, deve guardar segredos e tribulações que desconhecemos, daí optarmos por tolerar as coisas da vida e seguir em frente.  

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Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer… dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais-herança do homem:
Morrer para dormir… é uma consumação
Que bem merece e desejamos com fervor.
Dormir… Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte o sonho que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.
Quem sofreria os relhos e a irrisão do mundo,
O agravo do opressor, a afronta do orgulhoso,
Toda a lancinação do mal-prezado amor,
A insolência oficial, as dilações da lei,
Os doestos que dos nulos têm de suportar
O mérito paciente, quem o sofreria,
Quando alcançasse a mais perfeita quitação
Com a ponta de um punhal? Quem levaria fardos,
Gemendo e suando sob a vida fatigante,
Se o receio de alguma coisa após a morte,
–Essa região desconhecida cujas raias
Jamais viajante algum atravessou de volta –
Não nos pusesse a voar para outros, não sabidos?
O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão
Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação.
(…)”
William Shakespeare
Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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