Byblos, no Líbano, é um dos mais antigos sítios continuamente habitados no mundo. Estima-se que desde 5000 a.C. há povoamentos humanos aqui. Imagina-se que ao longo do segundo milênio antes de Cristo este lugar tenha sido uma colônia e ao mesmo tempo um entreposto comercial dos egípcios antigos. Quando por volta de 1200 a.C. o Egito se enfraquece é que o povo daqui, que os gregos chamariam de fenícios, emergem como uma potência marítima.
Byblos, assim como Tiro, Sidon e outras cidades antigas, eram centros comerciais dos fenícios, que percorriam o Mar Mediterrâneo em toda a sua inteireza (até a Espanha!) estabelecendo colônias. Cartago, que viria a rivalizar com os romanos a partir do norte da África, era precisamente uma colônia fenícia que ficou independente.
É somente quando os fenícios são conquistados por terra pelos persas em 539 a.C. que eles começam a declinar e a ceder espaço para a ascensão dos gregos como senhores do mediterrâneo oriental.
Hoje, praticamente nada resta desse passado mais antigo de Byblos — ou, o que resta está no Museu Nacional que você pode visitar em Beirute. A cidade, contudo, tem muito a mostrar da sua história menos longínqua, medieval, de quando cruzados cristãos instalaram-se aqui para fundar o Reino de Jerusalém e batalhar os árabes e turcos muçulmanos.

Byblos, sem dúvida, é o nome grego que era dado à cidade. Os árabes a chamam de Jbeil — então saiba disso na hora de procurar o ônibus ou pedir informação para cá.

Os árabes e (à época) os seus mercenários turcos vindos da Ásia Central foram um adversário fenomenal dos cristãos que visavam controlar o que viam como Terra Santa — toda esta área do Levante, que cobre o atual Israel e também o Líbano ao seu norte, terras que haviam sido tão importantes à difusão do Cristianismo nos seus primeiros séculos.
Quando em 1095 o Papa Urbano II fez um sermão chamando às armas os cristãos da Europa para que fossem em auxílio de Constantinopla contra os muçulmanos, a Primeira Cruzada começou a se formar. A partir daí, seriam muitas investidas organizadas por reis e nobres europeus em busca de glória no Levante.
A Primeira Cruzada foi, em geral, bem sucedida. Por 200 anos esses reinos cristãos latinos, sob governança do papa, se mantiveram. Você pode ver uma palhinha desse contexto no filme Cruzado, de 2005, com Orlando Bloom.
O sítio verdadeiro dessa ocupação latina você encontra hoje aqui em Byblos, no Líbano. Um castelo à beira do mar.






Viemos eu e um grego, Páris, tomando um simples ônibus a partir do “terminal” (na prática, um ajuntado sem cobertura nem bilheteria central) chamado de Daura em Beirute. (Escrevem-no “doura”, mas pronuncia-se daura.)
Apesar de toda essa história europeia e cristã que estruturas assim e que o próprio nome “Byblos” evocam, admitamos que a história deste lugar nos últimos mil anos é essencialmente árabe e islâmica. Saladino, o grande líder dos árabes no século XII, derrotou a Segunda Cruzada, esse Reino de Jerusalém, e praticamente garantiu o fim de todos esses reinos cristãos que haviam sido instalados nestas terras depois da Primeira Cruzada.
Se você passeia hoje pelas ruas de Byblos, encontrará naturalmente a presença dos libaneses cristãos e, mais notavelmente, a Igreja de São João Marcos, mencionado nos Atos dos Apóstolos e que alguns identificam como sendo o mesmo São Marcos evangelista. A igreja, toda de pedra e do tempo dos cruzados, é muito bonita. Mas o grosso da cidade hoje se parece muito mais com bazares turcos e árabes do que com qualquer cidade europeia.





Almoçamos. (Ou melhor, Páris almoçou, pois eu estava ainda embrulhado por uma contaminação de salmonella de um inglês com quem dividi uma salada em Baalbek no dia anterior. Vou levar anos até comer salada de salsinha outra vez.)
Byblos toma coisa de meio dia, ou um dia inteiro se você quiser ir devagarinho. Não há muito a ver na cidade para além do castelo, da igreja, e das ruazinhas de lojas (que não são muitas). É relativamente pequena, mas bonitinha, e a menos de 1h de ônibus desde Beirute.

Retornamos à beira da pista onde o ônibus havia nos deixado — ou melhor, fomos para o outro lado, para pegar o fluxo contrário — e voltamos.
Ainda daria tempo para tomar uma bela vitamina de abacate perto da Rua Armênia em Beirute, onde a comunidade desse país vive. Foi engraçado porque eu comentava com Páris que eles, os armênios, têm o seu próprio alfabeto, e me detive para mostrá-lo a ele quando vi algo escrito em armênio na vitrine de uma loja.
O povo aqui sendo todo cioso, o homem logo veio à porta quase tirar satisfação. Eu o tranquilizei dizendo que estava só mostrando ao meu amigo o alfabeto armênio. “De onde vocês são?“, perguntou ele ainda querendo saber se podia tranquilizar-se mesmo. “Eu sou grego“, respondeu Páris, seguido do meu “E eu sou brasileiro.”
“Ah“, respondeu o homem aliviado, sabe-se lá por que. “Esta é a Rua Armênia. Vocês são bem vindos aqui“, declarou ele com um breve sorriso convidativo. Pelos países serem cristãos, deduzi eu. Além disso, Páris me diria que os gregos e armênios se dão muito bem por causa de sua rivalidade comum com os turcos. Fiquei a imaginar se eu estivesse aqui com algum amigo turco, e não grego, qual seria a reação.
Seja como for, deu pra sentir ao longo destes dias com muita clareza o comunitarismo e as tensões sociais do Líbano entre essas comunidades. Um país aconchegante, hospitaleiro ao turista, mas muito dividido entre si. Não sei qual será o seu futuro, nem o quanto sua situação atual de sectarismo é sustentável. Afinal, como vimos, muito já se montou e desmanchou aqui nestas terras.
Enfim, deixo isso aos cuidados dos libaneses. Eu cuidei da vitamina de abacate, e me preparei para zarpar ao Chipre no dia seguinte.
Linnnda. linda!… legendária e hístórica região. Um encanto essas ruínas maravilhosas, o céu e o mar de um azul belíssimos e as flores a suscitar a renovação da vida. Impressionantes efeitos, belíssimas paragens. Como que você percebe a movimentação dos cavaleiros medievais com suas cotas de malha, seus escudos, lanças espadas e cavalos. Parece que o tempo parou. Lindo. Belíssimas imagens. O mediterrâneo é um espetáculo à parte assim como o céu. Um belíssimo e imenso manto azul. Deslumbrante.
Gosto muito dessas fotos apoteóticas em que parece se assenhorear e querer abarcar o lugar e seus encantos. Muito significativas, meu jovem.
Ótimo levantamento Histórico. Ruinas romanas também muito bonitas. Belos sitios.
Que bom que Gibran Kalil Gibran foi lembrado e homenageado. Grande pensador. Fez sucesso em gerações anteriores à sua, jovem viajante.
As ruelas e as guloseimas também tem seu destaque. Aprecio esse movimento de lojinhas e lugares para olhar comprar, tomar algo, bavardear haha Ótima postagem. parabéns pela beleza captada, pelas escolhas dos lugares e por tentar trazer a alma da região. O Líbano quase que fala através da postagem e sensibilidade do viajante. Parabéns
Esqueci de comentar que lamento as divisões dentro do Líbano e exalto a importância desse comunitarismo que ao meu ver deveria se estender a todo o pais. Um pouco deste se vê aqui no Brasil entre os libaneses. Muito bonito de se saber. Meus amigos falavam com muito carinho desse viver familiar e comunitário na terra natal e da tentativa de manter esses vínculos cá. Aprendi a amar o Libano não sé pela sua História como com eles.